Thursday 30 May 2013

Patriarca-eleito critica co-adopção e críticas literárias

D. Manuel Clemente encontra-se por estes dias em Bruxelas onde, hoje, criticou duramente a lei da co-adopção por casais homossexuais. O Patriarca-eleito de Lisboa falou também de austeridade, à margem de um encontro com líderes religiosos em que participou.

A co-autora do livro-entrevista com o Papa, quando ainda era “apenas” Arcebispo de Buenos Aires, está em Portugal e conversou hoje com a Aura Miguel, falando da experiência.

Se fosse o ano passado, hoje seria feriado… Não foi para rimar, mas hoje é o dia de Corpo de Deus, um dos feriados suprimidos por causa da crise. D. Nuno Brás explica como se deve assinalar o dia, apesar de tudo.

Recentemente foi-me oferecido um livro sobre o “perdão”, escrito por um pastor pentecostal americano. Uma vez que este é um tema que me é particularmente caro, fiz aqui a crítica a “Incondicional?”. Em breve espero acrescentar algumas outras sugestões de livros sobre o tema, para quem quiser aprofundar.

"Incondicional?", de Brian Zahnd: Meio livro bom…

Em 2006 estava sentado num hotel no Vietname quando vi, num canal de notícias internacional, a notícia da matança numa escola da comunidade Amish, nos Estados Unidos. Nessa mesma noite surgiram as primeiras notícias da reacção da comunidade, que tinha feito questão de ir ter com a família do assassino para lhes dizer que não guardavam ressentimentos e que perdoavam. O próprio assassino tinha-se suicidado.

A partir dessa altura fiquei fascinado pelo tema do perdão.  Esse fascínio resultou primeiro num texto e eventualmente numa tese de mestrado.

Foi por isso com o maior interesse que soube da publicação de “Incondicional” de Brian Zahnd, um pastor pentecostal americano, que foi publicado em Portugal pela Letras d’Ouro, que muito simpaticamente me ofereceu um exemplar.

Tendo feito a minha tese sobre este assunto conheço já os principais trabalhos que foram escritos nos últimos anos sobre o perdão. Zahnd fala de pelo menos três deles, incluindo um que foi escrito sobre o caso dos Amish, e sustenta grande parte da sua argumentação nessas obras. Para quem não os conhece isso é uma forma boa de apanhar uma síntese, mas para quem os conhece bem, e serão claramente uma minoria dos leitores portugueses, o autor traz pouca coisa de novo.

O principal propósito do livro, contudo, é conseguido nas primeiras 150 páginas, isto é, realçar que o perdão não é um acessório bonito e secundário do Cristianismo, mas sim um aspecto absolutamente central. O perdão é uma das grandes novidades que o Cristianismo introduz no mundo e ainda hoje é algo que o distingue das restantes religiões. Isto é frequentemente ignorado por quem fala de valores judaico-cristãos, como se fossem todos comuns.

Zahnd é convincente ao estabelecer que o perdão é central para o Cristianismo e que um Cristianismo sem perdão não o é verdadeiramente. Daí lança algumas das questões importantes, como por exemplo, até onde se deve ir? A dúvida é tão pertinente, que foi precisamente a pergunta que São Pedro fez a Jesus. Quantas vezes devemos perdoar? Jesus foi claro, 70 X 7, que é como quem diz, infinitamente. É nesta altura que me lembro da frase de um simpático mas simples padre que confrontado com a passagem do Evangelho em que Jesus diz que se deve oferecer a outra face, começou a homilia dizendo: “Nem tudo o que Nosso Senhor nos diz é para se levado a sério”.

Mas não, este assunto claramente é para se levar a sério. Tão a sério que as últimas palavras de Jesus na cruz são para enfatizar este ponto: “Perdoai-os porque não sabem o que fazem”.

Zahnd faz pontes interessantes e desconhecidas da maioria entre o perdão proposto por Jesus e o antigo testamento. Mas como é hábito neste género de temas o mais interessante são mesmo os casos pessoais apresentados, como o da holandesa Corrie Ten Boom, que perdeu a família toda no holocausto e foi torturada por guardas alemães, que depois da guerra andou pela sua Holanda natal e pela Alemanha a pregar o perdão, até ao dia em que foi confrontada, no final de uma palestra, pelo seu carrasco no campo de concentração, que lhe tinha vindo pedir perdão pessoalmente. A sua explicação de como ultrapassou a resistência interior para estender a mão àquele homem é uma das maiores lições sobre o Cristianismo que já li.

Zahnd apresente muitos outros exemplos, todos inspiradores, e usa-os para tentar explorar também a complexa relação entre o perdão e a justiça, concluindo, correctamente, que perdoar alguém náo equivale a livrar essa pessoa da justiça civil.

Amish, exemplos de perdão cristão
Infelizmente, contudo, Zahnd deixa alguns temas por explorar, ficando só pela rama. No caso dos Amish, que ele apresenta como o protótipo da prática do perdão cristão, baseia-se muito no livro “Amish Grace”, mas ignora totalmente os trechos desse livro que falam de como para alguns membros da comunidade, sobretudo vítimas de abusos sexuais, o facto de haver tantas expectativas sobre o perdão pode tornar-se um peso, causando traumas quando este não surge de forma espontânea. Nada disto invalida a importância e a pertinência do perdão, mas ajuda-nos a compreender que o tema nem sempre é simples.

Zahnd faz outra conclusão particularmente importante, que levanta dúvidas a muita gente. Perdão e reconciliação, são a mesma coisa? A resposta é não e a consequência dessa resposta é que é possível perdoar um infractor que não se arrependa, na medida em que é possível perdoar sem reconciliar, pois a reconciliação, essa sim, exige o arrependimento do infractor.

Temos então, até este momento, meio livro bom. O problema começa a partir daí, até ao fim da obra, com Zahnd a lançar-se no que parece ser uma interminável homilia, dirigida sobretudo a um público-alvo americano e evangélico com o qual poucos leitores portugueses se identificarão. O seu objectivo é convencer-nos que é preciso viver o Cristianismo de forma mais radical, algo que se pode aplicar tanto ao tema do perdão como a muitos outros, e de facto, pelo meio, o autor mete referências ao perdão quase que a martelo, como se lembrasse de vez em quando de que era esse o propósito do livro.

É pena, porque chega-se ao fim do livro a pensar que metade do tempo que despendemos a lê-lo foi um desperdício, o que era desnecessário, tendo em conta a riqueza do tema.

Se recomendo o livro? Recomendo sobretudo para quem quer uma introdução ao tema e para quem não tem facilidade em ler inglês e que por isso não se pode lançar a ler obras que são, para dizer a verdade, substancialmente melhores, mas estão por traduzir.


Filipe d'Avillez

Wednesday 29 May 2013

Ter filhos, sem medo!

Quarta-feira é dia de audiência-geral no Vaticano, o que com o Papa Francisco dá sempre muitas notícias. O Papa respondeu a todas aquelas pessoas que dizem admirar Cristo mas não gostar da Igreja, defendendo que isso não faz sentido.

