Thursday 31 March 2022

Hospital de Campanha - Episódio 2

Chegou o novo episódio do Hospital de Campanha.

Este episódio conta com a ajuda do nosso amigo Octávio Carmo, jornalista e vaticanista da Agência Ecclesia. Já o Duarte não pôde estar, mas volta em breve!

Juntos discutimos a importância da Guerra na Ucrânia para as relações ecuménicas entre a Igreja Católica e os Ortodoxos, a consagração da Rússia e da Ucrânia a Nossa Senhora de Fátima e, por fim, a reforma da Cúria Romana, um assunto para o qual a presença do Octávio foi fundamental. 

Podem ouvir no Spotify ou no Google.

Wednesday 30 March 2022

A Teologia e os Conflitos Humanos

O Cardeal Manning – que foi contemporâneo e seguidor do Cardeal Newman – disse certa vez que “todo o conflito humano é, no final de contas, teológico”. (Podíamos mesmo dizer que tudo o que é humano envolve necessariamente a teologia, mas esse é um assunto complexo para tratar noutro dia). Na actual guerra da Rússia contra a Ucrânia, porém, a teologia não é sequer uma consideração distante, está mesmo à superfície. Mesmo que a guerra chegue a um final aparentemente tolerável, as divisões teológicas permanecerão connosco muito tempo.

Isto porque não é apenas Vladimir Putin que tem falado numa “Guerra Santa” na Ucrânia, mas também líderes religiosos como o Patriarca Cirilo de Moscovo. Putin tem estado a usar cinicamente os ortodoxos como cobertura moral para as suas ambições. Mas também já intuiu que para “tornar a Rússia grande outra vez” a Ortodoxia Russa – que carrega em si muitos dos elementos mais profundos da Santa Mãe Rússia e da sua projecção secular, “o mundo russo” – é uma parte fundamental do plano político.

Já os líderes da Igreja Ortodoxa Russa não têm a mesma desculpa política.

Na verdade, o que estamos a ver agora não é apenas corrupção política entre os líderes religiosos comprometidos, mas uma profunda divisão espiritual que estava de certa forma disfarçada por profissões de fraternidade cristã. Até existem cristãos no Ocidente que, traumatizados pela nossa decadência e “wokeismo” se deixaram convencer de que a Rússia de Putin – com a sua repressão em larga escala, assassinato de dissidentes (incluindo no estrangeiro) e maior taxa de aborto no mundo – é de alguma forma um salvador religioso.

Vários Papas no passado recente fizeram grandes esforços para pôr fim ao cisma entre Roma e a Ortodoxia – e na maior parte das vezes têm sido rechaçados. Antes de a guerra ter começado o Papa Francisco estava a procurar um segundo encontro com o Patriarca Cirilo. O primeiro aconteceu em 2016, no aeroporto de Havana. O local não foi boa ideia, mas pelo menos ambos os líderes exprimiram um “profundo desejo” por unidade. E o Papa disse mais tarde que “falámos como irmãos”.

Esse espírito fraternal não perdurou. Durante a sua videoconferência, no início deste mês, Francisco parece ter criticado abertamente Cirilo por afirmar que esta “operação militar especial” é uma “guerra santa”. Francisco foi ainda mais longe quando, na sexta-feira passada, consagrou a Rússia, a Ucrânia e todo o mundo a Nossa Senhora de Fátima. Cirilo e Putin sabem que Nossa Senhora pediu essa consagração para que os erros da Rússia não se espalhassem pelo mundo, e para que a Rússia se converta. Parabéns a Francisco por ter feito ambas estas coisas, por mais objecções que tenha tido que enfrentar.

Infelizmente, Francisco também contradisse toda a tradição cristã durante o seu encontro com Cirilo, quando disse que todas as guerras são injustas. Na semana passada acrescentou, durante uma conversa com um grupo de organizações de mulheres, que “fiquei envergonhado quando li que um grupo de estados se comprometeu a gastar dois por cento do PIB na aquisição de armamento, em resposta ao que se está a passar agora. É loucura”, disse, lamentando “a velha lógica de poder que continua a dominar a chamada geopolítica”.

É verdade que sim, e assim continuará a ser enquanto os seres humanos decaídos continuarem a existir no planeta. E é por isso que algumas potências – histórica e moralmente imperfeitas – devem, por vezes, impedir que os mais impiedosos de entre nós dominem o mundo.

Quando as nações decidem aumentar os seus orçamentos de defesa, à luz de ameaças que enfrentam, não se trata de “loucura”. Diante de uma Rússia agressiva, os líderes políticos estão apenas a ser responsáveis quando decidem robustecer a defesa nacional. A decisão peca é por tardia.

Francisco parece pensar que a única resposta cristã permissível perante uma ameaça é o “diálogo” e não a dissuasão. Pode-se entender o seu horror pela guerra sem aceitar essa premissa. O diálogo não nos trouxe sequer o entendimento religioso com Cirilo. Estou certo de que Putin adoraria ver diálogo, diálogo infindável – nas igrejas, na NATO, na política americana – enquanto ele continua a atacar uma nação atrás da outra.

