Friday 24 February 2023

Vigílias em Lisboa e retransmissores de Moscovo

Por mais que alguns estejam fartos, o grande tema continua a ser o Relatório da Comissão Independente. Ontem houve vigílias em vários pontos do país em que os católicos oraram em silêncio pelas vítimas, pela Igreja e pelos padres. O Patriarca de Lisboa esteve na vigília em Lisboa.

Antes disso D. Manuel Clemente celebrou missa de Quarta-feira de Cinzas e sublinhou que nesta questão dos abusos “não podemos falhar de modo algum”, utilizando ainda os termos “tristeza, vergonha, arrependimento”.

Como é que a Igreja deve receber os dados constantes deste relatório? Que leitura deve fazer de algumas das suas conclusões? O que vem a seguir? Foi sobre isso que conversei com o Octávio Carmo, jornalista da Ecclesia, no episódio da semana passada do podcast Hospital de Campanha. Se este assunto vos interessa – e se não interessa, devia interessar – ouçam esta conversa, mesmo!

Estive também no programa da Agência Ecclesia que foi para o ar na Sexta-feira passada a falar desta questão, desta vez com o Pedro Gil, do gabinete de imprensa da Opus Dei. Podem ver aqui.

A informação constante do relatório já me permitiu actualizar o post em que elenco todos os casos de abusos – ou alegados abusos – que houve em Portugal nas últimas décadas e já sabem que podem sempre consultar a cronologia que mantenho sobre este assunto desde 2012, e que também vai sendo actualizada.

Se acham que eu levo muito na cabeça por escrever sobre a questão dos abusos, então nem imaginem a porrada que às vezes levo pelas minhas posições críticas que assumo em relação à Igreja Ortodoxa Russa e o seu papel na guerra da Ucrânia, nomeadamente do seu Patriarca. Foi por isso com algum espanto que ontem li num artigo de opinião no Observador que há quem me considere “responsável por retransmitir a voz da Igreja Ortodoxa de Moscovo para o mundo católico”. Isto a propósito da minha recente entrevista ao bispo da Igreja Ortodoxa Russa para Portugal e Espanha, que entretanto foi publicada em versão portuguesa no Expresso. Já enviei para o Observador um curto artigo de esclarecimento, que espero poder partilhar convosco para a semana.

Deixo-vos, por fim, com o artigo desta semana do The Catholic Thing, em que John M. Grondelski explica porque é que mandamos celebrar missas pelos defuntos. Um artigo que vem mesm
o a calhar para uma altura em que começamos a caminhada quaresmal.

O que me leva à seguinte questão… Santa Quaresma para todos. Que seja um período de aprofundamento espiritual! Até para a semana, se Deus quiser.

Wednesday 22 February 2023

“Esta Missa é celebrada em sufrágio pela alma de X”

John M. Grondelski
A frase que dá título a este artigo é tão comum que a maioria dos católicos nem se deve dar ao trabalho de pensar sobre o seu significado. Arriscaria dizer que muitos dos que estão presentes nas igrejas não conseguiriam explicar o que o padre está a dizer, para além de “estamos a rezar por X”. E embora isso seja verdade, há muito para além disso que uma geração anterior de católicos talvez pudesse articular, mas que, temo, a actual não consegue.

Porque é que rezamos por X?

Rezamos por X porque ele está morto e já não se pode valer a si mesmo. Isso não significa que os mortos estão simplesmente deitados, passivos. Invocamos os santos no Céu e pedimos as suas orações, eles também já morreram, mas acreditamos que nos podem ajudar.

Então porque é que rezamos por X?

Porque ele não se pode ajudar a si mesmo.

Teólogos de outros tempos poderiam ter escrito algo como “no mistério da economia da salvação de Deus, os mortos podem ajudar os outros através das suas orações, mas não se podem ajudar a si mesmos”. Essa explicação, porém, parece reduzir Deus a um fazedor de regras que “obriga” as pessoas a serem caridosas umas para com as outras, evitando que se possam ajudar a si mesmas. O problema é que isso não é verdade.

Podemos ajudar os outros porque é uma forma de caridade – no verdadeiro sentido teológico, e não apenas como quem dá dinheiro para uma boa causa. Mas mudar-nos a nós mesmos implica sermos verdadeiramente nós mesmos e, depois da morte, já não o somos. Os humanos são seres corporais e espirituais. A minha alma pode estar no purgatório, mas o meu corpo está no cemitério de Santa Gertrude.

É por isso que no Credo dizemos “creio na ressurreição dos mortos” e não apenas “na vida eterna da alma”. Foi toda a pessoa – corpo e alma – que me fez ser bom ou mau. Toda a pessoa – corpo e alma – deve agora partilhar o meu destino eterno.

Vemos, assim, que a alma não é capaz de se valer a si mesma, uma vez que é preciso a pessoa por inteiro – corpo e alma – para agir, o que já não é possível. Nós, porém, que continuamos a ser pessoas completas neste mundo e podemos por isso praticar a caridade, podemos ajudar os nossos entes queridos que já morreram.

O que por sua vez significa que devemos apreciar a absoluta importância da corporificação e da sua relevância para a vida neste mundo e no mundo que há de vir. Não obstante o cartesianismo e a dualidade que deturpam o pensamento ocidental, contrariamente a todas as ideologias da “identidade” que depreciam o corpo ou acreditam que este pode ser alterado através da vontade, o corpo tem valor.

(Claro que isto levanta uma série de questões sobre outras práticas funerárias actuais, desde a aceitação em larga escala da cremação à destruição deliberada – compostagem – do corpo para transformar o Tio Zé em solo. Mas deixemos isso para outro artigo.)

Percebemos, então, que devemos rezar pelos mortos. Mas porquê oferecer uma Missa?

Será porque “onde dois ou três se reunirem em seu nome” – e nós somos uma “comunidade”? Ou talvez porque algumas pessoas pensam que a oração comunitária multiplica a eficácia. Talvez para recordar o nosso antigo paroquiano que costumava vir à missa das 9h30, e se sentava ali mesmo?

Não.

Oferecemos “Missa por sufrágio da alma de X” porque a Eucaristia é um sacrifício, uma re-presentação do sacrifício de Cristo na Cruz, uma oferta do Preciosíssimo Dom que Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, ofereceu em e com o seu Verdadeiro Corpo e Sangue, que se torna verdadeiramente presente aqui e agora neste sacramento e que é verdadeiramente parte da grande dádiva de si mesmo “por nós e por nossa salvação”.

A compreensão, sequer, deste último parágrafo pressupõe uma compreensão da Eucaristia como sacrifício, e nos termos da Presença Real. Uma sondagem da Pew, de 2019, revelou que 69% dos católicos americanos contemporâneos pensam que a Eucaristia é apenas um símbolo. Se os autores da pesquisa tivessem perguntado, acredito que teriam descoberto uma iliteracia teológica equivalente no que diz respeito à Missa enquanto sacrifício.

Se não compreendermos a Eucaristia como um sacrifício em que Jesus Cristo se faz presente de novo, aqui e agora, corpo e sangue, alma e divindade, então também não podemos compreender a ideia do sufrágio pelos mortos, nem como ou porque é que a Missa pode contribuir de facto para o repouso da alma de X.

Se a Eucaristia não passa de uma refeição comunitária que nos une “simbolicamente” e nos recorda de Jesus, bem como dos nossos entes queridos, então na prática não passamos de protestantes. A ideia católica do verdadeiro valor da oração – em especial da Missa – pode, nesse caso, servir como pensamento piedoso, mas não é nada de real. Não faz sentido.