1º Bravo!
2º Claramente Sua Santidade não conhece a minha filha mais nova…

Esta não é de hoje, mas ainda do Vaticano, o Papa propõe uma adoração eucarística simultânea em todo o mundo para o dia 2 de Junho, Domingo para o qual foi deslocado liturgicamente o Corpo de Deus, que se celebra de facto esta quinta-feira.

Lembram-se do musical Wojtyla? Foi um grande sucesso na altura e agora está de volta aos palcos, a começar por Porto e Braga. Está tudo aqui, não percam!

Polémica em Israel, com o Governo a aprovar o fim da isenção ao serviço militar para os ultra-ortodoxos. Mais pacífica é a descoberta, em Génova, daquele que poderá ser o rolo de Torá mais antigo do mundo!

Na Venezuela falta vinho de missa, imagine-se, e a Igreja teme que dentro dos próximos dois meses poderá esgotar mesmo. Alimento é o que não falta, porém, na tradição beneditina. O mosteiro de São Martinho de Tibães (hoje em dia património do Estado), vai lançar um livro de receitas tradicionais da ordem.

Por falar em clérigos e em alimentação, o artigo do The Catholic Thing desta semana fala do perigo da luxúria entre os religiosos e começa com esta história: Enquanto o noviço olha, pasmado, para os quartos aprumados, a mobília luxuosa e os plasmas caríssimos na parede do mosteiro, exclama: “Se isto é pobreza, que venha a castidade!”

Luxúria

Randall Smith
Há uma velha piada sobre um noviço que está a conhecer o mosteiro da sua ordem mendicante. Enquanto olha, pasmado, para os quartos aprumados, a mobília luxuosa e os plasmas caríssimos na parede, exclama: “Se isto é pobreza, que venha a castidade!” Segundo consta, isto passou-se na realidade, recentemente, quando um grande benfeitor fazia uma visita guiada a um mosteiro de frades mendicantes no Leste dos Estados Unidos.

Como é hábito com o humor satírico, há aqui não só um grão de verdade nos detalhes, mas também uma sabedoria mais profunda. A relação entre pisar ligeiramente a linha no que diz respeito aos votos de pobreza, e dar vários saltos no que diz respeito aos de castidade, não é acidental. Os mestres espirituais da Idade Média, com uma sabedoria que nos escapa, costumavam falar dos perigos da luxúria, de viver uma vida “morna”, rodeada de confortos. O Papa Francisco recentemente avisou para o mesmo perigo.

Da minha parte, não posso deixar de pensar que o horror da pedofilia na Igreja terá sido causado não só pela sexualização da cultura nas décadas de 60 e 70, mas também pela incapacidade de dominar os desejos próprios, a justificação mais ouvida para a violação dos votos sacerdotais, uma realidade que radica na excessiva luxuria em que viviam os clérigos nas décadas de 40 e 50: Seminários confortáveis, boas refeições, “palácios” episcopais, botões de punho chiques, camisas brancas engomadas... todos os luxos do homem de negócios de classe média-alta. Imaginem o Don Draper, dos Mad Men, como padre, e ficam com uma ideia.

Um amigo meu europeu comentou uma vez: “Os vossos padres, aqui na América, são tão... burgueses”. Vivem em casas confortáveis, conduzem carros confortáveis, dão o seu tempo a causas confortáveis. As exigências que fazem à “carne” são decididamente poucas e as acomodações ao “mundo” são muitas.

Claro que também há padres que vivem vidas modestas e santas, mas não são tantos como deviam ser.

Frequentemente ouvimos os padres a dizer nas suas homilias que devemos aprender a viver fora das nossas “zonas de conforto”. O seu sentido é “espiritual”, ou seja, “metafórico”. É uma frase feita que aprenderam durante o curso de psicologia que tiraram em vez de se prepararem para o sacerdócio, estudando os padres e os doutores da Igreja.

São Francisco teve uma atitude diferente. Quando ouviu dizer: “Vai, vende tudo o que tens e segue-me”, foi precisamente isso que fez. E quando ouviu: “Francisco, restaura a minha Igreja”, restaurou literalmente a Igreja de São Damião. Com o Papa Francisco teremos um novo modelo para o clero? Segundo este modelo, se os padres acreditam que é importante (como insistem em dizer), sair da nossa “zona de conforto”, então talvez pudessem começar por dar o exemplo, saindo das suas zonas de conforto, literalmente.

Quando ouvimos falar em monges medievais a “disciplinar a carne”, pensamos que terão estado envolvidos nalguma forma de auto-flagelação  Na maioria dos casos, não. Não é que nunca o fizessem, é simplesmente que quando o faziam era normalmente para se recordarem de maiores graus de disciplina que deviam observar, uma disciplina de mente e de espírito – de toda a vida, incluindo desejos, vontade e intelecto, orientados para Deus.

Modelo para os padres dos anos 50?

Na Bíblia, quando São Paulo fala em não sucumbir aos desejos “da carne”, não está a dizer que o corpo é mau, da mesma maneira que quando diz que não devemos sucumbir aos desejos “mundanos”, não está a dizer que o mundo é mau. O mundo que Deus criou é bom, “muito bom”, como é a carne na qual fomos criados e na qual ele encarnou. O problema surge quando “o mundo”, em vez de nos guiar em direcção ao seu criador, nos leva no sentido contrário. O problema surge quando “a carne”, em vez de servir a pessoa, se torna mestra, e nós nos tornamos escravos dos nossos apetites e desejos.

E atenção, logo que que os desejos menores se começam a tornar nossos mestres, mais ninguém o poderá fazer. Quando começam as pequenas infidelidades contra a pobreza e a castidade, não tardarão as infidelidades contra a obediência. “Não devo obediência aos meus superiores”, ouvimos dizer. “Não enho de temperar a minha teimosia”. “Afinal de contas, porque é que existem todas estas regras tontas – regras contra ‘sentimentos’ e ‘desejos’ perfeitamente normais?” Sim, são sentimentos e desejos “perfeitamente normais”. Mas isso não significa que tenham de ser saciados. Quando começamos a pensar que sim – que têm de o ser – então é porque as sementes da infidelidade mais séria já foram plantadas.

A Igreja já esteve nesta posição. Os católicos nem sempre percebem o quão “morno” e corrupto o clero se tinha tornado antes do Concílio de Trento. Padres com pouca educação e ainda menos formação espiritual, tachos confortáveis e uma amante ou duas à disposição: Lutero tinha muita matéria para trabalhar.

É precisamente por causa do Concílio de Trento, aliás, que temos seminários. A ideia era serem um tipo de pequenos mosteiros, onde as virtudes monásticas podiam ser cultivadas e os votos de pobreza, castidade e obediência aperfeiçoados. Seriam espaços para ensinar aos jovens padres aquilo que os mosteiros já sabiam há séculos, nomeadamente que “disciplinar a carne” significa, em primeiro lugar, não ceder às tentações da luxuria – da “moleza”.