Os ucranianos têm uma opinião diferente. É por isso que continuam de pé, e a Rússia teve de se contentar com ambições menores na Ucrânia.

A queda da União Soviética abriu algumas possibilidades – tanto para as Igrejas como para a Rússia. A Igreja Ortodoxa da Rússia – a maior das ortodoxas – foi perseguida e comprometida pelo comunismo. Na sua colaboração – ou possivelmente mesmo trabalho activo – com a KGB, Cirilo desempenhou um papel vergonhoso nessa pérfida aliança.

Agora voltou a comprometer-se, alienando a maioria dos ortodoxos na Ucrânia enquanto abençoa os massacres de Putin. Nestas circunstâncias é difícil imaginar como é que Moscovo continuará a ser parte de qualquer diálogo ecuménico no futuro, ou sequer como é que a Igreja Ortodoxa Russa permanecerá intacta.

O Grande Cisma de 1054 entre a Igreja Ocidental e os Ortodoxos já foi há quase um milénio, e é tanto mais doloroso porque – independentemente das questões como o Filioque – deveu-se sobretudo a questões de jurisdição e de administração. A Igreja Católica não reconhece apenas como válidas as ordens e os sacramentos ortodoxos, mas também as ricas tradições litúrgicas e espirituais do Oriente, que devem ser integradas numa Igreja global e universal.

O próprio Cristo rezou por uma unidade eclesial semelhante à que ele tinha com o Pai. Os cristãos não têm tido muito jeito nesse campo importante mas desafiante. (João: 17,21)

Na sua encíclica de 1995 Ut Unum Sint (Que sejam um só), o Papa São João Paulo II falou de um verdadeiro ecumenismo – não a coisa sentimentalista e mole que vemos frequentemente nas discussões ecuménicas no ocidente – enraizado na realidade histórica e substância espiritual do Oriente e do Ocidente:

a Igreja deve respirar com os seus dois pulmões! No primeiro milénio da história do cristianismo, essa frase referia-se sobretudo ao binómio Bizâncio-Roma; desde o baptismo da Rus' para a frente, ela vê alargarem-se os seus confins: a evangelização estendeu-se a um âmbito muito mais vasto, a ponto de abraçar praticamente a Igreja inteira. Se se considera ainda que esse acontecimento salvífico, verificado ao longo das margens do Dniepre, remonta a uma época em que a Igreja no Oriente e no Ocidente não estava dividida, compreende-se claramente como a perspectiva a seguir para a plena comunhão, seja aquela da unidade na legítima diversidade.

Também o Papa Francisco tem falado de unidade sem uniformidade. O seu desafio, de agora em diante, será pôr isso em prática dentro da Igreja Ocidental. A janela para o Oriente está, por ora, fechada.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 28 de Março de 2022)

© 2022 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday 29 March 2022

CNN - Consagração da Ucrânia e da Rússia a Nossa Senhora

Na sexta-feira passada voltei à CNN para falar sobre a Consagração da Ucrânia e da Rússia a Nossa Senhora.
Estive em duas ocasiões diferentes. Aqui podem ver a primeira intervenção, só em voz, durante a própria consagração. Começa à 1h e 38 minutos do vídeo, ou às 16h35, caso se guiem pela hora indicada no ecrã. 
Nessa mesma noite voltei para conversar com a Judite de Sousa sobre o que se tinha passado em Roma e em Fátima, e sobre o contexto religioso do conflito. Podem ver o vídeo aqui. Começa aos 31 minutos do vídeo, 20h37 se se guiarem pela hora no ecrã. 

Saturday 26 March 2022

Entrevista à Agência Ecclesia, no programa Fé dos Homens

Ontem, dia 25 de Março, passou uma entrevista que dei ao programa da Agência Ecclesia, na RTP2, na rubrica "A Fé dos Homens". No final da conversa sobre a Ucrânia e a Rússia, e sobre a consagração, ainda comentei o Evangelho de domingo.

Thursday 24 March 2022

Contagem decrescente até à consagração

Um cartaz anuncia a consagração em ucraniano
Amanhã o Papa Francisco consagra a Rússia e a Ucrânia a Nossa Senhora. A celebração terá lugar às 16h em simultâneo em Fátima e em Roma e será acompanhada por bispos, padres, religiosos e leigos de todo o mundo. Podem ler o texto da consagração aqui.

A celebração será transmitida em vários meios de comunicação. Eu estarei em estúdio na CNN Portugal para ir comentando durante a emissão, a partir das 16h. Antes estarei no programa da Ecclesia, na RTP 2, que é transmitido a partir das 15h06. Ainda amanhã deve sair um artigo meu no site PontoSJ sobre este assunto e, mais em geral, sobre a dimensão religiosa do conflito na Ucrânia. No próximo email incluirei links para tudo isto.

Há dias falei com D. José Ornelas, bispo de Fátima, e com um padre ucraniano em Portugal sobre esta consagração. D. José diz que a consagração não é contra ninguém, mas o padre Ivan Hudz fala da importância da conversão da Rússia e… não só. Podem ler aqui (em inglês).