Tenho argumentado que a falta de uma compreensão católica do valor da Eucaristia como oferta sacrificial pelos mortos é a razão pela qual, sem saber verdadeiramente porque estamos num enterro ou numa Missa, os queremos transformar em “memoriais” que servem “tanto para os vivos como para os mortos”, uma mera recordação de boas memórias e frases sentimentais sobre “um sítio melhor” sem que as palavras tenham um verdadeiro sentido profundo. A necessidade dessas memórias alicerça-se hoje em dia na ausência de uma vigília tradicional, ou na substituição de corpos por fotografias em funerais pós-cremação.

Os bispos americanos começaram um “reavivamento eucarístico” em resposta ao escândalo de mais de dois terços dos católicos não compreenderem a Presença Real. Essas pessoas também não compreendem a Eucaristia como a Presença Real oferecida em sacrifício, e como isso agora serve para sufrágio da alma de X. Até que a verdadeira teologia eucarística seja recuperada e ensinada em larga escala, inteiras secções de doutrina católica continuarão a ser “mistérios”, não no sentido próprio das dimensões suprarracionais do divino, mas de iliteracia religiosa. Incluindo compreender porque é que “Esta Missa é celebrada em sufrágio pela alma de X”.  


John Grondelski (Ph.D., Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South Orange, New Jersey.  As opiniões expressas neste texto são apenas suas.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2023)

© 2023 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday 21 February 2023

Vigília de Oração a propósito dos Abusos Sexuais na Igreja

A divulgação do relatório da comissão independente sobre os abusos sexuais contra menores na Igreja não pode deixar nenhum católico indiferente.

À vergonha que colectivamente sentimos, junta-se a necessidade de, enquanto membros da Igreja, manifestar às vítimas e seus familiares o nosso pedido de perdão, pela passividade e omissão de vigilância, cuidado, atenção e acolhimento em que incorremos.

Independentemente de todas as iniciativas futuras que se impõem, em vários níveis, queremos desde já manifestar sentidamente esse pedido de perdão com uma iniciativa que se pretende simples, mas verdadeira, e que, com muita propriedade, desejamos que marque o início da Quaresma que se aproxima.

Pretendemos assinalar a nossa comum responsabilidade, enquanto leigos, pelos caminhos da Igreja.

Sublinhar a emergência e a exigência com que esperamos as respostas das estruturas e responsáveis da Igreja em Portugal.

Demonstrar-lhes a nossa solidariedade para que saibam (e sintam) que não estão sozinhos no caminho das transformações corajosas que são necessárias.

Queremos afirmar o nosso compromisso em não deixar que o silêncio volte a imperar.

Assim, convidamos os católicos portugueses, leigos, religiosos e ministros ordenados, a juntarem-se em vigília de oração silenciosa em frente à principal igreja da sua cidade ou vila, na próxima Quarta-feira de Cinzas, dia 22-2-2023, das 21 horas às 22 horas.

Sugere-se que tragam uma vela acesa.

Não haverá discursos.

Em Lisboa, essa vigília ocorrerá em frente ao Mosteiro dos Jerónimos

No Porto, junto à Torre dos Clérigos

Em Braga, na Igreja dos Congregados

Em Coimbra, na Sé Nova

Em Fátima, na Igreja Paroquial

Em Oeiras, em frente à Igreja Matriz

Em Santarém, em frente à Igreja do Seminário

Em Évora, em frente à Igreja de Santo Antão, praça do Giraldo

Em Beja, junto ao monumento do Largo do Carmo

Em Ponta Delgada, no Santuário da Esperança

No Funchal, em frente à Igreja do Colégio

Em Palmela, na Igreja de São Pedro (das 19h-21h)

Convidamos todos os grupos da Igreja em Portugal, de qualquer natureza, a associarem-se e a divulgar esta iniciativa.

Um grupo de católicos,

Ana Rita Bessa

José Miguel Cardoso da Costa

André Folque

Mafalda Folque

Diogo Alarcão

Margarida Neto

Diogo Caldeira Pinto

Margarida Olazabal Cabral

Francisco Costa Macedo

Miguel Toscano Rico

João Pedro Tavares

Paulo Câmara

João Pereira Bastos

Sofia Galvão

Joaquim Pedro Cardoso da Costa

Teresa Olazabal Cabral 

Monday 20 February 2023

Participação em A Fé dos Homens, com Pedro Gil

Estive com o meu amigo Pedro Gil no programa A Fé dos Homens, na passada sexta-feira, na RTP2 a falar sobre a questão do relatório. 

Podem rever o programa todo aqui.


Friday 17 February 2023

O relatório, obviamente

Há sempre quem prefira fechar os olhos
Já saiu o relatório, e não se fala de outra coisa. Também eu passei os últimos dias a analisar o tema e tenho já vários textos e comentários escritos sobre ele.

Aqui podem ser as minhas primeiras reflexões sobre o relatório e as suas conclusões. Tentei, na medida do possível, relevar questões e pontos que não tinha visto sublinhados noutros locais.

Nestas alturas há sempre duas atitudes a tomar. A de abertura às críticas, procurando absorvê-las para crescer com elas e tornar a Igreja mais pura, mais santa, e a atitude contrária, de entrincheiramento, de rejeição, de suspeição sobre tudo o que é mais crítico. Esta segunda atitude já se começou a manifestar, alimentada por quem pensa que a Comissão e o relatório mais não são do que um instrumento de ataque à Igreja. É pena. Nessa linha muitas pessoas têm-se escudado num artigo espanhol que lança muitas dúvidas sobre o rigor do relatório e da sua metodologia. Achei que seria pertinente escrever um texto a analisar esse tal artigo espanhol e a mostrar porque é que discordo do cepticismo do autor.

Isto não significa que o relatório não tenha falhas e fraquezas. Nas reflexões sublinho algumas, mas que não são directamente culpa dos autores, mas neste texto mostro como alguns dos dados do relatório, nomeadamente as tabelas que pretendem mostrar o número de abusadores e a sua classificação, estão mal feitos, incompletos e incluem erros básicos.

Também escrevi sobre o relatório para o jornal online The Pillar.

O episódio desta semana do Hospital de Campanha é naturalmente sobre este tema. O Octávio Carmo ajudou-me a dissecar o relatório e a sublinhar os seus principais pontos. Ouçam, que vale muito a pena!

Entretanto, partilho convosco a iniciativa de um grupo de católicos que está a promover a realização de vigílias de oração em várias cidades do país na noite de Quarta-feira de Cinzas. Já há local para Lisboa, Oeiras e Santarém. Se mais alguém quiser organizar na sua vila ou cidade, avisem-me que eu meto a informação no post.

Especialmente numa altura destas, é preciso também ir procurar fontes de inspiração. O artigo desta semana do The Catholic Thing fala de como aquilo que nos define não são as nossas preferências ou fantasias, mas sim o amor infinito de um Deus que corre loucamente atrás de nós cada vez que nos desviamos do caminho. Leiam, é um bálsamo.

Hospital de Campanha - O Relatório

Neste episódio abordámos, claro está, o relatório da Comissão Independente, sobre os abusos na Igreja. 

A Inês não esteve presente, mas contei com a companhia do Octávio Carmo, que já tinha estado connosco há quase um ano para falar da reforma da Cúria

Há muito a dizer sobre o relatório, sobre a sua metodologia, as suas conclusões, os testemunhos que apresenta e, mais importante que tudo, como a Igreja deve reagir. Para este episódio voltámos a contar com a participação do Octávio Carmo, jornalista da Ecclesia, para uma conversa que vale bem a pena ouvir, sobre um tema que todos preferíamos que não existisse.

Sobre este tema sugiro ainda a leitura dos seguintes artigos: 

Reflexões sobre o relatório da Comissão Independente

Vigílias de oração a propósito dos abusos sexuais na Igreja

O Relatório e o artigo do Religión en Libertad

Afinal quantos padres abusadores é que o relatório encontrou?