Se nas próximas décadas virmos uma “nova envangelização”, então será necessário os bispos aprenderem com as lições do passado sobre a renovação sacerdotal. Aqueles padres a viver, sozinhos, em casas nos subúrbios... são um desastre à espera de acontecer. Senhores bispos, chamem-nos de volta a casa para viverem convosco em comunidade. Viver com os seus padres numa comunidade monástica foi o que fez Santo Agostinho em Hipona, e ele mudou o mundo.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no quinta-feira, 25 de Abril 2013 em The Catholic Thing)

© 2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Wednesday 22 May 2013

Ayatollahs, Chechenos e crianças santas

Novamente Paris?...
O Papa disse hoje que é blasfémia dizer-se que se mata em nome de Deus. Francisco também pediu orações pelos católicos na China.


Motins na Suécia a fazer lembrar os de Paris há alguns anos. As motivações não são religiosas, mas estão a decorrer num bairro que é 80% muçulmano.

E nos EUA as autoridades interrogaram e acabaram por matar a tiro um homem suspeito de ter sido cúmplice dos irmãos Tsarnaev num triplo homicídio que decorreu em 2011. O homem foi morto depois de atacar o agente do FBI. Tal como os Tsarnaev é checheno e estaria a preparar-se para voltar para o seu país.

Dois eventos interessantes nos próximos dias. Uma conferência sobre João XXIII e outra sobre a importância da família. Esta última decorre em Madrid e é particularmente dirigido aos profissionais de comunicação social, portanto divulguem pelos vossos conhecidos que possam estar interessados.

Próximos eventos...

Uma vez que vou novamente de férias nos próximos dias, e o mailing list será por isso interrompido, aproveito para divulgar alguns eventos que vão decorrer entretanto.

Já no dia 25 de Maio há uma conferência sobre o Papa João XXIII, que é organizado pelo movimento Nós Somos Igreja e que decorre no Convento de São Domingos, em Lisboa. Começa às 15h30, inclui dois painéis de debate, e acaba com missa às 18h15.

Na segunda-feira seguinte decorre em Madrid um encontro dedicado à família. Este é especialmente dedicado a jornalistas e profissionais da comunicação social e o título é: "Comunicamos bem a importância da Família?", um tema cada vez mais importante!

Podem ver mais detalhes clicando na imagem acima e os eventuais interessados em participar devem contactar a parceira portuguesa da organização, Be Family, por e-mail: info@befamily.pt

As Pequenas Almas Sofredoras: Audrey Stevenson de Paris

Austin Ruse
O argumento mais forte dos ateus é aquele sobre o sofrimento. É quase um cliché. Se Deus nos ama, porque é que permite o sofrimento? Não estamos a falar de uma dor de dentes, mas de dor incessante e dilacerante, dor de morte. Permitiu-o para o seu próprio filho.

Este tipo de sofrimento em qualquer pessoa é um mistério, mas muito mais quando se trata de crianças. Suspeito que isto seja algo que já tenha afastado muita gente da fé. E quando a dor se abate sobre uma criança que tem uma familiaridade precoce com Deus, é menos misterioso por isso? Certamente não o é para o ateu, nem para um mórmon ou para um judeu, que não partilham a compreensão que os católicos têm do sofrimento.

Acreditamos que o sofrimento, bem entendido, nos aproxima de Deus, ajuda-nos a aliviar o sofrimento de Cristo e contribui para a salvação de outros. Mas trata-se de uma ideia monstruosa para aqueles que não a compreendem.

Vivemos numa era de grandes santos. João Paulo Magno, Josemaria Escrivá. Madre Teresa. Padre Pio. Gianna Molla. Brendan Kelly. Margaret Leo. Audrey Stevenson.

Não conhece estes últimos três? São os mais pequenos dos santos sofredores. Há muitos outros pelo mundo fora, crianças com um sentido apurado de Deus, mesmo em bebés, que sofreram doenças e maleitas terríveis mas que ofereceram o seu sofrimento para o benefício de outros, para Cristo, e que morreram novos.

Audrey Stevenson nasceu em 1983 numa família que era católica mas na qual nem se rezava antes das refeições. Quando tinha três anos a família visitou a casa de Santa Teresa de Lisieux e depois o convento onde a Pequena Flor viveu e morreu. Aí a Audrey exclamou: “Quero entrar para o Carmelo”.

Pouco depois a família mudou-se para um apartamento novo. Audrey desenhou um crucifixo amarelo e colocou-o na parede. Tinha colocado crucifixos idênticos em cada quarto da casa, onde permaneceram durante muito tempo.

Certo dia Liliane, a sua mãe, reparou que Audrey estava a coxear. Tinha colocado lápis dentro dos sapatos para “poder resistir”, uma compreensão bastante sofisticada da mortificação, para uma criança, e algo que ninguém lhe tinha ensinado.

Um dia foi ao parque com o avô. Atravessou avenidas, pontes e grandes cruzamentos, numa zona muito movimentada de Paris. Perdeu-se. Alarmado, o avô ligou para casa e descobriu que Audrey já lá estava. Disse que tinha sido conduzida por Jesus.

Tudo isto aconteceu com uma menina de três anos numa família que não era particularmente devota.

Em casa introduziu o conceito de dar graças antes de comer. Uma vez na casa de verão, na Bretanha, insistiu nas orações. O seu tio americano, Alexander Cummings, provocou-a: “Mas Audrey, se temos de dar graças a Deus cada vez que comemos, então devíamos dar graças a toda a hora, por tudo”. Ao que a Audrey respondeu: “Sim, isso mesmo”.

As histórias da sua devoção são infindáveis. Vivia uma fé profunda, tanto interior como exteriormente, como raramente se encontra nesta vida. A sua mãe disse: “A Audrey espanta-nos. Está para além de nós”. Conhecia o catecismo sem ter sido ensinada. O padre disse-lhes que não fizessem nada, que apenas a seguissem. E assim fizeram.

Aos cinco anos a Audrey pediu autorização à Igreja para poder comungar. Tipicamente, uma criança em França fazia a primeira comunhão aos nove ou dez anos. Questionaram-na exaustivamente, primeiro pelo seu prior, depois por outro e depois por outro ainda. Determinaram que a menina estava pronta e por isso a família viajou até Lourdes, onde  ela comungou pela primeira vez.

O que se nota da sua vida é que não só estava próxima de Cristo, como também aproximava Cristo dos outros. Primeiro da sua família, depois de um grupo cada vez maior.

Audrey com o Papa João Paulo II

A Estrada que acabou por levar a fé de Audrey aos outros, muito para além da família, foi a doença. Os seus pais tinham tido um pressentimento de que algo iria acontecer para os testar a eles e a ela. Aos seis anos contraiu pneumonia e teve de passar muito tempo sozinha enquanto a mãe e o pai cuidavam dos outros filhos. Passou o tempo em oração e a cantar. A sua mãe começou a questionar se a doença faria parte da missão de Audrey.

A doença mortal surgiu aos sete. Leucemia. Foram muitos meses de tratamento, incluindo radioterapia, quimioterapia, punções lombares e transplantes de medula. E assim começou a sua missão de ensino, uma missão que atravessou as fronteiras de França e chegou a outros países.

Entre família e amigos começou-se a rezar um terço todas as terças-feiras pelas suas melhoras. Começou por ser uma coisa pequena, mas cresceu. Aconteceram milagres nesses encontros. Meninas pequenas ensinaram os seus pais a rezar o terço. Famílias inteiras regressaram à fé. Uma pagela da Audrey começou a espalhar-se pelo país.

