Friday 1 December 2023

Castigos, pastéis e ex-soviéticos a pagar o preço do ateísmo

O Papa Francisco está doente, tendo por isso cancelado a viagem que estava planeada para o Dubai. Felizmente isso não o impediu de receber esta quinta-feira, em Roma, uma delegação de organizadores da JMJ de Lisboa. Devido à sua doença, o discurso do Papa foi lido por outro, mas Francisco teve forças para falar de improviso e até brincou com os presentes, dizendo que tem saudades dos pastéis.

E Francisco não vai estar no COP28, mas continua a ser uma inspiração para os ambientalistas.

Esta semana começou a circular a notícia de que o Papa Francisco vai castigar o Cardeal Burke, retirando-lhe o apartamento e o estipêndio em Roma. Quem é o cardeal Burke? Porque é que vai ser castigado? E esse castigo faz sentido? A história está bem contada? Os factos e a minha análise estão aqui.

O Tribunal de Justiça da União Europeia decretou na terça-feira que os governos nacionais podem impor um ambiente de trabalho “neutro” do ponto de vista religioso, exigindo aos seus funcionários a não utilização de símbolos de fé, como crucifixos, quipás ou véus islâmicos. Mais uma machadada na liberdade religiosa na Europa, explicada neste texto que eu escrevi há mais de dez anos.

A Rússia foi um dos países em destaque no recente “Meeting Lisboa” do movimento Comunhão e Libertação. Durante esse evento conversei com Elena Zhemkova, da Associação Memorial, que se dedica a recolher testemunhos de vítimas do sistema soviético. Nesta entrevista ela explica que os países da ex-URSS continuam a pagar o preço pela guerra contra a fé. Falei também com Marta Dell’Asta, que trabalha para uma organização italiana que promove o cristianismo na Rússia. Falou sobre o estado da Igreja Ortodoxa Russa na actualidade, e sobre se a conversão da Rússia, prometida em Fátima, já se realizou ou não.

Uma excelente notícia chega do Mali, onde o padre Hans-Joachim, raptado há mais de um ano, foi libertado.

Em Agosto aconteceu um dos piores episódios de perseguição aos cristãos na história recente do Paquistão. Para o cardeal Sebastian Shaw, porém, este evento marcou um ponto de viragem positiva nas relações inter-religiosas no país.

Continua a decorrer o ciclo de conversas “E Deus em Nós”, na Capela do Rato, em Lisboa. A mais recente foi com a artista Ilda David, que conta como na Escola das Belas Artes olhavam-na com estranheza porque incluía anjos nas suas gravuras.

Deus existe? Podemos ter a certeza? Mas será que a certeza é necessária? Randall Smith lança estas e outras questões essenciais no artigo desta semana do The Catholic Thing, onde desmascara o “erro de Descartes”.

Thursday 30 November 2023

O caso do castigo ao Cardeal Burke

Tem circulado esta semana a informação de que o Papa Francisco pretende castigar o Cardeal Raymond Leo Burke, retirando-lhe o apartamento onde vive no Vaticano, e o seu estipêndio. A razão por detrás do castigo será o facto de o Cardeal Burke ser um instigador de desunião na Igreja.

Existem diferentes versões do que se terá passado, que analisarei adiante. Mas antes de mais convém explicar quem é o Cardeal Burke.

O homem das Dubia

Raymond Burke é um cardeal americano. Especialista em Direito Canónico, serviu durante muitos anos na Signatura Apostolica, o tribunal canónico da Santa Sé, tendo chegado a ser prefeito da mesma. Conhecido por ser conservador, cedo no pontificado de Francisco se começou a perceber que ele não estaria alinhado com o estilo e, em larga medida, o conteúdo do mesmo.

O primeiro grande choque do cardeal com o Papa foi depois da publicação do Amoris Laetitia, em que Burke, juntamente com outros três cardeais – dois dos quais já morreram – endereçaram ao Papa uma série de perguntas, pedindo respostas na forma de “Sim” ou “Não”, conhecidas como “Dubia”. A questão das dúbia tornou-se uma autêntica novela, com o Papa a recusar responder e os cardeais a divulgar publicamente as questões que tinham feito, e o facto de terem ficado sem resposta.

Burke também se opôs ao Sínodo sobre a sinodalidade, que se realizou em Outubro, tendo participado num evento paralelo, organizado por opositores ao Papa Francisco, em Roma, chamado “A Torre de Babel Sinodal”.

Mais recentemente Burke voltou a enviar umas dubia ao Papa, acompanhado agora de outros quatro cardeais, incluindo Brandmüller, sobrevivente da primeira volta. Desta vez o Papa respondeu, em texto corrido, mas descontentes, os cardeais reformularam as perguntas e exigiram do Papa respostas na forma de “Sim” ou “Não”, publicando o pedido. O Vaticano publicou então as primeiras respostas, ignorando o segundo apelo.

O castigo

Depois de tudo isto, emergiu recentemente que o Papa Francisco teria dito, numa reunião com os líderes dos dicastérios em Roma, que pretendia aplicar um castigo a Burke, retirando-lhe o apartamento e o salário.