Abusos em Portugal - O que sabemos e o que falta saber 

Cronologia dos casos de abuso sexual na Igreja em Portugal

Wednesday 15 February 2023

O relatório e o artigo do Religión en Libertad

Só esta quarta-feira recebi de umas cinco pessoas diferentes um artigo do site “
Religión en Libertad” que critica o relatório da Comissão Independente, pondo em causa a sua credibilidade.

O artigo contém alguns pontos interessantes, e o autor claramente ou leu o documento, ou leu muitos artigos sobre o mesmo. No entanto, e uma vez que este textoi está a ser circulado sobretudo por quem pretende minar a credibilidade e o trabalho da Comissão Independente, quero explicar aqui porque é que não partilho do cepticismo do autor.

A principal objecção do autor é o facto de o relatório ter por base apenas 34 entrevistas cara-a-cara e, de resto, depender de inquéritos anónimos. Diz ele que seria fácil a grupos feministas ou anticlericais preencher inquéritos falsos e assim deturpar os números finais do relatório.

É evidente que esse risco existe, como existe o risco de se terem contratado 34 actores para as entrevistas cara-a-cara, que fingiram terem sido abusados – uma hipótese que o próprio levanta, mas diz ser menos provável.

Agora, temos alguma razão para acreditar que um grupo de feministas radicais anticlericais se juntou para boicotar o trabalho do Comissão Independente? Não, não temos. E, mais importante, qual era a alternativa? Tendo em conta que estamos a falar de um tema traumático e de extraordinária complexidade, que a maioria das pessoas leva anos a processar se é que alguma vez encontra coragem para falar do assunto, que outra possibilidade havia para além de convidar as pessoas a preencher inquéritos de forma anónima?

A Comissão teria sempre de optar entre expor-se ao risco – menorizado através do cruzamento de dados que permitiu, de facto eliminar umas dezenas de respostas tidas como pouco fiáveis – e ter uma base de estudo, ou esperar apenas por pessoas que quisessem dar a cara, e chegar ao fim do prazo com 34 casos. Optou, naturalmente, pela primeira hipótese. Não podia ser de outra forma.

Mais, como também já referi, muito mais provável é os dados apresentados pelo relatório pecarem por escassos, uma vez que a distribuição geográfica das respostas recebidas é muito desigual e há uma desproporção de respostas de zonas urbanas e litorais em relação a zonas rurais e do interior. A falta de respostas do interior norte e das ilhas, por exemplo, leva a crer que os números reais de vítimas serão de facto mais elevados do que aparece no relatório, e que por isso os quase 5.000 casos estimados não sejam um excesso, como o autor parece pensar, mas talvez até uma estimativa conservadora.

Os casos na imprensa

Um dos dados em que Pablo J. Ginés se sustenta é o facto de o relatório ter dito que a pesquisa feita na imprensa permitiu identificar 19 casos. Escreve o autor:

El equipo investigador además dedicó una periodista a buscar durante 6 meses casos de abusos eclesiales contra menores en archivos de los periódicos portugueses de los últimos 70 años. La periodista revisó 27 periódicos online con detalle. Después consultó los archivos en papel de 4 grandes periódicos. Consultó por teléfono con los archiveros de otros periódicos. Encontró, en total, 19 casos de abusos. Varios los había recibido el equipo investigador por otras vías.
Es verdad que antes de 1974 la prensa portuguesa no publicaba historias de abusos en el clero. Pero también es verdad que en febrero de 2019 todo un equipo de periodistas del "Observador" dedicó 3 meses sólo a buscar casos de abusos a menores en entornos católicos, para su reportaje «Em Silêncio».

Insistamos: en 50 años de democracia en Portugal, toda la prensa del país, incluso buscando con dedicación, encontró sólo 19 casos de abusos a menores (que casi siempre eran los que llegaban a tribunales).

É verdade que o relatório diz que apenas encontrou 19 casos na imprensa, mais oito que não continham informação suficiente para serem contabilizados. Eu também estranhei quando li isso. A questão é que o jornalista da Religión en Libertad aceita esse número como um dado adquirido e, com base nisso, lança desconfiança sobre o resto do relatório.

O problema é que – e aqui sim, critico o relatório – esse número é incompreensível. Há 13 anos que eu sigo esta questão e que vou dando conta de todos os casos que foram públicos nesta cronologia. Recentemente juntei todos os casos, tratei-os e apresentei um resumo aqui.

Ora, segundo esse meu trabalho, quase todo ele documentado por notícias que vieram a público, existiram nos últimos anos 72 casos envolvendo abusos de menores em contexto eclesial. Este valor já inclui seis casos que constam dos tais 19 do relatório, e que me tinham escapado.

Nem todos os “meus” casos são de abusos, alguns são de encobrimento. Mas 63 são de abusos, entre padres, acólitos, sacristãos, escuteiros e professores de EMRC. Um deles, que saiba, nunca chegou a ser notícia, mas os outros foram e em 40 dos casos o nome ou é público ou é de fácil acesso por quem procura (isto é, se eu sei, acredito que a Comissão também conseguia descobrir, pelo que não seria necessário descartar o caso).

Porque é que a Comissão só descobriu 19 casos? Não faço ideia. Já lhes perguntei, talvez haja uma explicação lógica.

Mas pelo menos este argumento do autor da notícia espanhola cai por terra, embora ele não tenha grande culpa de se ter fiado no relatório nesse aspecto.

O jornalista pega ainda no facto de ter havido uma percentagem muito alta de mulheres vítimas. É certo que o número é surpreendente, mas daí a concluir que isso se deve a uma complot ou a uma tentativa em massa de defraudar a comissão, vai um longo passo.

Por fim, talvez uma das teorias mais fracas do autor seja de que algumas vítimas possam ter sido dissuadidas de participar no inquérito, por este alinhar com a ideologia do género, ao permitir que os inquiridos colocassem “outro” no “género”. Eu tenho sérias dúvidas de que alguém que finalmente tomasse a decisão de enfrentar um tema tão sensível da sua vida mudasse de ideias só porque chegou ao inquérito e viu que ele permite mais do “masculino” e “feminino” nas respostas.

Resumindo. O relatório não é perfeito, longe disso. Já apontei algumas fraquezas aqui e aqui. Mas a principal conclusão do relatório, de que existiram provavelmente milhares de casos de abuso sexual de menores na Igreja em Portugal ao longo dos últimos 70 anos, e que alguns ainda persistem, parece-me sólida e não vejo que a Igreja, nem ninguém, tenha a ganhar em semear dúvidas que têm por base, essencialmente, teorias da conspiração.

Queria só terminar por agradecer ao Pablo Ginés ter escrito este artigo e ter-se dado ao trabalho de analisar o relatório, mesmo que eu não concorde com as suas conclusões. É precisamente destas análises e do diálogo sobre as mesmas, que podemos chegar mais fundo na busca da verdade sobre esta questão.


Afinal quantos padres abusadores é que o relatório encontrou?

Há uma falha desnecessária e lamentável no relatório, que diz respeito ao número de padres identificados através dos testemunhos. 

A confusão deriva do facto de o relatório nunca nos dar os números isolados, optando por apresentar tabelas que são difíceis de interpretar, e que ainda por cima têm erros. 

Já explico a metodologia, mas para quem não tem paciência para ler mais, apresento já as minhas conclusões.

TOTAL DE VÍTIMAS: >611 - O > deve-se ao facto de alguns dos dados serem apresentados assim. 