Entretanto a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima está em Lviv, na Ucrânia, onde permanecerá durante mais algumas semanas. Foi sobre este assunto que estive na CNN a semana passada. Podem ver essa minha intervenção aqui e também foi este o tema de conversa na primeira emissão do novo podcast Hospital de Campanha, que podem ouvir aqui.

No meu blog continuo a recolher declarações dos principais líderes religiosos relevantes para a guerra na Ucrânia. Há material muito interessante!

No artigo desta semana do The Catholic Thing em português, o autor Francis X. Rocca medita sobre a liberdade e coloca uma questão incómoda. Quem é que é verdadeiramente livre? Nós, com as nossas vidinhas confortáveis, sujeitados a pressões comerciais para irmos comprando mais coisas, ou o ucraniano que, despedindo-se da mulher e dos filhos, dá meia volta para lutar pela liberdade? Leiam e tirem as vossas próprias conclusões.

As atenções continuam muito focadas na Ucrânia, naturalmente, mas o Vaticano anunciou uma mega-reforma da Cúria. Saiba mais aqui, nesta entrevista da minha amiga Ângela Roque ao padre Tony Neves.

Wednesday 23 March 2022

Somos mais livres que os ucranianos?

Francis X. Maier
Dia de semana, à noite. Tínhamos acabado de ter um óptimo jantar. E agora, relaxados e confortáveis na nossa sala de estar, ligámos a televisão para ver as últimas notícias da Ucrânia. Em Lviv é meia-noite e o horizonte escuro está iluminado por uma chama cor-de-laranja, o mais recente alvo dos mísseis russos. Seguem-se imagens de um bairro civil destruído, e vítimas em lágrimas; seguidas de outras imagens de uma longa trincheira que agora serve de vala comum, recheada de corpos rapidamente amortalhados. E depois disso, um anúncio.

É um anúncio para algo caro – férias na Jamaica, um Cadillac eléctrico, um conjunto de implantes dentários, esqueço-me do produto, mas não interessa. Uma actriz atraente, por volta dos 40 anos, explica porque é que o adquiriu. Sim, pode parecer caro, mas ela queria-o, merecia-o e, explica, “tive de aprender a pôr-me em primeiro lugar”. Depois voltámos às imagens da redação, com opinadores a comentar a carnificina na Ucrânia.

“Tive de aprender a pôr-me em primeiro lugar”. Por um instante a minha imaginação viaja e imagino esta pobre criatura do anúncio, envolvida numa batalha titânica contra o seu “eu” altruísta por um conjunto de implantes dentários.

Mas a minha mulher, estupefacta, estraga o sonho. “O que é que aquela mulher acabou de dizer?” A minha cara metade trabalhou a vida toda em educação, e depois de quatro décadas a lidar com miúdos – a maioria dos quais quase tão centrados em si mesmos como é possível ser – ela tem a credibilidade calejada. Ela sempre adorou os seus alunos, mas nunca observou neles, nem em mais ninguém, qualquer problema em “aprender” a “colocar-se em primeiro lugar”. Claro que o seu cepticismo não é bem-vindo numa economia de consumo. Tenho uma razão para falar disto, já lá vou.

A guerra na Ucrânia tem todos os elementos de um videojogo excepcionalmente realístico. Só que aqui há pessoas verdadeiras e estão mesmo a combater e a morrer. Há poucas imagens no passado recente que nos marcam tanto como as de homens ucranianos a escoltar as suas famílias até à fronteira polaca e depois a voltar para trás para combater. Sim, eles são obrigados a ficar para lutar, mas a maioria fá-lo, e fá-lo voluntariamente, como se vê pela teimosa resistência à invasão russa.

Eles lutam por algo mais importante que si mesmos, e neste caso trata-se da sua nação, das suas famílias, casas e compatriotas. E eles lembram-se. Lembram-se da selvajaria que foi a Segunda Guerra Mundial que violou e pilhou a Ucrânia. Lembram-se de como os bolcheviques perseguiram as suas igrejas, as deportações soviéticas de agricultores, académicos e clero inocentes, e lembram-se do Holodomor, a campanha genocida de fome que Estaline impôs à Ucrânia, matando milhões.

Seria demasiado melodramático descrever a resistência ucraniana como “destemida”, afinal o temor da morte é uma característica humana universal. Mas a vontade de arriscar a própria vida por uma causa maior revela uma liberdade autêntica, uma liberdade que vem da abnegação e não da auto-indulgência. É uma liberdade que contrasta de forma desagradável com aquilo a que nós costumamos chamar “liberdade”, do conforto das nossas vidas.

Tive de aprender a colocar-me em primeiro lugar.” Este é o nosso lema não oficial. E não é por acaso. Para o público americano os anúncios são uma forma de catequese de estilo religioso, tal como Neil Postman compreendeu há anos no seu ensaio The Parable of the Ring Around the Collar (ver aqui). Se os americanos não comprarem coisas, e continuarem a comprar imensas coisas mais, tudo se desmorona. Por isso precisamos de abandonar os nossos escrúpulos sobre o desejo excessivo e o consumo infindável. Precisamos que nos ensinem, e precisamos de aprender, a colocar-nos a nós mesmos em primeiro lugar.