O seu sofrimento no hospital foi intenso. A quimioterapia deixou-a sem saliva, as pálpebras colavam-se aos olhos e todos os seus ossos doíam. Dizia repetidamente: “Estou na cruz. Estou na cruz”. Durante as dolorosas punções lombares repetia: “Pelo tio Mick, pelo pai, pelas vocações”. Durante um dos tratamentos dolorosos os médicos ouviram-na a cantar músicas a Nossa Senhora.

Depois de um transplante de medula falhado soube-se que tinha apenas três semanas de vida. Os pais levaram-na a Lourdes; levaram-na também a conhecer o Papa, com quem teve uma intensa conversa privada. Perto do final vieram pessoas de todo o país, pedindo que ela rezasse pelas suas intenções, coisa que ela fez, apesar da dor, uma após outra.

Por fim morreu. O seu pai, que é padrinho da minha filha Gianna-Marie, diz que certa vez receberam a visita de um padre mexicano. O padre disse: “Devo a minha vocação a uma menina francesa que rezava pelas vocações e morreu de leucemia.” Ao que o seu pai, Jerome, respondeu: “Está sentado no quarto dela”.

A causa da canonização de Audrey começou em Paris há poucos anos.

Audrey Stevenson, rogai por nós.


Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.

(Publicado pela primeira vez em www.thecatholicthing.com na Sexta-feira, 17 de Maio de 2013)

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Tuesday 21 May 2013

Exorcismos e Bashar al-Assad

Tem-se falado muito de um exorcismo atribuído ao Papa Francisco no passado Domingo, em plena Praça de São Pedro.

A Sala de Imprensa da Santa Sé já veio negar que se tenha tratado de um exorcismo, dizendo que o Papa simplesmente rezou pela pessoa que lhe foi apresentada. Penso que quem vê as imagens percebe facilmente que alguma coisa se passou ali. Caso não tenha visto, aqui fica o vídeo, decida por si (é às 2 horas e 37 minutos).


Ainda assim, o meu momento favorito continua a ser às 2 horas, 35 minutos e 20 segundos.

Está em Portugal um bispo auxiliar de El Salvador que vem falar de Oscar Romero, o arcebispo assassinado pelo regime salvadorenho que pode estar a caminho da beatificação.

Guerrilheiros do Hezbollah estão a combater ao lado das forças do regime de Bashar al-Assad, na Síria. A situação preocupa muito o resto do país, que não se quer ver arrastado para um conflito cada vez mais inter-religioso.

Monday 20 May 2013

Projecto Família e Patriarca de Lisboa

Claro que a notícia dos últimos dias é a confirmação da nomeação de D. Manuel Clemente para o Patriarcado de Lisboa.


Resta agora saber quem será o novo bispo do Porto. Mas há mais nomeações na calha…

Numa altura em que as famílias estão cada vez mais desestruturadas, que bom saber que há quem se dedique a mantê-las unidas apesar das dificuldades! É o caso do “Projecto Famílias”, do Movimento de Defesa da Vida, que vale a pena conhecer melhor.

No Iraque a tensão entre xiitas e sunitas está no ponto mais alto desde os últimos cinco anos. Só hoje contabilizaram-se mais de 50 mortos.

Friday 17 May 2013

Novo Patriarca de Lisboa

Vários órgãos de informação estão a avançar que o próximo Patriarca de Lisboa é D. Manuel Clemente, e que a decisão será anunciada oficialmente amanhã.

Esta notícia coloca-me numa posição complicada uma vez que o órgão de informação para a qual trabalho está sujeita a um embargo em relação à divulgação do próximo Patriarca, que apenas termina amanhã, às 11h00, altura em que a notícia será avançada oficialmente pelo Vaticano.

Contudo, hoje a Renascença divulgou uma notícia dando conta de que a agência Lusa está a avançar que o próximo Patriarca é D. Manuel Clemente, mas que ainda não é oficial. Sendo assim, julgo que já posso fazer o mesmo através deste e-mail para o benefício dos meus leitores.

Este serviço existe para vos fazer chegar informação variada e, sempre que possível, em primeira mão. Contudo, não violarei embargos para o fazer. A jornalista que avançou com esta notícia em primeira mão, Rosa Ramos, do jornal “i”, explica que não violou qualquer embargo porque transmitiu a informação às 18h00, recebida de fontes que não estão sujeitas a embargo, e que apenas recebeu a informação embargada às 19h.

Amanhã, portanto, às 11h00 será conhecida a notícia oficial do próximo Patriarca de Lisboa. Tudo indica, por enquanto, que D. Manuel regressa a casa. Vale a pena estarem atentos ao site da Renascença, que terá certamente muita informação, segunda-feira enviarei mail com um apanhado do mais importante.

Cumprimentos,
Filipe

Monday 13 May 2013

Um de Sete

Brad Miner
Eric Metaxas é autor de alguns livros religiosos para crianças e duas biografias muito bem recebidas de William Wilberforce (2007) e Dietrich Bonhoeffer (2011), e o seu mais recente livro “7 Men – and the Secretsof Their Greatness”, inclui breves perfis tanto do abolicionista inglês como do pastor evangélico alemão martirizado. Os outros cinco são George Washington, o velocista Eric Liddell, o grande jogador dos Dodgers Jackie Robinson, o falecido amigo de Metaxas, Charles W. Colson, e – mais importante para os nossos leitores – o Papa João Paulo II.

Embora escrito para um público adulto, “7 Men” pode ser lido por adolescentes, sendo aliás muito recomendado para estes. Estes perfis devem ser inspiradores, e são-no, embora me aborreça que o autor use o termo “herói” como sinónimo de “modelo” [Role Model]. Jackie Robinson foi heróico e por isso, suponho, talvez sirva de modelo para miúdos, mas o carácter é uma realidade tão complexa que duvido.

Todos os heróis de “7 Men” foram, em mais do que um sentido, fortes, e Metaxas escreve que “a ideia de Deus de tornar os homens fortes era de que usassem essa força para proteger mulheres e crianças e mais quem precisasse”. Por outras palavras, tinham cavalheirismo, (um tema que me é caro). Este pode ser definido como força “posta ao serviço de Deus”. De que outra forma é que homens conseguem fundar uma nação (Washington), acabar com a escravatura (Wilberforce), voltar as costas à fama (Liddell), sacrificar tudo (Bonhoeffer), quebrar a barreira racial (Robinson), mudar o mundo (João Paulo II), e ultrapassar a humilhação pública (Colson)?

Cada um destes homens tinha uma firmeza quase preternatural para fazer a coisa certa. No caso de Washington não se tratava só de liderar os novos Estados Unidos, mas dar um exemplo de moderação ao abandonar o cargo público e retomar a vida privada. Wilberforce poderia ter sido primeiro-ministro, mas dedicou a sua vida a libertar os africanos da escravatura. Liddell opôs-se ao rei e à nação para poder honrar o sábado, depois abandonou o atltetismo para se dedicar às missões na China. Bonhoeffer enfrentou os nazis, abandonando a segurança dos Estados Unidos para regressar à Alemanha, e por isso foi enforcado. Robinson manteve a calma quando confrontado com o racismo mais selvagem, abdicando, nas palavras de Metaxas, de algo a que poucos abdicam, o direito à retaliação. Chuck Colson subiu, caiu e pôs-se de pé outra vez: “A sua fé era tão forte que sabia que a única coisa a fazer era confiar em Deus tão completamente que pareceria loucura para o mundo... Mas a ele não interessava o que pensassem os outros – apenas Deus”.