De todos os números, este é talvez o menos fiável, porque as tabelas não permitem identificar se há duplicações entre o número de vítimas identificadas pelo relatório, o número de vítimas apresentados pelas dioceses/institutos religiosos/instituições e o número de vítimas identificadas pelo Grupo de Investigação Histórica. 

TOTAL DE ABUSADORES: 497 - Este número resulta da soma de todos os abusadores identificados pela comissão, pelas dioceses/institutos religiosos e instituições, menos os casos duplicados, que são 35.

TOTAL DE PADRES/RELIGIOSOS ABUSADORES: 413 - A soma total dos padres e religiosos identificados como abusadores nas tabelas é de 441. Contudo, embora o relatório não especifique se os casos duplicados são de padres, religosos ou leigos, há pelo menos 28 casos duplicados que só podem ser de padres, logo o número de padres nunca pode ser superior a 413, podendo inclusivamente descer para 409, caso os quatro restantes casos duplicados incertos sejam todos padres.

TOTAL DE FREIRAS ABUSADORAS: 4

TOTAL DE LEIGOS ABUSADORES: 82 - Resulta da soma de todas as tabelas e a subtração de dois casos de duplicação que só pode ser de um leigo. O número pode descer para 78 se todos os restantes quatro casos duplicados incertos sejam todos leigos.

TOTAL DE ABUSADORES INDETERMINADOS: 8

Ora, os mais atentos poderão ter reparado que a soma de padres/religiosos, leigos, freiras e indeterminados dá 507. Como se explica esta discrepância? Há quatro abusadores duplicados que não retirámos a nenhuma das outras categorias, por não sabermos se são padres ou leigos. Subtraindo esses quatro, ficamos com 503. Os restantes seis, por incrível que pareça, devem-se a erros nas tabelas!

Assim, na tabela das dioceses Braga aparece com um total de 45 abusadores, subdivididos em 40 padres, 5 leigos e 1 indeterminado, o que na verdade dá 46.

Évora tem 10 abusadores, dos quais 10 padres e um leigo, o que dá 11.

Santarém tem 7 abusadores, incluindo 7 padres e 2 leigos, o que dá 9. 

Viseu tem 7 abusadores, dos quais 7 padres e um leigo, o que dá 8.

Nas ordens religiosas masculinas temos os Capuchinhos com 2 abusadores, dos quais 2 são padres/irmãos e um é leigo, o que dá 3.

E, por fim, na Obra da Rua são dois abusadores, dos quais apenas 1 padre, o que obviamente dá 1.

Isto dá um saldo de seis abusadores (7 a mais e 1 a menos), o que, subtraído a 503 dá os tais 497.

Como é que sabemos que alguns dos duplicados têm de ser padres e outros têm de ser leigos? É simples. Veja-se o caso de Lisboa. A Comissão Independente recebeu relatos relativos a 66 padres e 10 leigos. A própria diocese fez chegar informaçao sobre 3 casos, todos padres e o Grupo de Investigação Histórica encontrou nos arquivos dados relativos a 8 casos, todos padres. Os casos duplicados aqui são 9. Dois desses estão entre os dados que chegaram através da diocese e outros 7 nos casos encontrados pelo Grupo de Investigação Histórica. Uma vez que a diocese e o GIH só encontraram casos relativos a padres, esses 9 casos duplicados só podem dizer respeito a padres. 

Infelizmente, em casos como o CNE, em que há 4 padres e 15 leigos apontados entre os abusadores, e quatro casos duplicados, não é possível saber se os duplicados são todos padres, todos leigos, ou uma mistura. 

Com isto, temos ainda mais uma questão a assinalar. Olhando para o número total de abusadores e para o total máximo de padres na lista, vemos que a percentagem de padres entre os abusadores é 83%, podendo descer até aos 82% se os quatro duplicados incógnitos forem todos padres. 

Mas a Comissão não disse que só 77% dos abusadores eram padres? Mais um dado pouco claro. Vejamos com atenção o que diz o relatório sobre isto: "Na esmagadora maioria dos casos, os alegados agressores eram padres (77% dos casos). (...) O segundo estatuto mais comum é o de professor em colégio religioso (9,6%), situação não raramente associada à primeira, pois o professor é igualmente padre. Em terceiro lugar (4,5%), surgem os casos em que as pessoas agressoras eram membros de ordens religiosas diversas (abades, madres, frades, freiras, entre outros)."

Ou seja, estas percentagens significam relativamente pouco. Só porque 77% dos agressores foram identificados como padres, não significa que alguns dos que foram identificados como professores, ou até outros, não fossem igualmente padres.

Em conclusão, eu tenho defendido sempre o trabalho da Comissão, e não são estes detalhes que põem em causa o relatório como um todo. Mas é uma pena que nesta parte a Comissão Independente não tenha feito um trabalho mais rigoroso. 





À Procura da Nossa Verdadeira Identidade

Peter Laffin
Um dos grandes dons da minha conversão ao Catolicismo foi o facto de me ter libertado do projecto fútil e aborrecido da auto-invenção. Como um autoproclamado “ateu sério” que se levava mais a sério ainda, eu levei a descrença em Deus até ao seu fim lógico: um mundo sem Deus é um mundo sem valores objectivos de qualquer tipo. Pela mesma ordem de razões, o indivíduo é uma tela em branco sobre a qual qualquer coisa pode ser pintada. Tendo engolido por inteiro as platitudes pós-modernas mais comuns sobre o romance da auto-invenção, arregacei as mangas e comecei a trabalhar no projecto do “eu” com particular vigor.

Mas tudo isso não passou de uma imitação juvenil de uma história que a nossa cultura não se cansa de repetir, a da criança cuja individualidade tem sido de alguma forma suprimida e que mais tarde aprendeu a encontrar a sua voz e a “dizer a sua verdade”. Mas o resultado é que me deixou amargurado, amassado e, no final de contas, aborrecido.

Hollywood faz com que esta história pareça glamorosa no grande ecrã, com imagens em câmara lenta que batem certo com a banda sonora. Mas na vida real o projecto da auto-invenção é marcado por fases sem qualquer glamour, que nos filmes são convenientemente ignorados. A criação da nossa própria identidade de raiz é um projecto limitador, frustrante e repleto de ansiedade. É o contrário da aventura de descobrir o nosso papel na grande história do cosmos, que expande a alma.

Este é um ângulo que devia ser mais explorado na evangelização: A Igreja oferece a promessa de aventura a um mundo irremediavelmente entediado pela sua própria reflexão no ecrã de um telemóvel.

Mais do que encorajar a miragem da auto-criação – como se fossemos suficientemente poderosos para nos criarmos a nós mesmos ou sequer alterar a substância das nossas almas – a fé revela a identidade humana como ela é, objectivamente, em relação ao Criador.

O Novo Testamento, em particular, oferece-nos pistas sobre a verdadeira identidade humana, na sua relação com Deus, na pessoa de Jesus Cristo. Na grande e variada quantidade de personagens que aparecem juntamente com Cristo, ou que surgem nas suas parábolas, reconhecemos partes de nós mesmos, e através das suas experiências discernimos verdades-chave sobre as diferenças entre o homem e Deus.

Se não lermos os Evangelhos apenas como exercícios académicos, mas como uma oportunidade para viver através dos olhos das suas personagens, damos por nós num constante estado de déjà vu. Os seus encontros com o Divino provocam um sentimento inquietante de acordar de um longo adormecimento. À Luz de Cristo um indivíduo é inteiramente exposto. A presença de Deus abre o alçapão do ego e vemo-nos lançados para um estado de autoconhecimento profundo.