Para isso é preciso um currículo social de constante excitação do apetite popular por mais – e é por isso que Postman também sugere que aos estrangeiros basta olhar para Las Vegas para compreender a América. Aqui, no coração do império, longe de terras curiosas como a Ucrânia, vivemos cada vez mais numa permanente bolha de presente; uma bolha que não está carregada de memória ou das suas lições, infestada de distrações, falsos prémios (reembolso de todas as compras em dinheiro!), apetites manufacturados e ilusões mascaradas de liberdade.

Para proteger essa bolha precisamos de agentes ágeis, com capacidades analíticas superiores, fundados na psicologia comportamental. Sem grandes surpresas, Las Vegas é um bom modelo. Em Addiction by Design: Machine Gambling in Las Vegas, a professora Natasha Dow Schüll, do MIT, descreveu o enorme esforço feito pela indústria do jogo para conhecer, alimentar e assim moldar os seus clientes. Os dados coligidos pela indústria acabam assim por determinar o aspecto, a sensação e o equilíbrio risco-benefício da experiência. Assim os clientes continuam a regressar e, no final de contas, a perder. O jogador individual numa máquina está sozinho e profundamente isolado na sua própria zona mental, aguentando por vezes um dia inteiro sem parar para comer ou para ir à casa de banho e sem outros jogadores a chatear.

Uma das viciadas com quem Schüll falou, uma mulher chamada Mollie, descreveu a sua experiência assim:

Quanto mais jogava, mais sábia ficava sobre as minhas possibilidades [de ganhar]. Mais sábia, mas também mais fraca. Menos capaz de parar. Hoje quando ganho – e de vez em quando ganho – meto tudo de volta nas máquinas. O que as pessoas nunca percebem é que eu não estou a jogar para ganhar. Eu jogo para continuar a jogar – para continuar naquele ambiente da máquina em que mais nada interessa. Todo o mundo gira à nossa volta, mas não conseguimos ouvir mais nada. Não estamos verdadeiramente presentes – somos nós e a máquina, só nós e a máquina.

Outras indústrias têm visto e aprendido, adaptando técnicas de psicologia comportamental para os seus próprios fins. A publicidade é um exemplo.

Tive de aprender a colocar-me em primeiro lugar.” É uma simples frase, apenas oito palavras. Mas não a consigo tirar da cabeça, porque levanta uma simples questão. Afinal de contas quem é que é verdadeiramente livre? Os combatentes nos escombros da Ucrânia, ou nós?


Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.

Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 17 de Março de 2022)

© 2022 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Friday 18 March 2022

A imagem de Nossa Senhora em Lviv

Aqui podem ver a minha participação ontem na CNN Portugal para falar da visita da imagem peregrina de Fátima a Lviv. Começa em 1'15 minutos do vídeo, 21h13, se se guiarem pela hora da emissão. 

Nos minutos antes da minha participação há uma interessante reportagem feita no local, que também devem ver.

Thursday 17 March 2022

Chegou o novo podcast: Hospital de Campanha

Outros médicos, outro
Hospital de Campanha
Chegou o Hospital de Campanha!
Há algum tempo que andava a pensar lançar um podcast e eis que ele chegou. 
O tema deste episódio piloto não podia ser outro. Durante pouco menos de 45 minutos analisamos rapidamente o panorama religioso da guerra na Ucrânia e assuntos associados, como por exemplo a dimensão ética das sanções.
Podem ouvir aqui, mas vai estar presente noutras plataformas também. Recordo que este é um episódio piloto, tem certamente algumas falhas do ponto de vista de som, por exemplo, que irão sendo limadas. 


Os médicos de serviço deste Hospital de Campanha sou eu, Filipe d'Avillez; a Inês Dias da Silva e o Duarte Castro. Somos todos amigos de longa data, católicos praticantes e comprometidos e neste podcast pretendemos ir olhando a realidade e a actualidade através de uma perspectiva cristã.

A Inês Dias da Silva é especializada no ramo da comunicação e marketing. É casada e mãe de quatro filhos, sendo que um deles, o Pedro, exige-lhe uma atenção especial e permanente. O seu pai, Pedro Aguiar Pinto, criou um serviço de mailing que se chamava O Povo e que tinha muitos seguidores. Quando morreu, de forma inesperadamente prematura, a Inês tentou dar algum seguimento a esse trabalho e é nessa linha que também quis entrar nesta aventura. 

O Duarte Castro é casado, pai de quatro filhos também e trabalha na área financeira. Tem uma experiência antiga e actual de trabalho missionário, através, entre outros, dos Leigos para o Desenvolvimento, que o levou a passar um ano em Timor-Leste num projecto de micro-crédito. Dessa experiência saiu o livro "Em Timor". 

O nosso objectivo é publicar um episódio do podcast de quinze em quinze dias. Contamos com o vosso apoio, críticas e, claro, sugestões. 