E depois há João Paulo II: “De todos os homens neste livro, apenas um passou a ser conhecido como ‘magno’”.

A informação biográfica sobre Karol Wojtyla incluída em “7 Men” é já do conhecimento de quem tenha lido a obra de George Weigel, mas o Sr. Metaxas, que é de tradição Ortodoxa, captura de forma clara a essência da sua vida extraordinária: “Cada incidente, cada pessoa que conheceu, cada talento que lhe foi dado o ajudou ao longo do caminho que Deus lhe tinha traçado”.
 
João Paulo "Magno"
Aqui estava um homem, mais até que os restantes seis, chamado por Deus, dirigido por Deus e protegido por Deus.

Dada a necessidade de descrever a vida do Papa Wojtyla em apenas vinte páginas, não sei o que é que incluiria (ou o que deixaria de fora), mas Metaxas foca-se, sabiamente, naqueles incidentes que sustentam a premissa de que o futuro Papa não só tinha sido chamado por Deus a desempenhar o papel histórico que desempenhou, mas também que era um homem que nunca hesitou em cumpri-lo. Durante a segunda Guerra Mundial, ele e os amigos estavam a esconder-se de alemães que faziam uma busca casa-a-casa. Enquanto os outros se apertavam, assustados, “Lolek” Wojtyla prostrou-se em oração. Os soldados passaram sem entrar.

Quando o pálio papal lhe foi passado, respondeu: “É a vontade de Deus. Aceito”.

A fé do Papa era de tal maneira forte – a palavra de Deus na sua mente e no seu coração era tão clara – que católicos de todas as facções o aceitaram como seu. Apoiou a Solidariedade, e também o mercado livre. Falou da beleza do amor e do sexo, mas nunca se desviou da ortodoxia da Humanae Vitae. E a sua capacidade de reconciliar vários interesses concorrentes dentro da Igreja ganhou-lhe muitas conversões.

Daí que Jennifer Bradley, do liberal New Republic, que apesar de não ter gostado muito dele, no início, não deixou de participar numa missa papal, escrevendo depois : “Agora o meu cepticismo terá de partilhar espaço com admiração e, estranhamente, gratidão”.

Uma aceitação da Cruz sem medo, escreve Metaxas, foi o verdadeiro segredo da grandeza de João Paulo II: “Ele não procurou a grandeza nem o poder, mas ambos vieram ter com ele na medida em que focava a sua atenção e a sua energia, tal como Deus tinha ensinado, naqueles que tinham menos capacidade de retribuir.”

Regressamos ao cavalheirismo. Omnia vincit amor.


(Publicado pela primeira vez na Segunda-feira, 6 de Maio 2013 em The Catholic Thing)

Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador senior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

© 2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Friday 10 May 2013

Votar, no Paquistão, é só para muçulmanos bem comportados

Francisco com Tawadros e o seu gangue
O Pontificado do Papa Francisco será consagrado a Nossa Senhora na próxima segunda-feira dia 13, em Fátima. O santuário espera um “boom” de acessos ao site para assistir às cerimónias.

O Papa dos Coptas esteve hoje com o Papa dos Católicos a venerar São Pedro, no Vaticano. Francisco elogiou Tawadros e falou no “Ecumenismo do sofrimento”, uma realidade cada vez mais presente no Médio Oriente.

A polícia turca diz ter frustrado um plano para assassinar o Patriarca de Constantinopla. O homicídio serviria para comemorar a ocupação islâmica daquela cidade, hoje chamada Istambul.

Domingo é dia das Comunicações Sociais, a Igreja está cada vez mais presente nas redes sociais, mas é um processo de aprendizagem que tem altos e baixos. Por exemplo, os bispos dizem todos que é muito importante estar nas redes sociais, mas em Portugal só dois dão o exemplo.

Amanhã o Paquistão vai a votos. Mas quatro milhões de pessoas só podem votar se renegarem oficialmente a fé… viva a democracia!

Durante a próxima semana vou estar fora e por isso não vai haver mails.

Thursday 9 May 2013

Três Papas no Vaticano...

É uma daquelas pessoas a quem faz impressão ver dois papas no Vaticano? Então saiba que a partir de hoje estão lá três… Mas não se preocupe, um deles é o Papa Tawadros, da Igreja Copta Ortodoxa.

Como se não bastasse o recorde de “papas no Vaticano ao mesmo tempo”, no Domingo o Papa Francisco vai-se tornar também um recordista de canonizações. Com mais de 800 de uma assentada, ultrapassa em larga escala o Papa João Paulo II.



Não fazem eles, faço eu: Não deixem de passar pelo blogue do Actualidade Religiosa, onde podem ler um artigo do The Catholic Thing sobre os padres enquanto “Ungidos de Deus”, visitem o grupo no Facebook, que hoje ultrapassou as 1300 pessoas e já conta com dois novos administradores, e se estiverem no Twitter, sigam-me para estarem a par das mais recentes novidades!

E por fim, se vivem na área da grande Lisboa marquem o dia 18 de Maio na agenda e peçam convites para ir à festa do Ponto de Apoio à Vida, uma organização que ajuda, no terreno, as mulheres a escolher a vida e que bem merece as “25 vidas” que custa o convite. A festa promete, nem que seja porque eu vou lá estar e, se me pedirem discretamente, dou autógrafos.

Wednesday 8 May 2013

Das directas e dos ungidos de Deus

Clicar para aumentar
O Papa reuniu-se hoje com superioras gerais de ordens religiosas e sublinhou o aspecto maternal da sua vocação, bem como a ideia de obediência e de autoridade.






E por fim, atenção jovens de Braga… quem quiser fazer uma directa com Deus, é só clicar na imagem para saberem como se podem inscrever!

O Papa Francisco e os “Ungidos de Deus”

Padre Bevil Bramwell, OMI
Acontece tanta coisa durante um ano litúrgico que muitos eventos importantes passam sem sequer darmos por eles. Um acontecimento bastante importante – ao qual quase ninguém deu importância na altura – foi quando o Papa Francisco falou especificamente ao clero, mesmo antes da Páscoa, sobre o sacerdócio, durante a sua homilia na missa crismal, em São Pedro. Vale a pena olhar de perto para as suas palavras.

Na missa crismal o bispo benze os óleos que serão usados durante o ano para os baptismos, crismas, unção dos doentes e ordenações. A graça desses sacramentos preserva e ajuda a desenvolver a Igreja pela qual ele é responsável.

Em Roma, o Papa Francisco disse: “As Leituras e o Salmo falam-nos dos «Ungidos»: o Servo de Javé referido por Isaías, o rei David e Jesus nosso Senhor. Nos três, aparece um dado comum: a unção recebida destina-se ao povo fiel de Deus, de quem são servidores; a sua unção «é para» os pobres, os presos, os oprimidos”.