As personagens individuais dos Evangelhos revelam-se-nos de acordo com as épocas inalteráveis do coração. Quando damos por nós numa grande tristeza por não conseguirmos largar os tesouros da terra pela eternidade identificamo-nos com o jovem rico. Quando sofremos com a ferida aberta do pecado não reparado identificamo-nos com a samaritana junto ao poço. Quando sentimos a tentação de abdicar das responsabilidades do nosso poder terreno, até nos identificamos com Pôncio Pilatos.

Até as personagens do reino animal nos transmitem verdades fundamentais sobre a natureza dos seres criados em relação à natureza de Deus. Na verdade, nenhuma personagem do Evangelho me diz mais sobre mim do que a personagem que dá o nome à parábola da ovelha tresmalhada.

As semelhanças superficiais entre mim e a ovelha tresmalhada saltam aos olhos. Em primeiro lugar, sempre me considerei demasiado individualista para correr com o rebanho. Pelo contrário, sempre tive a tendência para correr para a escuridão da floresta por impulso, nem que seja para provar que sou eu que comando o meu destino e que não preciso da ajuda nem da aprovação de ninguém. A ovelha tresmalhada era, como gostam de dizer os neopagãos, o meu “animal espiritual”.

Mas, como sempre, a história só ganha interesse quando Deus entra em acção. Num acto de desespero totalmente irracional o pastor – isto é, o Senhor – abandona o resto do seu rebanho, os noventa e nove que não se tresmalharam, para poder perseguir o que o fez. O coração do pastor sofre tanto com o desaparecimento de uma mera ovelha amada que ele se lança sem pensar duas vezes numa missão de socorro.

O leitor (este leitor, pelo menos) até fica admirado com a aparente irresponsabilidade. Pela lógica humana é algo que não faz sentido, não parece certo que o bem-estar de um deva ter precedência sobre o bem-estar de muitos. Também não faz sentido que um pastor deva agir contra o seu próprio interesse. Não deve ele preocupar-se com o valor geral do seu rebanho?

O que torna a parábola ainda mais estranha é o facto de, noutro lugar no Evangelho, Jesus nos dizer para sermos perfeitos como o Pai Celeste. Esta passagem não só revela a nossa identidade em relação a Deus, como ainda nos oferece um modelo de conduta. Será que o Senhor quer mesmo que imitemos o pastor nestas circunstâncias?

Mas a parábola não pode ser lida segundo a lógica humana. Os seus caminhos estão acima dos nossos caminhos, o seu amor tem uma lógica própria.

Se fecharmos os olhos e nos deixarmos submergir na Luz do seu amor, rapidamente compreendemos que, contra toda a razão, é claramente verdade. É tudo verdade. Deus corre imprudentemente atrás de cada um de nós enquanto caminhamos pelo vale da sombra da morte, pelas veredas escuras e as florestas profundas em que entramos devida à nossa própria ignorância e teimosia.

Ele persegue-nos porque Ele é amor e nós somos os seus amados. Ele está apaixonadamente envolvido nas nossas vidas, como se fôssemos o seu único amor. E como qualquer bom progenitor, aguentará tudo e dar-nos-á o que for necessário para que regressemos a casa em segurança. A sua bondade e a sua misericórdia acompanhar-nos-ão todos os dias da nossa vida.

Esta é a nossa verdadeira identidade: Na nossa fragilidade, afastamo-nos do caminho. Mas nunca estamos perdidos. Somos sempre procurados. Sempre amados. Isso é certamente melhor do que qualquer coisa que eu poderia ter inventado sozinhos.


Peter Laffin escreve de New England. O seu trabalho mais recente encontra-se no The Catholic Thing, The Washington Examiner, e The National Catholic Register.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 12 de Fevereiro de 2023)

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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.


Tuesday 14 February 2023

Reflexões sobre o Relatório da Comissão Independente

Neste artigo vou referir aspetos do relatório que me parecem interessantes mas que não tenho visto sublinhadas na maioria da comunicação social. O relatório pode ser consultado na íntegra aqui

Para quem lê inglês, convido a ver o meu artigo para o The Pillar, sobre o relatório. Podem ainda assistir ao meu comentário na SIC Notícias, cerca das 8h20 de terça-feira, e na sexta-feira estarei no programa da Ecclesia, na RTP2. 

Testemunhos – 4812 vítimas. Este número em si, diz pouco, sobretudo na medida em que é uma estimativa, e uma estimativa que certamente peca por defeito. Mais do que o número total de vítimas, que nunca vamos conhecer, impressiona ler os testemunhos de quem sofreu abusos. Há muitos testemunhos que são especialmente emotivos, mas o que mais me assombrou foi a do rapaz que foi violado, juntamente com colegas, numa viagem de finalistas do sexto ano (Pg. 233). A descrição de como os rapazes se consolaram, da impotência que sentiam perante o abusador, é aterradora. Não chego ao ponto de dizer que toda a gente deve ler esse e outros testemunhos do relatório, mas que deve ser leitura obrigatória para clérigos e para todos os que trabalham com crianças e pessoas vulneráveis, sim. Estou apenas a sublinhar um dos testemunhos que mais me marcou, há outros tão ou mais impressionantes e muitos estarão ainda por contar.

Sete – Este relatório tem muitos números, e muitos deles impressionam. Mas o "sete", que se refere ao número de vítimas que se calcula terem-se suicidado é um que deve ficar para sempre gravado na nossa memória.

O relatório – Um dos grandes pontos a reter deste relatório é a existência do relatório em si. Não nos podemos esquecer que para muitos bispos, e outros na Igreja, a criação de uma Comissão Independente era vista como desnecessária, ou como um ataque à Igreja. As dioceses, dizia-se, já tinham as suas próprias comissões, a que qualquer um poderia recorrer. Ora, só em dez meses a Comissão Independente recebeu dezenas de vezes mais testemunhos do que todas as comissões diocesanas juntas em dois anos ou mais. A Igreja pode não ter culpa, e pode até ter as melhores intenções, mas as vítimas simplesmente não confiam nela e nas suas comissões – algumas chefiadas por bispos o padres – para acolher e tratar as suas denúncias. Nesse sentido, e por mais defeitos que tenha – e tem alguns, que já veremos – a existência do relatório é uma vitória e comprova a necessidade de se ter criado a Comissão Independente.

Colaboração – Portugal não é o primeiro a ter uma Comissão a estudar a problemática dos abusos sexuais na Igreja, e se Deus quiser não será o último. Eu tenho acompanhado esta questão em vários países e por isso posso dizer que é verdadeiramente admirável e assinalável a forma como a Igreja e a Comissão colaboraram pacificamente ao longo do ano que passou. Há mérito dos dois lados, mas merecem elogios os membros da Comissão que sempre fizeram questão de sublinhar e agradecer a forma como os bispos lhes facilitaram a vida, e de dizer que este problema dos abusos é um fenómeno social, em primeiro lugar, e não deve se deve tomar a parte pelo todo. Esta colaboração não impediu, porém, os membros da Comissão de criticar os bispos onde isso lhes pareceu necessário. Uma das grandes vantagens disto é o facto de ser impossível a quem quer que seja na Igreja que tenha dois dedos de testa reclamar de uma caça às bruxas, ou uma perseguição anticlerical. 

Bom senso - Noutros países estes relatórios têm servido para fazer exigências e recomendações estapafúrdias ou simplesmente persecutórias, como apelar ao fim do celibato como medida para combater os abusos, ou sugerir leis que obriguem os padres a violar o segredo da confissão. Não foi surpreendente, tendo em conta os sinais dados pela Comissão ao longo dos meses, mas é bom ver que este relatório evita essas tentações. [Já me chamaram atenção para o facto de, ao contrário do que aqui escrevi, o relatório sugerir que a Igreja "reveja" a questão do selo da confissão. Ainda assim, uma sugestão de revisão é diferente de um pedido explícito para acabar com ele, como aconteceu noutros lados.]