Wednesday 16 March 2022

Vendendo o Homicídio

Francis X. Maier

O que vou fazer aqui é publicidade pura, mas o produto merece. Se ainda não viu a curta-metragem “Perdoai as Nossas Ofensas”, na Netflix, que saiu no dia 17 de Fevereiro, arranje maneira de o fazer rapidamente. O filme tem pouco mais de 14 minutos e quase que parece um trailer para uma longa metragem. Nem se trata de uma obra de genialidade cinematográfica. O guião, a realização e a produção são muito simples, quase primitivos. E, contudo, como escreveu um crítico, está cheio de “notas de tensão, acção dramática e descompressão que normalmente esperaríamos num filme de visão mais alargada”. Enquanto “grande filmografia em pequena escala” é um sucesso. É por isso que é memorável.

Dezenas de filmes têm sido feitos sobre a tragédia do Holocausto ao longo dos últimos 70 anos. Mas poucos examinaram o programa que antecedeu a Solução Final e permitiu aperfeiçoar as suas técnicas. Entre 1939 e 2945, a campanha Aktion T4, do Terceiro Reich, assassinou 300 mil pessoas com deficiências físicas e mentais através da eutanásia involuntária. Através da propaganda oficial do Estado, as matanças eram vendidas como um acto de compaixão pelas vítimas, de necessidade económica para a nação e geneticamente benéfico para o povo alemão.

“Perdoai as Nossas Ofensas” conta uma história muito diferente: a história de uma mãe que sacrifica a sua vida para ajudar o seu filho deficiente a fugir a uma campanha de desumanidade clinicamente organizada.

Como é que a nação supostamente mais avançada da Europa, do ponto de vista cultural, embarcou numa tarefa destas? É tentador explicar o programa Aktion T4 como sendo o fruto da ideologia Nazi. Mas isso seria incompleto. Grande parte do corpo médico alemão tinha “seguido a ciência” e aceitado como benéfica a esterilização forçada e a eutanásia voluntária, e não só, antes de Adolf Hitler chegar ao poder. Foram médicos e cientistas, e não os capangas do Partido Nazi, que abraçaram a ideia em primeiro lugar. O Reich simplesmente tirou proveito do seu apoio implícito e, por vezes, entusiástico. Pessoal médico falsificou milhares de certidões de óbito para disfarçar os homicídios da Aktion T4. E muitos desses mesmos médicos escaparam à justiça depois da guerra.

De início as matanças envolveram injecções letais individuais. Mas isso demonstrou ser uma solução morosa e muito desproporcional à dimensão do “problema” da deficiência. O programa evoluiu até chegar a um veículo selado que podia matar dezenas de deficientes e indesejados ao mesmo tempo, através do bombeamento de monóxido de carbono. Em locais como o asilo psiquiátrico de Hadamar, as vítimas – frequentemente descritas como “cascas humanas” – eram gaseadas em massa numa cava disfarçada de balneário.

Na sua história brilhante, emocionante e profundamente perturbadora da Aktion T4, “Death and Deliverance”, o historiador britânico Michael Burleigh escreve que os deficientes eram despidos, pesados e examinados por um médico que escolhia uma “causa de morte” fictícia de uma lista de 61 factores. Depois

os doentes desciam uma dezena de degraus, em grupos de 60 de cada vez, e eram fechados na câmara de gás. Um médico posicionado na parte de fora ligava a válvula e o gás entrava por um cano. Longe de ser uma “morte tranquila” as vítimas experimentavam terror extremo, bem como todos os sintomas de envenenamento por dióxido de carbono. Depois de uma hora, restava o silêncio.  

Entrava então uma equipa de “desinfectadores” para desembaraçar os cadáveres. “Aqueles que tinham sido marcados de antemão como sendo de especial interesse científico”, nota Burleigh, “eram separados e levados para uma sala de autópsia ali perto. Os seus cérebros eram depois enviados para clínicas universitárias em Frankfurt e Würzburg”. Depois de se retirarem os dentes de ouro dos mortos, os seus corpos eram incinerados num crematório. As cinzas eram espalhadas e os ossos esmagados numa prensa.

O Holocausto veio apenas aplicar este procedimento numa escala muito maior, com três inovações: balneários maiores, fornos maiores e gás Zyklon B.

Sondagens secretas feitas na altura pelo Reich revelaram que o povo alemão estava muito dividido e inquieto sobre o assunto. Quanto mais religiosa fosse a pessoa, o mais provável que se opusesse ao Aktion T4. Mas muitos cidadãos comuns apoiavam a campanha de eutanásia, desde que fosse apresentada como “voluntária” por parte das vítimas adultas, ou pelos pais, no caso de crianças.


A propaganda do Reich teve muito cuidado em suavizar a percepção pública da campanha, apresentando o programa de eutanásia da melhor forma possível. Isto incluía a produção de melodramas de qualidade como o “Eu Acuso”, um filme de resto desprovido dos toques nazis normais.

A história de “Eu Acuso” envolve um casal atraente e fiel. A mulher, que sofre de uma doença terminal, suplica ao seu marido para pôr fim ao seu sofrimento. Movido por amor e pelos seus apelos insistentes, ele mata-a e é imediatamente levado a tribunal como homicida. Mas sem qualquer arrependimento, o marido deslumbra o tribunal com palavras que vos poderão soar familiares.

