Wednesday 31 January 2024

Como quem tem autoridade

O Evangelho do passado domingo (Marcos 1, 21-28) diz-nos que as pessoas ficaram “admiradas” e “espantadas”.

“Ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: ‘O que é isto?

Um ensinamento novo dado com autoridade: Ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!’” Não devemos simplesmente passar por cima deste espanto e admiração, como se isso fosse apenas Jesus a ser Jesus, antes devíamos pensar no que o causou.

A autoridade está no centro da vida e da missão do Senhor, e está também no centro dos seus conflitos com os líderes de Israel. A legitimidade da sua vida pública – e, na verdade, da sua própria Pessoa – resume-se a esta simples questão: “Com que autoridade fazes estas coisas, ou quem te dá autoridade para as fazer?” (Marcos 11,28).

Os chefes dos sacerdotes, escribas e anciãos fazem essa pergunta no final da vida pública de Jesus. Mas a questão estava na ordem do dia desde o início. Logo no princípio do seu ministério na Galileia, sob o olhar crítico dos escribas e dos fariseus, Jesus curou um paralítico, demonstrando que “o Filho do Homem tem a autoridade de perdoar os pecados na terra” (Marcos 2, 10). Isto é, tem autoridade divina.

No Evangelho de João, o seu ministério público começa com a questão da sua autoridade sob o Templo. “Que sinal nos dás para fazer isto?” (João 2,18). Em resposta, Jesus estabelece a prova que será dada, a prova de que tem autoridade até sobre o Templo. “Destruí este templo, e em três dias eu o reedificarei” (João 2, 19). Assim, promete a sua ressurreição como prova da sua autoridade divina.

Com que autoridade? Essa é a questão central. Hoje, um ouvido moderno entenderá isto como uma pergunta retórica que descarta a própria noção de autoridade. Mas, pelo contrário, os contemporâneos de Nosso Senhor apreciavam a realidade da autoridade, ainda que abusassem dela (como acontece com os homens em todas as idades). Eles compreendiam que existe uma autoridade divina e uma autoridade terrena. Tinham era dificuldade em acreditar que o carpinteiro de Nazaré a possuía. 

Também não devemos pensar na autoridade de Cristo como algo que Ele meramente possui (como se de alguma forma fosse possível não a possuir). A razão pela qual é central para a sua missão e vida pública é porque faz parte dele, parte do seu ser Filho de Deus. Ele é a Palavra de autoridade de Deus, o autor de todas as coisas, e revela o Pai, com autoridade e autenticidade, porque está eternamente no seio do Pai.

Isto também aponta para o propósito da autoridade de Cristo. Ela está ordenada para o nosso bem, que no final de contas é a reconciliação com o Pai. Como vemos na sinagoga em Cafarnaum, Jesus exerce a sua autoridade para ensinar e para curar; para comunicar verdade e graça. Verdade para iluminar e graça para santificar. A maior verdade que comunica é a revelação de Deus enquanto Pai, e de Ele mesmo enquanto Filho eterno. A maior graça que comunica é ter parte na vida do Pai, tornando-nos “participantes da natureza divina” (2 Pedro 1, 4).

Tal como Jesus recebe a sua autoridade do Pai, também concede à Igreja uma participação na sua autoridade. “Como o Pai me enviou, eu vos envio” (João 20,21). A Igreja existe enquanto presença contínua de Cristo que comunica o duplo dom de verdade e graça. Ela ensina com autoridade, como a voz autêntica de Cristo a ecoar do seio do Pai ao longo da História, por todo o mundo. Ela comunica a graça de Cristo que expulsa os demónios, liberta as almas do domínio do mal e as imbui da sua própria vida.

A realidade e a gravidade da autoridade da Igreja deveriam humilhar os seus pastores, que a exercem em nome de Cristo. O seu dever não é o de reinterpretar o Evangelho, ou de mudar paradigmas, mas de transmitir fielmente a verdade e a graça que vêm do Pai.

Um dos frutos mais nefastos do pensamento moderno é a confusão de autoridade com poder, levando-nos a crer que tudo não passa de um golpe de poder. Assim, quem possui autoridade é por isso mesmo um opressor. A autoridade é sempre autoritária. Logo, a autoridade das instituições e do próprio passado devem ser desmantelados, por não passar de um instrumento dos opressores.

Como todas as revoluções, esta contra a autoridade acaba por comer os próprios filhos. Tendo rejeitado o princípio da autoridade, o pensamento moderno veio a desconfiar da autoridade do próprio pensamento. (Haverá alguma disciplina nas universidades que não seja considerada opressora e a precisar de ser desconstruída?). Ironicamente, é a Igreja Católica – a mais autoritária e opressiva das instituições – que entra em campo e confirma que sim, na verdade, a mente humana é capaz de alcançar a verdade. A autoridade da Igreja vem libertar a mente humana dos grilhões do cepticismo.

“Não queremos que este homem seja nosso Rei” (Lucas 19,14). Estas palavras, de uma das parábolas mais assombrosas do Senhor, expressam bem a rejeição autodestrutiva da autoridade de Cristo. A alma fiel, contudo, longe de desprezar essa autoridade, deseja submeter-se a ela. Sabemos que, não fosse a sua autoridade sobre nós, estaríamos ainda mergulhados no erro e no pecado. Quanto mais Cristo domina sobre nós com a sua autoridade, mais claramente vemos a verdade e mais livremente vivemos pela graça. E, quanto mais nos submetemos à autoridade da sua verdade e graça, mais nós mesmos nos tornamos pessoas que falam e agem com autoridade.


O Pe. Paul Scalia é sacerdote na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e delegado do bispo para o clero. 

(Publicado pela primeira vez no domingo, 28 de Janeiro de 2024 em The Catholic Thing

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