Falta de colaboração – Não há regra sem excepção. É incompreensível que ao longo de dez meses um bispo, o de Beja, e um administrador apostólico, de Setúbal, não tenham acedido às tentativas de contacto dos membros da comissão. O relatório cita ainda um bispo que não identifica – mas cuja identidade torna evidente com a informação que disponibiliza – que claramente não está alinhado com o resto do episcopado no que diz respeito à urgência desta questão, e continua a alimentar a teoria da vitimização da Igreja, mas ele pelo menos aceitou ser entrevistado. Os outros dois, nem isso. Não sei mais detalhes, porque o relatório também não os fornece, mas espero que esta informação seja comunicada à CEP e a Roma e que seja tomada devida nota, a não ser, claro, que haja algum factor atenuante que não conhecemos.

25 e 100+ – Estes são dois dos dados mais significativos do relatório e devem ser lidos em conjunto. Foram enviados 25 relatos para o Ministério Público, por haver indícios de crime não prescrito. Contudo, a Comissão sublinha a improbabilidade de uma parte significativa destes casos poderem ser efectivamente investigados, por falta de informação. É importante notar que estes 25 relatos não dizem necessariamente respeito unicamente a padres, nem a 25 abusadores diferentes. Pode haver leigos à mistura, e pode haver múltiplos casos ligados a um só abusador. Depois, foi dito – já em entrevistas, e não na conferência de imprensa – que a lista que vai ser enviada à CEP com os nomes de padres suspeitos de terem cometido abusos e que estão ainda no activo tem mais de 100 nomes.

Ora, juntando as duas peças, podemos concluir que a esmagadora maioria dos suspeitos nessa tal lista cometeram os seus abusos há tempo suficiente para terem prescrito. Isto leva a crer – embora não possamos ter a certeza – que uma quantidade considerável desses casos dizem respeito a eventos passados há várias décadas e que muitos dos padres envolvidos possam estar já na idade da reforma, ou perto, e talvez até já sejam de idade avançada.

Obviamente isso não significa que não se investigue, mas devemos ter em conta que o facto de haver uma lista com mais de 100 padres activos não implica que exista uma centena de ameaças actuais dentro da Igreja.

Prescrições e expulsões – Esta manhã, em entrevista à SIC Notícias, perguntaram-me o que achava que a Igreja devia fazer com a tal lista de mais de cem nomes de potenciais abusadores. O mais fácil, neste momento, é apelar à expulsão imediata do ministério sacerdotal, mas essa pode não ser a melhor solução. Em primeiro lugar, é preciso avaliar e determinar se a alegação é credível. Não nos esqueçamos que houve mais do que um caso nos últimos anos em que um padre suspeito foi de imediato suspenso enquanto o assunto era investigado, tendo-se concluído pela impossibilidade da prática daquele crime. A presunção da inocência continua a ser um bem valioso.

Felizmente, não obstante a presunção da inocência, a Igreja tem mais margem de manobra nestes casos do que o Estado. O Ministério Público investiga e se encontrar indícios leva a tribunal e daí pode resultar uma absolvição ou uma condenação. No caso da Igreja, porém, pode-se determinar que a denúncia é credível, ainda que não seja possível prová-la sem margem para dúvida e, perante esses dois factos, tomar medidas para, jogando pelo seguro, afastar o padre de qualquer contacto com pessoas vulneráveis, obrigá-lo a receber acompanhamento psicológico, etc.,

O que deve então a Igreja fazer com os padres sobre os quais pendem suspeitas credíveis, ainda que os crimes tenham prescrito civilmente, ou que não seja possível provar a culpabilidade sem margem para dúvidas? Nesses casos a expulsão do estado sacerdotal pode até ser a solução mais fácil, mas não é necessariamente a melhor. É que um padre abusador cujo crime tenha prescrito e que seja demitido – por imposição ou por vontade própria – do estado clerical, deixa de estar sob a alçada da Igreja e já não pode ser punido civilmente. Fica, assim, livre para seguir a sua vida. A Igreja fica com menos uma dor de cabeça, mas a sociedade não fica mais segura. Aqui, pede-se por isso que a Igreja evite as soluções fáceis e que continue a manter a segurança das potenciais vítimas sempre no centro do seu agir e das suas preocupações. 

Distribuição geográfica – O relatório é bom, mas tem fraquezas. A principal, a meu ver, é a total falta de representatividade de algumas dioceses, sobretudo as do norte e centro interior do país, bem como Angra e Funchal. Olhando para o mapa que o relatório disponibiliza na página 118, a realidade é aflitiva. Há vários distritos de onde a Comissão recebeu menos de cinco chamadas, da Madeira recebeu zero. (O que não significa que não tenham sido feitas denúncias relativas a essas dioceses.)

Isto não põe em causa a validade dos testemunhos já recebidos, mas deixa o relatório e a Igreja abertos a críticas por os números finais não serem fiáveis. Por tudo isto é ainda mais urgente a criação de uma segunda comissão, de preferência permanente, que vá aprofundando estes resultados e para que outras vítimas, que ainda não tiveram a coragem, se possam apresentar.  

Números confusos – Uma outra crítica a fazer ao relatório é que, apesar de milhares de dados, há informações bastante básicas que não constam. Em lado nenhum, por exemplo, se refere o dado dos mais de 100 padres ainda no activo, que Pedro Strecht depois mencionou em entrevistas. Mas há mais. Em lado nenhum se refere o total de padres suspeitos. Existe uma série de tabelas que permite calcular por alto o número, nas páginas 385-388. Nestas tabelas pode ver-se o número de casos que a Comissão encontrou em cada diocese. Está lá o total de casos revelados nos testemunhos, o total de casos reportados pelas próprias dioceses e o total de casos encontrados pelo grupo de investigação histórica. A metodologia depois repete-se para as ordens religiosas masculinas, femininas e algumas instituições, como escuteiros e Opus Dei. Uma vez que existe o risco de duplicação de casos, existe uma outra coluna que mostra quantas duplicações é que há, o problema é que não se percebe se a duplicação é com leigos ou padres, etc.,

Ainda assim, fazendo as contas cheguei à seguinte conclusão: Os casos no relatório incluem 497 abusadores, dos quais 414 padres/religiosos, 79 leigos e 4 freiras.

Se detectarem algum erro com os números digam-me… Não esquecer que sou de humanidades.

E os bispos? – Apresentado o relatório, que dizer dos bispos? Tanto quanto vi, até porque não são referidos nomes de dioceses ou locais, para proteger identidades, o relatório não permite concluir se existe forte suspeita de algum bispo ainda em funções ter encoberto conscientemente algum caso de abusos. Contudo, caso a comissão tenha algum dado que aponte nesse sentido, isso deve ser comunicado tanto à CEP como à nunciatura, e devem ser tiradas as devidas consequências.

Outro dado interessante é que o relatório refere que, quando chamados a identificar os seus abusadores, menos de 1% respondeu “chanceler, capelão, bispo ou diácono”. Sendo que 1% de 512 é 5.1, isto permite concluir que terá havido uma denúncia para cada uma dessas categorias. Nesse caso, levanta-se a questão de saber quem foi o bispo que foi denunciado? Ainda é vivo? Foi denunciado por abusos, ou por encobrimento? Certamente não será a comissão a referi-lo – e nem sabemos se o tal bispo foi identificado – mas a pergunta fica no ar.