Ele não disse que era para os “católicos pobres”, etc. Há muito que a Igreja atende a, e defende, os pobres e oprimidos de qualquer comunidade em que está presente.

A expressão usada pelo Papa recorda as palavras amargas usadas pelo último imperador pagão de Roma, Juliano, o Apóstata: “Enquanto os sacerdotes pagãos ignoram os pobres, os odiosos galileus [i.e., cristãos] dedicam-se a obras de caridade e, ao exibir esta falsa compaixão estabeleceram e efectivaram os seus erros perigosos. Esta prática é comum entre eles e conduz ao desprezo pelos nossos deuses”. (Epístola aos sumos sacerdotes pagãos)

Claro que os “Deuses” de Juliano não existiam. E numa cultura que os promovia, actos de verdadeira caridade mostravam até que ponto esses “deuses” eram de facto nada mais que imaginação. Não devemos encarar isto com leveza, tendo em conta que os dois falsos deuses, criados da imaginação moderna – o nazismo e o marxismo – assassinaram dezenas de milhões de pessoas no século XX e a contagem do extremismo liberal em assuntos como o aborto na nossa própria sociedade é grande e continua a crescer.

O Papa estabelece uma ligação entre a unção e os actos dos ungidos, os padres. Originalmente: “Também no peitoral [do sacerdote] estavam gravados os nomes das doze tribos de Israel (cf. Ex 28, 21). Isto significa que o sacerdote celebra levando sobre os ombros o povo que lhe está confiado e tendo os seus nomes gravados no coração. Quando envergamos a nossa casula humilde pode fazer-nos bem sentir sobre os ombros e no coração o peso e o rosto do nosso povo fiel, dos nossos santos e dos nossos mártires, que são tantos neste tempo”.

Psicológica e espiritualmente, estamos perante um homem de natureza diferente. Este padre que conscientemente “carrega” o seu povo quando se aproxima do altar do Senhor. A graça e o esforço moldaram a sua consciência para agir dessa forma. O padroeiro dos padres, São João Vianney, considerava-se responsável pelas falhas morais do seu povo.


Francisco usa repetidamente o termo “seu povo”. O padre não é um director executivo, mas o pastor do seu rebanho. O termo, retirado das escrituras, ainda tem peso. Não foi substituído por alternativas seculares e modernas.

Mais, o pastor tem um efeito sobre o seu rebanho:

“O bom sacerdote reconhece-se pelo modo como é ungido o seu povo; temos aqui uma prova clara. Nota-se quando o nosso povo é ungido com óleo da alegria; por exemplo, quando sai da Missa com o rosto de quem recebeu uma boa notícia. O nosso povo gosta do Evangelho quando é pregado com unção, quando o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia, quando escorre como o óleo de Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina as situações extremas, ‘as periferias’ onde o povo fiel está mais exposto à invasão daqueles que querem saquear a sua fé. “

Não estamos perante a boa nova da homilia de “duas piadas e um anúncio”, mas da verdadeira Boa Nova, com maiúsculas. Além disso, o Papa faz esta afirmação sabendo por experiência que a fé genuína é recebida com hostilidade.

A sua reflexão termina com um olhar sobre a paróquia:

“As pessoas agradecem-nos porque sentem que rezámos a partir das realidades da sua vida de todos os dias, as suas penas e alegrias, as suas angústias e esperanças. E, quando sentem que, através de nós, lhes chega o perfume do Ungido, de Cristo, animam-se a confiar-nos tudo o que elas querem que chegue ao Senhor: ‘Reze por mim, padre, porque tenho este problema’, ‘abençoe-me, padre’, ‘reze para mim’… Estas confidências são o sinal de que a unção chegou à orla do manto, porque é transformada em súplica – súplica do Povo de Deus.”

A visão que o Papa tem de uma verdadeira paróquia é sumamente interpessoal e verdadeiramente comunal (a “comunidade”, infelizmente é um conceito que foi esvaziado de verdadeiro sentido nos Estados Unidos). Ele enfatizou o aspecto interpessoal de forma negativa também, falando do padre que “não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração”.

Este é um Papa que tem uma forma bastante terra-a-terra, mas solidamente teológica, de comunicar a fé. E ainda agora começou.


(Publicado pela primeira vez no Domingo, 5 de Maio 2013 em The Catholic Thing)

Bevil Brawwell é sacerdote dos Oblatos de Maria Imaculada e professor de Teologia na Catholic Distance University. Recebeu um doutoramento de Boston College e trabalha no campo da Eclesiologia.

© 2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte:info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Monday 6 May 2013

O'Malley nos Açores, Ameal em Seoul

PSY reconhece superioridade de Thereza Ameal
Este fim-de-semana estive nos Açores para cobrir as festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres e entrevistar o Cardeal Sean O’Malley.


Como sempre pode ler a transcrição integral aqui. A conversa decorreu toda em português.

As festas em si foram marcadas, infelizmente, pela greve da Sata, que deixou milhares de emigrantes apeados. Mas dos que conseguiram voltar à terra Natal para as festas todos concordam que nada se compara ao original.

Entretanto o Papa também falou dos abusos na Igreja, este fim-de-semana, pedindo coragem na defesa das crianças. Dirigiu ainda umas palavras às mães, por ter sido dia da Mãe em muitos países.


Abusos sexuais: Nos EUA pior já passou


Transcrição integral da entrevista feita ao Cardeal O’Malley. Notícias aqui e aqui. A entrevista foi realizada inteiramente em português.

O que significa para si participar nestas celebrações do Santo Cristo dos Milagres?
É uma alegria imensa poder estar aqui, sobretudo durante o ano da fé. Fui bispo de Fall River durante 10 anos e tive muitas vezes a oportunidade de celebrar com os nossos fiéis, onde metade dos católicos são açorianos e mantém muitas das tradições portuguesas, como as festas do Divino Espírito Santo, e as do Santo Cristo, que são muito importantes. Assim, poder ir ao sítio onde têm origem estas devoções é um privilégio e uma alegria muito grande.

No seu trabalho pastoral tem trabalhado muito com portugueses e é conhecida a sua simpatia por esta comunidade e pelo país. O que é que realçaria da prática religiosa dos portugueses?
Em Washington, quando era um padre jovem trabalhava com emigrantes, sobretudo da América Central, mas também alguns retornados portugueses de África, que voltando para Portugal acabaram por ir para os EUA e assim começámos uma paróquia portuguesa em Washington. Depois de 10 anos como bispo das Ilhas Virgens, fui nomeado bispo de Fall River, onde há muitíssimos portugueses, quase todos açorianos, e assim fiquei a conhecer muito bem as suas tradições. Para os emigrantes a religião e a fé são muito importantes para a sua própria identidade. A Igreja é o centro da sua vida religiosa e social.

Há muitas comunidades diferentes na Igreja nos Estados Unidos. Faz sentido falar de um catolicismo americano?
Somos uma Igreja de imigrantes, mas os emigrantes americanos formam um mosaico entre si e os portugueses americanos já não são iguais aos portugueses de Portugal, os irlandeses americanos têm uma experiência diferente. Têm diferentes tradições mas também se integram numa nova realidade.