Aqui estou eu, o acusado, e agora sou eu que acuso. Acuso os defensores de crenças passadas e leis antiquadas. Isto não diz respeito só a mim, mas a centenas de milhares de outros que sofrem sem esperança, cujas vidas prolongamos de forma antinatural, e cujo sofrimento aumentamos na mesma medida… E é sobre os milhões de pessoas saudáveis, que não podem ser protegidas contra doença, porque todos os recursos necessários estão a ser usados para manter vivos seres cuja morte seria para eles um alívio e para o resto da humanidade a libertação de um jugo… E agora, senhores juízes e jurados, façam favor de ler a vossa sentença!

Muitos clérigos católicos e luteranos resistiram ao programa de eutanásia como puderam. O mais vocal de entre eles foi o Beato Clemens August Graf von Galen, bispo de Münster. Mas muitos outros mantiveram-se em silêncio. Tipicamente as instituições de deficientes, que frequentemente eram de natureza religiosa, cediam à pressão do regime e entregavam os seus residentes para “tratamento”.

E de que serve recordar tudo isto? Aqui e hoje tal coisa não seria possível. Suicídio medicamente assistido? Milhões de abortos? Venda de restos mortais de fetos? Experiências com tecido fetal? Funcionários públicos católicos que ignoram ou permitem tais coisas? Aqui não seria possível!

Ou então, talvez tenhamos as nossas próprias ofensas que precisam de ser perdoadas.

Para mais informação sobre este assunto aconselho a ver o premiado (e angustiante) documentário Selling Muder: The Killing Films of the Third Reich, também escrito por Michael Burleigh e disponível no YouTube.


Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.

Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Sábado, 5 de Março de 2022)

© 2022 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

Wednesday 9 March 2022

Todos pela Ucrânia, mas até quando?

Randall Smith

O mundo está horrorizado pelo ataque não provocado da Rússia à Ucrânia e ao seu povo. Não tenho nada de especialmente novo ou sábio para acrescentar sobre a Rússia, a Ucrânia ou a guerra. Por isso, se me permitem, prefiro dizer umas palavras sobre a nossa reacção à crise.

Há vários anos houve um terramoto terrível no Haiti. Todos os dias, quando eu ia à missa, o padre rezava durante a oração dos fiéis pelas pessoas do Haiti. Várias semanas mais tarde, porém, quando o Haiti deixou de figurar na primeira página do “New York Times”, já não estávamos a rezar “pelo povo do Haiti”. Lembro-me de dizer a mim próprio: “Não me parece que esteja tudo bem agora no Haiti. De facto, acho que as coisas estão bastante terríveis”. Então porque é que deixámos de falar do povo do Haiti?

Há muitas razões pelas quais não é boa ideia basear as orações na missa no que encontramos nas manchetes do dia, uma das quais é a natureza efémera e transitória do ciclo noticioso moderno.

Esta é uma razão pela qual eu prefiro a prática dos ritos orientais de percorrer uma longa lista de orações intercessórias por uma série de coisas: agricultores, líderes políticos, operários, famílias, desempregados, prisioneiros, perseguidos, e por aí fora, em todas as celebrações – orações que não estão dependentes do ciclo noticioso.

Neste momento muitos de nós estamos a rezar pela Ucrânia e pelo povo ucraniano. E é assim que devia ser. Mas temo que a situação na Ucrânia não melhore tão depressa. O cenário mais provável, temo, é que Putin consiga sujeitar a Ucrânia à sua tirania. Se isso acontecer os jornalistas serão expulsos do país e as imagens grotescas que agora estamos a ver deixarão de surgir – tal como nunca aparecem da China ou do Irão. As notícias sobre a Ucrânia desaparecerão das primeiras páginas do “New York Times” e de outros dos principais jornais. Então ainda veremos alguém a rezar pela Ucrânia? Ou será que as orações cessam quando a Ucrânia deixar de ser “notícia”?

Neste momento as nossas emoções estão ao rubro. Mas este combate não vai acabar tão depressa para o povo ucraniano. Mesmo que eles saiam desta invasão com a sua soberania intacta, a reconstrução levará décadas. As pessoas gritam: “Ucrânia, estamos convosco!”. Ainda bem. Mas por quanto tempo? Duas semanas? Enquanto nos souber bem? A nossa tendência para a superficialidade deve-nos fazer pensar.

Conheço um professor universitário que tinha um póster na porta do seu gabinete com a famosa fotografia do chinês que, durante os protestos de Tiananmen, em 1989, se posicionou diante de uma coluna de carros de combate – ficou conhecido como o “Tank Man”. Lembro-me que na altura as pessoas diziam que tudo iria ser diferente, que o Governo comunista chinês seria obrigado a mudar, que tinha os dias contados, tal como dizem agora sobre Putin e os russos. 

Mas não foi isso que aconteceu na China. O mais provável é que o “Tank Man” tenha sido executado dias depois dessa famosa fotografia, e sabemos que milhares de outros alunos foram massacrados em Tiananmen. E anos mais tarde, quando o tal professor foi visitado no seu gabinete por um aluno chinês, este perguntou. “Porque é que tem essa fotografia na porta? Sabe que isso nunca aconteceu, certo? É só uma peça de propaganda ocidental.”