Friday 10 February 2023

Relatório à vista... Estejam preparados

Estamos a três dias da apresentação do relatório sobre abusos sexuais na Igreja portuguesa, feito pela Comissão Independente. Em antecipação desse momento, dediquei as passadas semanas a elaborar um documento que resume tudo aquilo que já se sabe sobre os abusos cometidos no âmbito eclesial. Aqui encontrarão todos os casos que foram tornados públicos em Portugal nos últimos anos, e o que se passou com cada um deles, incluindo os resultados de processos civis e canónicos. É evidente que o relatório trará muitas novidades, mas só conseguiremos compreender bem esse impacto se tivermos noção daquilo que já se sabe. Está tudo aqui, e caso saibam de mais algum caso que não esteja na lista, mas que tenha sido tornado público, informem-me para eu poder completar.

Preparei também uma série de questões que pedem resposta com este relatório. Quando ele for divulgado é natural que toda a gente foque sobretudo o número total de testemunhos recebidos e o número de alegados abusadores. Mas há muita coisa que é importante saber para se poder contextualizar bem esses dados. Qual o universo total de padres no país nos anos avaliados? Há uma estimativa do número de casos total, e não apenas dos denunciados? A comissão aceitou todos os testemunhos por si, ou houve algum método de avaliar a sua credibilidade? Vejam aqui aquelas que considero serem as questões fundamentais e, mais uma vez, partilhem comigo sugestões de outras que me possam estar a escapar.

O número de mortos devido ao terrível terramoto que afectou principalmente a Turquia e na Síria já ultrapassou os 15 mil, incluindo pelo menos um padre católico. Esta tragédia vem relevar o enorme sofrimento do povo sírio, já duramente afectado por anos de guerra, Covid, uma crise financeira terrível e sanções que são dirigidas aos governantes, mas que como sempre acabam por dificultar a vida aos mais pobres. A fundação Ajuda à Igreja que Sofre está no terreno a ajudar, sobretudo em Alepo e Latakia, e quem quiser fazer donativos para ajudar na reconstrução de casas de membros da comunidade cristã pode obter mais informação aqui. Os líderes da comunidade cristã pedem orações e solidariedade, mas todos concordam que é urgente acabar com as sanções para que o país possa finalmente reerguer-se.

Alguma vez ficou com dúvidas sobre se devia pedir coisas a Deus? Acontece a todos. Randall Smith explica porque é que não nos devemos preocupar mais com o assunto, e continuar a pedir e a bater à porta, neste artigo do The Catholic Thing.

Deixo-vos ainda com os meus artigos para o The Tablet sobre o chumbo pelo Tribunal Constitucional de mais uma tentativa de legalizar a eutanásia, e ainda com o artigo que escrevi sobre a questão do palco para a JMJ.

Thursday 9 February 2023

Perguntas pertinentes para o lançamento do relatório da Comissão Independente

Quando o relatório for divulgado há informação que será certamente conhecida logo, como por exemplo o número total de testemunhos. Mas há outras questões que importa saber.

Neste post juntei alguns que me ocorreram. Convido-vos a acrescentar outros, que podem colocar na caixa de comentários.

As perguntas em itálico foram acrescentadas depois da publicação, por sugestão de leitores

Leia também: Casos de abusos em Portugal. O que já sabemos, o que falta saber e Cronologia de casos de abusos em Portugal

  • De todos os testemunhos, quantos dizem respeito a padres/religiosos e quantos dizem respeito a leigos?
  • Tendo em conta que um abusador pode ter originado vários casos de abuso, qual o número total de padres/religiosos e de leigos alegadamente abusadores, de acordo com os testemunhos?
  • Qual era o universo total, nem que seja estimado, de padres/religiosos em Portugal no quadro temporal a que diz respeito o relatório? E com base nisso, qual a proporção ou percentagem de padres que são suspeitos de ter cometido abusos?
  • Para ter um termo de comparação, qual é, em média, o número anual de queixas de abusos de menores, e, segundo o fenómeno do iceberg, qual é o número estimado de abusos de menores por ano em Portugal?
  • Há algum testemunho de abusos praticados por mulheres, religiosas ou leigas?
  • Qual a distribuição geográfica dos testemunhos recebidos? Se possível, por diocese.
  • Qual a distribuição temporal dos testemunhos recebidos? Nomeadamente, quantos dizem respeito aos últimos 25 anos? Quantos aos últimos 10 anos?
  • A comissão usou algum método para avaliar a credibilidade das acusações, ou contabilizou todas, sem as avaliar?
  • Tanto quanto a comissão sabe, existem casos revelados no relatório que já tenham sido alvo de processo judicial? Se sim, sabe-se quantos foram alvo de condenação, quantos de absolvição, ou quantos foram arquivados por falta de indícios?
  • Tanto quanto a comissão sabe, existem casos revelados no relatório que já tenham sido alvo de processo canónico? Se sim, sabe-se quantos foram alvo de condenação, quantos de absolvição, ou quantos foram arquivados por falta de indícios?
  • Havendo testemunhos anónimos, e outros que não identificam os abusadores, a comissão pode ter a certeza de, nos seus números, não haver duplicação de casos?
  • Numa conferência de imprensa Pedro Strecht disse que houve situações em que o abuso foi “endémico”. Quantos casos desses é que a Comissão identificou? Quais são?
  • O relatório apresentado à CEP e o que será tornado público são idênticos? Se não, o que os distingue? Que conteúdos são só dadas a conhecer aos bispos que não são inseridos no relatório público?
  • Qual é o sexo das vítimas?
  • Qual a relação entre o sexo do abusador e o sexo das vítimas?
  • Quais os contextos mais específicos de abuso identificados (seminários, colégios, catequese, escutismo, acólitos, casa das vítimas, contextos exteriores à acção da Igreja, etc)?
  • Tendo havido denúncia, que tipo de acolhimento houve por parte das estruturas eclesiais (catequistas, chefes de escuteiros, padres, bispos etc)?
  • Qual a relação das vítimas com a Igreja após os abusos (mantêm-se integrados na paróquia/movimento, há uma ruptura imediata, há uma ruptura gradual, há uma ruptura posterior, perdem a fé)?

Wednesday 8 February 2023

Pedir coisas a Deus

Randall Smith

Uma antiga aluna minha mandou-me uma mensagem a perguntar: “Pedimos coisas a Deus que queremos que aconteçam, mas também nos queremos submeter à sua vontade. Como é que conciliamos as duas coisas?”

Escrevi de volta: “Deus é esperto nisso”.

Não foi a resposta mais teologicamente sofisticada, claro, mas em minha defesa, sou péssimo a escrever mensagens. Nunca consigo acertar nas letras certas quando estou a tentar pressionar as teclas pequenas. Por isso achei que, por mensagem, era o melhor que conseguiria fazer.

Eu prefiro conversas cara-a-cara. Quando as pessoas me fazem este tipo de pergunta, normalmente é porque mais alguma coisa se passa. A resposta mais correcta é: “Essa é uma boa pergunta, mas antes de passarmos para ela, o que é que queres mesmo saber?”. C.S. Lewis sugeriu certa vez que as crises de fé se devem mais frequentemente a falta de sono do que a objecções racionais sérias. Precisamente, acontece que a minha aluna estava a sofrer de amigdalite.

Não que isso retire qualquer valor à sua pergunta. A verdade é que me perguntam frequentemente a mesma coisa, e as pessoas têm-se debatido com esta questão, ou uma variação da mesma, há séculos. Platão, por exemplo, acreditava que a oração era irracional. Se Deus, ou os deuses, são “pura bondade” então farão o que for bom, independentemente daquilo que lhes pedirmos. Por isso pedir é supérfluo. Os cristãos têm um problema semelhante. Se aquilo que Deus deseja para nós é sempre bom, então porque rezamos a pedir coisas? Se forem boas, e Deus as deseja para nós, então fará com que as recebamos. Se não forem boas, não dará. Então para quê pedir?