Ao longo dos últimos anos temos notado uma interessante evolução na Igreja Americana. Olhando para a hierarquia vemos uma Igreja unida, forte, influente, sem medo de participar nos debates públicos… mas a nível dos fiéis a situação parece semelhante a muitos outros países, com os católicos a revelar opiniões divergentes às oficiais em relação a muitos assuntos. Como vê a evolução da situação nos próximos anos?
A Igreja tem muitos desafios nos EUA mas estamos a crescer sobretudo devido aos novos imigrantes que chegam, que são sobretudo católicos. Para nós é um grande desafio ter vocações suficientes para ter padres e religiosas e pessoas para trabalhar com os recém-chegados.

Também há um processo de secularização nos EUA, que para nós é algo novo, porque apesar de ser um país muito desenvolvido, os americanos são crentes e religiosos, mas estamos a começar a experimentar um pouco o que já existe na Europa, muita gente que não pertence a nenhuma Igreja, o que para nós é uma coisa nova, mas é uma realidade sobretudo entre os mais jovens, pelo que temos de dedicar-nos ao que a Igreja chama a nova evangelização, evangelizar os católicos e os cristãos que já não praticam a sua fé, que receberam uma vez a mensagem do Evangelho mas que agora estão afastados. É um desafio muito grande mas importante para o nosso futuro.

Nos últimos anos temos assistido a vários momentos de tensão entre a hierarquia e o Governo. Há quem diga que há um clima quase de perseguição da Igreja. É real esse medo?
Nos Estados Unidos não existe um partido político católico. Os republicanos e democratas têm coisas que estão de acordo com a Igreja e outras que não.

A administração actual tem tido muitos conflitos, sobretudo por causa do aborto e o casamento homossexual. Por outro lado os democratas, no que diz respeito a emigração e justiça social económica, estão mais perto das posições da Igreja. Mas a tensão é real e para nós o Evangelho da Vida é o centro do nosso evangelho de doutrina social católica.

Com este processo de secularização penso que as tensões entre Igreja e Estado vão aumentar, infelizmente, mas é uma realidade e temos de preparar o nosso povo para dar testemunho da fé num ambiente por vezes hostil.

Como sabemos, a crise dos abusos sexuais foi muito forte nos Estados Unidos. O pior já passou?
Acho que sim, porque todos os casos são de há 20, 30 ou 40 anos. Ultimamente os casos são muito, muito raros. Mas têm feito muito dano à credibilidade da hierarquia da Igreja.

Há muitos anos os bispos iniciaram umas normas muito exigentes para proteger as crianças e têm sido muito eficazes, acho que as nossas instituições, igrejas e escolas são os sítios mais seguros para crianças que existem no nosso país, nenhuma outra Igreja, nem o Governo, fazem as coisas que nós fazemos para proteger as nossas crianças.

Enquanto arcebispo tem de lidar com estes assuntos, mas não pode deixar de o afectar, ter de estar tão próximo destes problemas.
Sim, porque levo muitos anos com estes problemas tão sérios e eu tenho reunido muitas vezes com vítimas, as suas famílias, tenho visto de perto o grande dano que tem feito e quando se trata de pessoal da Igreja a traição é maior porque o dano que faz é também espiritual.

Tenho sido bispo em quatro dioceses e em três foi precisamente para tratar destes problemas. São já 20 anos a lidar com isto, e é duro.

Em alguns países da Europa começam agora a surgir casos de abusos na imprensa. Que conselhos daria às igrejas dos países em que o problema começa agora a manifestar-se?
O Papa Bento mandou que todas as conferências episcopais no mundo preparem normas sobre estes casos de abuso sexual. Nas normas também indica que deviam ter muita transparência, muita atenção às vítimas e tolerância zero para casos de pedofilia na Igreja. É muito importante que as conferências episcopais o façam.

Eu sei que em muitos países não há muitos recursos e é difícil, mas acho que os países que têm passado por estes problemas podem aconselhar e ajudar estas conferências episcopais, mas é muito importante.

Acho que o novo Papa Francisco concorda com a importância de continuar a dar atenção necessária ao problema de abusos de crianças que, não é um problema clerical nem da Igreja, é um problema humano e existe muito mais fora da Igreja do que dentro, da Igreja, mas como tenho dito, quando se trata de um sacerdote ou de um religioso, o dano é maior para a vítima.

Cardeal O'Malley prostrado numa cerimónia
penitencial pelos crimes de abusos sexuais
Recentemente foi nomeado para uma comissão que vai aconselhar o Papa sobre a reforma da Cúria. A primeira reunião será só em Outubro… porquê esperar tanto tempo?
Sim, mas temos começado a trabalhar por correio, entre nós, mas a primeira reunião, quando nos reunimos todos, porque somos de todos os continentes, é só em Outubro.

Já tem algumas ideias a apresentar ao Papa?
Estou a pensar, estou também a consultar com várias pessoas.

Fala-se muito de problemas da Cúria, até que ponto é que os problemas residem mesmo aí?
Estou a começar a conhecer a realidade da Cúria, há muitas pessoas muito dedicadas e muito capazes que trabalham ali. Acho que os meios de comunicação falam muito do Vatileaks e dos problemas que tem havido, mas há também trabalho de muito valor que se faz ali.

Queremos encontrar formas de coordenar melhor e com maior comunicação entre os vários dicastérios e a sua relação entre a Cúria e as conferências episcopais no mundo inteiro para que haja mais colaboração e coordenação.

O Banco do Vaticano também tem sido muito criticado. Na sua opinião faz sentido o Vaticano ter um banco?
Essa é uma das coisas que estamos a estudar. O nosso banco não é muito grande, mas vemos como muitos bancos europeus e também americanos têm tido problemas.

O dinheiro que está no banco pertence às ordens religiosas benéficas da Igreja e isso é uma grande responsabilidade, por isso vamos procurar proteger esses recursos da melhor maneira. Sei que o Papa Bento XVI contratou um novo dirigente, um perito nestes assuntos, vamos ver.

Temos reuniões com várias pessoas sobre isto e acho que vamos ter tempo para o estudar, mas eu pessoalmente não creio que a Igreja deva fechar o banco sem estudar muito o caso, porque vimos o que está a acontecer noutras partes e talvez a situação fosse pior.

Este Papa tem sido uma surpresa para muita gente, tem-no sido também para quem o elegeu?
Sim e não, conheço o Papa há muitos anos, de Buenos Aires.

Um bispo que vem da América, sobretudo da América Latina tem uma experiência muito diferente que um bispo da Europa. A sua maneira de proceder é uma reflexão da sua experiência pastoral na América Latina. Também, ele é religioso, mas acho que vai dar muita importância ao Evangelho Social da Igreja, que é muito importante.

Na América Latina houve muita controvérsia sobre a Teologia da Libertação e muitas pessoas entenderam isso como a Igreja a perder a sua opção preferencial pelos pobres.

Acho que este Papa vai por a ênfase no Evangelho Social da Igreja, o que na América Latina é muito importante, porque há muita gente muito pobre, muitos problemas sociais, e também o Papa assumiu o nome Francisco por isso, porque para São Francisco o pobre é um sacramento de Cristo Crucificado. Também Francisco queria fazer-se um irmão universal. Acho que neste Papa vamos ver os temas de Francisco no seu pontificado.