"Tank men" na Ucrânia. Qual será o seu futuro?
Até as lutas mais nobres podem ser esmagadas. Acontece a toda a hora. Por isso costumo achar que ou acreditamos que esses actos voluntários de heroísmo altruísta vivem para sempre na Glória eterna de Deus, ou o mais provável é entrar em desespero. As pessoas que esperam justiça perfeita nesta vida tendem a desiludir-se.

Devemos, por isso, ser brutalmente honestos. É possível que Putin conquiste a Ucrânia e a sujeite á sua tirania; que sobreviva às sanções que o Ocidente impõe ao seu governo; que tome nota dos russos que se opõem a ele e os destrua agora que se revelaram, deixando-o numa posição mais forte que nunca. E é perfeitamente possível que dentro de uma ou duas décadas muito poucas pessoas se recordem das terríveis atrocidades cometidas pela Rússia na Ucrânia. Quantos jovens hoje sabem que a Rússia enviou carros blindados para a Checoslováquia em 1968 para esmagar as manifestações contra o Governo comunista durante a chamada “Primavera de Praga”?

Então, se a ideia é estarmos “com a Ucrânia” – e espero que seja – é bom que estejamos prontos a estar “com a Ucrânia” a longo prazo. Porque por mais que queiramos que este espetáculo de terror acabe dentro de uma semana, o mais natural é que isso não aconteça. E nem todas as lutas contra o mal têm o final feliz dos filmes da Marvel. Às vezes os maus vencem, e não dá para voltar atrás no tempo e tentar outra vez. Os mortos permanecem mortos, e temos de viver com isso.

Continuaremos a rezar pelos ucranianos e a fazer sacrifícios para ajudar quando já não estiverem nas manchetes, quando os media tiverem passado para outro pseudo-evento pensado para excitar os espetadores e aumentar as audiências? Espero que sim. Caso contrário, dentro de 10 anos os jovens estarão a perguntar: “Então, está a dizer que a Rússia invadiu a Ucrânia? Pensei que tinha feito sempre parte da Rússia”. E os universitários russos dir-lhes-ão: “E fez. O boato de que não fez é apenas propaganda ocidental”.

A verdade é a primeira baixa na guerra. E com demasiada frequência essa ferida infecta e espalha-se, em vez de sarar. O povo heroico da Ucrânia merece mais do que apenas o mais recente ciclo noticioso. Merece o nosso compromisso a longo prazo, as nossas orações contínuas e a nossa devoção absoluta a viver na verdade em vez de numa enganadora teia de mentiras, ou o conforto fácil de um esquecimento conveniente.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 8 de Março de 2022)

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Wednesday 2 March 2022

E Deus Criou o Mundo - A dimensão religiosa da guerra na Ucrânia

Aqui podem ouvir a edição de terça-feira, dia 1 de Março, do progrema E Deus Criou o Mundo, e aqui a edição do dia 8 de Março, ambas sobre a dimensão religiosa da Guerra na Ucrânia, em que participei juntamente com Isaac Assor, Pedro Gil e Khalid Jamal. Moderação de Henrique Mota. Aqui podem ouvir ainda o terceiro episódio, sobre a religião e a guerra, em geral.

Ucrânia, do Político ao Pessoal

Robert Royal
Conheço uma mulher que nasceu no estrangeiro mas é meia ucraniana e meia russa. Frequentemente tomamos o pequeno-almoço juntos, quase todas as manhãs, e conversamos sobre assuntos que estão na ordem do dia. A invasão da Ucrânia pela Rússia deixou-nos bastante agitados, o que não é de espantar, suponho eu, uma vez que somos casados um com o outro e os nossos filhos têm sangue ucraniano e russo a correr-lhes nas veias. Para nós esta não é apenas uma questão geopolítica distante, é também um assunto de família.

Muita da análise desta situação tem explorado os factores históricos que conduziram à situação presente. Ao longo dos próximos dias e semanas iremos publicar alguns textos sobre isso. Mas as pessoas tendem a exagerar factores sociais grandes e impessoais, como se os indivíduos não importassem. A nossa herança familiar obrigou-me a pensar mais uma vez sobre os elementos muito mais pessoais e humanos que frequentemente passam despercebidos, mas que estão muito presentes. Algum outro líder russo para além de Vladimir Vladirimovich Putin, pegando no exemplo actual, teria levado a cabo esta atrocidade?

Há muito que a nossa família tem noção bem viva de realidades históricas e humanas que outros não vêem. A minha mulher Verónica foi educada sobretudo na tradição ucraniana, mas enquanto iconógrafa profissional tem muito contacto com iconógrafos, teólogos e artistas em vários países, incluindo na Rússia. Um conhecido iconógrafo russo acabou de publicar uma declaração, assinada por centenas de líderes políticos e culturais da Rússia (a lista dos signatários pode ser consultada no final do artigo, no site do The Catholic Thing):

A guerra da Rússia contra a Ucrânia é uma VERGONHA

A vergonha é NOSSA, mas infelizmente os nossos filhos, gerações de russos muito novos ou por nascer, também terão de arcar com a responsabilidade. Não queremos que os nossos filhos vivam num país agressor, e que se sintam envergonhados do seu exército atacar um estado vizinho independente. Apelamos a todos os russos para que digam NÃO a esta guerra.