A minha aluna escreveu de volta: “Mas se sou inteiramente submissa a Deus, não devia estar a pedir coisas, pois não?”

“Deus é esperto nisso” não tinha resultado, pelos vistos, e conhecendo esta jovem determinada e entusiasta sabia que dizer “tem paciência e espera até podermos falar outra vez” também não a iria satisfazer. Por isso, e ainda com pouca vontade de mandar uma mensagem longa, escrevi: “Jesus disse que devíamos pedir por aquilo de que precisamos. Se calhar devíamos escutá-lo, porque é capaz de saber do que fala, sendo Deus”.

Novamente, nada de teologia sofisticada ou apologética inspirada, mas não é assim tão diferente daquilo que Deus diz a Pedro na Transfiguração: “Eis o meu filho muito amado… Escutai-o!”

A minha aluna admitiu que ainda estava confusa, por isso insisti. “Então, de um lado estás tu, a pensar se deverias, ou não, pedir por aquilo de que precisas, e do outro está Deus feito homem, que em muitos lugares nas Escrituras nos diz que devemos continuar a bater à porta, para pedir aquilo de que precisamos. Em quem é que depositas a tua confiança?”

Depois de uma curta pausa, ela escreveu: “Então é suposto eu ser totalmente submissa à sua vontade e também pedir por coisas – ou seja, não viver de forma passiva?” Eis a beleza do Espírito Santo quando somos professores. É precisamente quando estamos a ser demasiado preguiçosos para fazer um bom trabalho, ou simplesmente não sabemos o que dizer, que o Paráclito intervém e ajuda os alunos a compreenderem as coisas por eles.

Por alguma razão, Deus quere que nos submetamos à sua vontade, mas que continuemos a pedir coisas, e não “viver de forma passiva”. Ele quere que colaboremos com a sua graça. Não está simplesmente a mexer os cordelinhos, como um marionetista. Ele não age sem nós. O seu objectivo é transformar-nos. E para que isso aconteça é preciso colaborarmos com Ele e cumprirmos a nossa parte.

Isto talvez seja mais fácil de compreender quando estamos a lidar com outros. Quando  descobri que a minha aluna estava doente, escrevi: “Então, usando a mesma lógica, eu não devia rezar para que recuperes? Também é estúpido pedir coisas para outros de que precisem?”

Abraão pede por Sodoma e Gomorra
“Bem visto”, escreveu de volta. “Mas rezar por outros parece muito diferente de rezar por nós mesmos”. Bom, sim, pode parecer diferente, mas será? O novo mandamento é amarmos o nosso próximo como a nós mesmos. Se não encontramos razões para rezar por nós, então quanto tempo passará até deixarmos de encontrar razões para rezar pelos outros?

Parece que Deus quer que compreendamos que estamos nisto juntos. Lembro-me da forma como o Pe. James Schall costumava dizer, quando se despedia: “Reza por mim, que eu rezo por ti!” Deus sabe do que os nossos amigos e entes queridos precisam antes de o pedirmos, mas continuamos a rezar por eles.

Pensem em Abraão, que “regateou” com Deus sobre Sodoma e Gomorra, levando-o a baixar a fasquia de cinquenta homens bons para dez. O que podemos dizer para além de que Deus parece gostar de pessoas assim? Pessoas que acreditam nele o suficiente para o tratar como uma pessoa e não como uma ideia filosófica; pessoas com coragem para defender causas importantes e lutar por elas; pessoas que têm mesmo fé de que Ele é capaz de fazer as coisas que lhe pedimos.

Quando não pedimos é porque estamos a submeter-nos à sua vontade, ou porque, bem lá no fundo, temos medo de que Deus seja de tal forma transcendente que Ele não intervém, ou não pode intervir, no funcionamento do mundo, tal como um relojoeiro que não pode intervir na mecânica do seu relógio. Essa é uma perspectiva razoável, mas não podemos aceitar isso e ao mesmo tempo aceitar a realidade da encarnação. O Deus das Escrituras não é especialmente tímido quando toca a intervir na história humana.

Sem dúvida que existem bons argumentos para a oração de petição que envolvem uma compreensão mais sofisticada da providência divina. Mas no final de contas a maioria de nós provavelmente acabará por alinhar com “Jesus disse-te para bateres à porta, e Ele deve saber do que fala”. Pedimos coisas a Deus quando queremos que aconteçam, mas também quando nos queremos submeter à sua vontade. Como é que se concilia estas duas coisas?

Que mais posso dizer? Deus é esperto nisso. Ele lá arranja maneira.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 24 de Janeiro de 2023)

© 2023 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.




Monday 6 February 2023

O Papa em África e a rapariga que mete a mexer as moçambicanas

O Papa está actualmente no Congo, e de lá segue para o Sudão do Sul. Tem apelado à paz e ao fim da corrupção, como seria de esperar. Mas que diferença é que a viagem do Papa pode mesmo fazer? Falei sobre este assunto com várias pessoas que conhecem bem o terreno, num artigo publicado no jornal online The Pillar, esta semana. Leiam que vale a pena.

O meu amigo Paulo Aido, da fundação Ajuda à Igreja que Sofre – Portugal, tem muitos e bons contactos em ambos os países e tem feito uma cobertura cerrada desta visita, que podem e devem acompanhar aqui. Também a minha amiga Aura Miguel está no terreno e podem acompanhar o seu trabalho na Renascença, aqui.

Esta quinta-feira, também no The Pillar, publiquei uma entrevista com Petru Pruteanu, o bispo da Igreja Ortodoxa Russa para a Península Ibérica, que vive em Cascais. Quem tem acompanhado o meu trabalho sabe que tenho sido crítico da postura do patriarca de Moscovo, mas a Igreja Ortodoxa Russa é demasiado grande e importante para descartar. Se há esperança para a renovação desta grande e venerável instituição está em homens como o bispo Petru, que dizem a verdade, sem medo das consequências. Esta foi uma entrevista que me deu muito gosto fazer e espero em breve poder partilhar convosco uma versão portuguesa.

O tema do palco da missa final com o Papa na Jornada Mundial da Juventude já passou, mas o compromisso que a Igreja fez de tentar baixar os custos das infraestruturas não foi esquecido. Hoje mesmo decorrem reuniões nesse sentido.

Hoje voltamos a ter Hospital de Campanha. Numa fascinante conversa com a Marta Figueiredo, da Girl Move, falámos da dimensão espiritual do seu trabalho de promoção da dignidade e das oportunidades de vida de mulheres em Moçambique, mas também do papel que as mulheres podem, ou não, desempenhar na Igreja e da postura a adoptar em relação a assuntos como o feminismo.

Estamos na Semana das Escolas Católicas. Oportunidade para ler este elogio aos professores católicos, feito pelo David Bonagura, no The Catholic Thing. Leiam e partilhem com um professor católico que conheçam.

Thursday 2 February 2023

Hospital de Campanha - Marta Figueiredo, a "Girl Mover"

Neste episódio conversámos com Marta Figueiredo, uma jovem gestora que desempenhou vários papéis de liderança em movimentos da Igreja e agora gere a Girl Move, uma organização que trabalha com raparigas no norte de Moçambique, promovendo o seu desenvolvimento, no sentido de reduzir o abandono escolar e outros problemas sociais.

Há espaço para as mulheres líderes na Igreja institucional? Feminismo e catolicismo são incompatíveis? Pode-se trabalhar pelo avanço das mulheres sem abraçar todas as causas que alegam ser pró-mulher mas que são incompatíveis com a fé? 

Houve tempo para falar disto e muito mais numa conversa daquelas que fluiu sem qualquer dificuldade. 






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