O Papa está num Estado de Graça, faz homilias públicas todos os dias, a imprensa está a trata-lo bem. Não há o perigo que isso passe?
Acho que vão criticar o Santo Padre quando escutarem os seus ensinamentos sobre questões morais, mas acho que todo o mundo está feliz com o seu estilo, e acho que isso vai continuar igual.

Dizem que o número de pessoas que está a chegar a Roma para as audiências é muito grande. Cresceu com Bento XVI, mas com Francisco continua a crescer. Acho que é um bom indício de entusiasmo que o povo tem.

Os meios de comunicação secular têm outra visão do mundo e da vida e sempre vão estar em desacordo com a Igreja, e sobretudo com o Papa que é o nosso mestre principal, mas acho que até os inimigos da Igreja gostam do seu estilo e isso vai continuar igual.

Thursday 2 May 2013

Sinais mistos do mundo islâmico

A partir desta tarde viverão dois papas no Vaticano. Bento XVI está de regresso.


A maioria dos muçulmanos quer que a lei islâmica impere nos seus países. Por outro lado, vêem com bons olhos a liberdade de culto para outras religiões.

Tribunais Problemáticos

Randall Smith
Entre os vários empregos que tive quando estava na universidade, inclui-se ter trabalhado para uma companhia aérea. Uma das coisas que descobri nesse emprego foi que há toda uma série de dificuldades que irritam os passageiros, mas há um problema que garantidamente os alienará para sempre.

Os passageiros não gostam de atrasos, não gostam de falta de espaço para as pernas, nem de funcionários mal-educados e insensíveis. Mas nenhuma destas coisas os impedirá de escolher a mesma companhia numa próxima ocasião. Contudo, se lhes perdermos as malas, acabou-se. Não voltarão nos próximos anos, talvez nunca. A questão é que é muito fácil estarmos tão preocupados em garantir que as pessoas entram e saem dos aviões, que nos esquecemos este tipo de detalhe, mas é algo que tem um enorme impacto na vida dos passageiros.

Tenho percebido que há um problema semelhante que afecta as dioceses católicas. A má qualidade das músicas, as homilias pobres, as igrejas feias, tudo isso irrita, mas continuarão a vir – pelo menos por algum tempo. Mas basta liderar mal um processo de nulidade e nunca mais os apanham. Assisti a isto vezes demais: Um católico fiel e dedicado aborda a Igreja procurando um juízo sincero sobre se um casamento foi ou não foi válido e é recebido com má educação, atrasos burocráticos, papelada perdida, maus conselhos, indicações erradas e, por vezes, mentiras.

Facilmente os responsáveis ficam tão embrenhados na gestão diária das paróquias que se esquecem dos pequenos assuntos que são muito importantes na vida das pessoas envolvidas. A dor e a amargura causada por se lidar mal com um processo de nulidade não vão desaparecer tão depressa.

Atenção, não estou a pedir processos de nulidade mais fáceis ou mais frequentes. Os critérios para uma declaração de nulidade estão fixas no direito canónico e nas Escrituras. O meu apelo tem antes a ver com a dimensão pastoral e burocrática da questão. Dossiers perdidos, maus conselhos, secretárias mal-educadas e falta de sensibilidade pastoral entre os funcionários dos tribunais eclesiásticos causam danos sérios.

Não tenho a menor dúvida de que praticamente todos os tribunais eclesiásticos deste país têm falta de pessoal. A maioria dos bispos estão, e bem, focados nos assuntos diários das paróquias. Contudo, não podem ignorar a competência dos seus tribunais diocesanos, da mesma maneira que as companhias aéreas não podem ignorar a questão da bagagem desviada. O resultado será católicos perdidos para a Igreja – às vezes para sempre.

E depois, claro, há os casos de benfeitores ricos que doam milhares à Igreja e vêem os seus processos de nulidade tratados em quatro semanas, enquanto os dossiers de todos os outros se perdem ou ficam meses em cima de uma secretária. As histórias destes pequenos favores quase sempre se tornam conhecidas, por mais que os bispos pensem que as podem manter escondidas.

Há ainda os padres insensatos que aconselham cinicamente os seus paroquianos (com um piscar de olho), que se mudarem os detalhes do seu testemunho, tudo será mais fácil. Este tipo de comportamento irresponsável apenas convence as pessoas envolvidas de que o processo não é uma procura séria pela verdade, mas apenas um jogo legal.



E tragicamente encontramos católicos a quem foram concedidos decretos de nulidade, com bases sólidas, mas que ainda têm dúvidas sobre a sentença porque o trabalho do tribunal foi tão mal feito, ou até porque houve casos de corrupção. Algumas destas pessoas passarão a vida a acreditar (e a dizer a toda a gente), que a nulidade é simplesmente um “divórcio católico”.

Os fiéis merecem melhor. Precisam que seja determinado, com seriedade, se estavam de facto casados ou não, com base num processo aberto e transparente com critérios e provas claramente definidos. Devem ter acesso a este juízo num prazo razoável e o processo deve ser explicado de forma clara antes e a cada passo do caminho. Os católicos têm direito a receber conselhos bem-informados e não a ouvir os esquemas cínicos de clérigos que pensam que sabem manipular o sistema. Precisam de ser atendidos por funcionários que não percam os seus formulários e que lhes falem de forma respeitosa, cientes de que a pessoa do outro lado está a atravessar um processo terrível e que provavelmente não está no seu melhor.

Acima de tudo, precisam que lhes digam repetidamente que estão a atravessar um processo que é legal e pastoral. É pastoral porque envolve uma séria e por vezes difícil auto-examinação que provavelmente será desconfortável mas que, se abordada de forma honesta, pode acarretar compreensão e sabedoria para um futuro melhor. Porém, embora pastoral, este é também um procedimento legal, com categorias e padrões.

No fim de contas, não é apenas uma questão de saber se os esposos sentiam que estavam casados, ou não. A questão está em saber se, com base nas leis de Deus e da Igreja, estavam ou não casados. Se sim, não há poder nenhum no mundo que possa dissolver essa ligação.

Católicos que procuram uma declaração de nulidade devem estar preparados para percorrer um caminho duro. Um processo de nulidade é difícil, porque toca a vida das pessoas envolvidas nos seus pontos mais íntimos e vulneráveis e porque requer algumas das maiores expressões de honestidade que um católico pode ser chamado a exercer. Não há como evitar estas dificuldades, e não vale a pena dourar a pílula.

Mas por amor de Deus, ao menos lidem com a papelada e cheguem a uma decisão dentro de um prazo razoável. Depois de dois ou três anos sem decisão, até o mais fiel dos católicos terá começado a namorar outra vez, o que poderá ter dolorosas consequências se a nulidade não for concedida. Percam-lhes os formulários pelo caminho e mesmo que tudo corra bem, o mais natural é que os tenham perdido para sempre do rebanho. Não os conseguiremos convencer de que esta é a Igreja dos pobres e dos sofredores se, quando vêm ter connosco no período mais difícil e triste das suas vidas, e não formos capazes sequer de tratar da papelada.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no quinta-feira, 25 de Abril 2013 em The Catholic Thing)

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