Não acreditamos que uma Ucrânia independente seja uma ameaça à Rússia ou a qualquer outro estado. Não acreditamos nas afirmações de Vladimir Putin de que os ucranianos estão subjugados por “Nazis” e que precisem de ser “libertados”. Exigimos o fim desta guerra!

Temos boas razões para nos sentirmos encorajados por este tipo de afirmações vindos de russos. Os nossos media deviam dar muito mais cobertura às manifestações relativamente grandes (tendo em conta os riscos) que se têm realizado em Moscovo e São Petersburgo, para não falar em Londres, Berlim, Varsóvia, etc., Fontes credíveis dizem que quase dois terços dos russos acreditam que a Rússia não devia ter invadido a Ucrânia.

Também nos devíamos sentir encorajados pela resistência heroica e inesperado sucesso das Forças Armadas ucranianas e combatentes civis, bem como a admirável classe e liderança (tão em falta entre os líderes ocidentais) do Presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy. Como acontece tantas vezes, homens maus subestimaram as virtudes de pessoas que tinham a razão do seu lado, como é o caso dos ucranianos.

São Miguel Arcanjo, protector da Ucrânia
Taras Tymos, um dos decanos e professor na Faculdade de Filosofia e de Teologia na Universidade Católica Ucraniana em Lviv, tem estado a postar reportagens em vídeo sobre o conflito. Podem ver um exemplo aqui. (Se clicarem em “Ler Mais” por baixo do vídeo encontram mais informação sobre como enviar apoio financeiro para organizações ucranianas credíveis). Ele procura fornecer actualizações diárias com o rigor e o cuidado possíveis num contexto de guerra. Quem tiver interesse em acompanhar este conflito devia segui-lo.

O professor Tymos tem relatado casos de soldados russos chocados por não serem recebidos de braços abertos como libertadores pelo povo ucraniano. A propaganda de Putin levou-os a acreditar que isso iria acontecer; alguns estão a desistir da luta, rendendo-se, desiludidos. O choque ajuda a explicar porque é que parece ter havido tantas baixas russas e tão pouco sucesso na ocupação dos principais centros urbanos.

E tudo isto ajuda-nos a centrar-nos no que realmente está a acontecer, e o que devemos ter em mente enquanto os acontecimentos se desenrolam. O nosso conflito não é com o povo russo. É muito mais sobre Vladimir Putin pessoalmente e gang de siloviki – ex-agentes da KGB, como ele – que não lhe fizeram frente quando ele optou por levar a cabo esta agressão monstruosa.

Os media oficiais, como é evidente, repetem a linha de Putin de que está a defender o território russo da “agressão” ucraniana. Como sabemos tão bem de observar os media ocidentais, a repetição massiva, até das coisas mais evidentemente absurdas, começa a influenciar mesmo os mais cépticos, que estão bem cientes das mentiras do seu Governo.

Os ucranianos são bastante religiosos: católicos a ocidente, ortodoxos a leste. Tem havido alguma tensão entre as duas igrejas, mas agora estão unidas na resistência. Uma parte da Igreja Ortodoxa da Ucrânia tornou-se autocéfala em 2019, quando o Patriarcado Ecuménico de Constantinopla lhe deu autonomia em relação ao Patriarcado de Moscovo – sendo este último um colaborador do regime de Putin, como era já antes com os soviéticos.

Putin construiu uma catedral para as Forças Armadas Russas que foi inaugurada há dois anos e – política à parte – é uma das igrejas modernas mais espectaculares que existe em qualquer parte do mundo. É um monumento aos enormes sacrifícios que as forças russas fizeram para derrotar regimes como o de Hitler. Infelizmente, agora está para sempre marcado pela sua associação a uma figura que será julgada pela história como um criminoso de guerra.

A realidade no terreno está em evolução constante e no momento em que escrevo isto, na noite de domingo, Putin acaba de colocar as suas forças nucleares num “estado de alerta especial”. O ocidente e grande parte do resto do mundo impôs sanções económicas a uma grande fatia da economia russa, a União Europeia fechou o seu espaço aéreo a aviões russos e a Turquia fechou o Bósforo aos seus navios. Ao mesmo tempo os ucranianos e os russos iniciaram negociações junto à fronteira com a Bielorrússia. É difícil saber como as coisas estarão quando estas linhas forem lidas.

Mas o teólogo ucraniano Taras Tymos, da Universidade Católica Ucraniana, oferece-nos bons conselhos. Ele comenta que embora os ucranianos saibam o que devem fazer para defender a sua nação, mas enquanto cristãos também sabem que devem amar os seus inimigos. E as pessoas que agora rezam os salmos nos seus abrigos têm um sentido mais profundo do significado desses apelos ao Todo Poderoso por protecção contra os seus agressores injustos.

Que essas orações dêem frutos.

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