Nas versões que circulam em sites tradicionalistas, o Papa é citado como tendo dito “Burke é meu inimigo, por isso vou retirar-lhe o apartamento e o estipêndio”. Segundo as fontes mais credíveis que eu tenho conseguido consultar, esta versão é falsa. O termo “inimigo” nunca foi usado. Isto é importante, porque o termo transmite a ideia de uma vingança, ou uma birra. Contudo, as medidas serão verdade, de facto, confirmado pelo próprio Papa a um dos seus mais fiéis defensores, Austen Ivereigh. O Papa, aparentemente, não queria que as medidas fossem tornadas públicas, mas alguém presente na reunião divulgou a informação.

Esta medida era necessária?

Estabelecidos os factos, vale a pena ponderar a questão. Será que a medida do Papa era necessária?

Ivereigh, sem grandes surpresas, argumenta que sim, dizendo que o Papa até já tinha demonstrado muita paciência com um cardeal que, contrariamente aos votos que faz quando é elevado ao cargo, estaria a opor-se ao seu ministério.

O voto a que Ivereigh se refere é este: “Prometo e juro permanecer, a partir de agora e para sempre enquanto tiver vida, fiel a Cristo e ao seu Evangelho, constantemente obediente à Santa Apostólica Igreja Romana. A são Pedro na pessoa do Sumo Pontífice e aos seus sucessores canonicamente eleitos.”

Segundo Ivereigh, ao propor um magistério alternativo, questionando e pondo em causa as decisões e medidas de Francisco, Burke estaria a violar esse voto.

O sistema político britânico tem um conceito muito engraçado. Quem manda no país é o “Governo de Sua Majestade” e aos seus adversários, no Parlamento, chama-se “a lealíssima oposição de Sua Majestade”. Faz falta em todo o lado, e também na Igreja, o conceito de uma oposição leal, a ideia de que é possível ser leal a alguém, e ao seu cargo, discordando, todavia, do seu rumo e até dando voz a essa discordância. Discordância não equivale a traição ou a deslealdade.

Será que isto se aplica sempre? Evidentemente não. Há dois casos na história deste pontificado que o ilustram perfeitamente. Um é o Arcebispo Viganò. Quando Viganò começou a criticar o Papa e o seu magistério, Francisco causou alguma surpresa ao recusar castigá-lo, aplicar medidas canónicas contra ele, ou sequer responder. Mas o tempo veio a dar-lhe razão, uma vez que Viganò, deixado a falar sozinho, acabou por se remeter para o espaço das teorias da conspiração e da loucura total. Mais recentemente tivemos também o caso do Bispo Joseph Strickland, que é muito claramente um homem insensato e desequilibrado, que também disparatava contra Francisco, e ainda por cima, ao que tudo indica, geria pessimamente a sua diocese. Aqui Francisco agiu – talvez tarde de mais – pedindo ao bispo que apresentasse a sua resignação, e quando não o fez, retirou-o de funções.

Burke está neste campeonato? Não acredito. Eu tive o privilégio de estar com o Cardeal Burke uma vez, em Roma, durante um curso que fiz na Universidade de Santa Croce para jornalistas. Digo privilégio, porque é sempre um privilégio estar com pessoas simpáticas e boas e Burke deixou-nos a todos com a impressão de ser uma pessoa boa, muito simpática e paciente. Isso quer dizer que eu concordo com tudo o que ele diz ou faz? Longe disso. Acho que ele está muito enganado no que diz respeito ao pontificado de Francisco, mas acho, e essa é para mim a chave, que ele é movido de intenções sinceras e que a oposição que faz é uma oposição leal, que talvez tenha sido insensato numa ou noutra ocasião, sobretudo deixando-se colar ou ser usado por forças mais radicais, mas sem nunca entrar ele mesmo em maledicência contra o Papa.

J. D. Flynn, um dos meus editores no The Pillar, dos EUA, escreveu o seguinte numa análise a esta questão: “Embora ele se pronuncie de forma aberta sobre questões eclesiásticas, como ele as entende, Burke não tem feitio para falar publicamente sobre uma desfeita pessoal – aliás, estive na sua companhia várias vezes ao longo dos últimos anos e nunca o ouvi falar mal do Papa pessoalmente, ou da sua decisão de o retirar das posições de liderança que desempenhava. Na verdade, já vi Burke ficar visivelmente desconfortável na presença de católicos que insultavam pessoalmente Francisco, em vez de criticar apenas a sua abordagem teológica ou estilo de liderança”.

Por tudo isto, acho sinceramente que o Papa teria feito melhor em não tomar a medida que tomou, ou que se prepara para tomar. Se a presença de Burke em Roma o deixa desconfortável então acredito que poderia ter pedido ao cardeal americano para regressar ao seu país, o que não seria escândalo ou surpresa, uma vez que Burke já fez 75 anos e por isso está na idade da reforma, e ainda por cima tem família e um santuário do qual é reitor nos Estados Unidos, portanto teria o que fazer e com quem estar.

É verdade que Burke é fonte de desunião? Eu diria antes que é verdade que a Igreja está desunida – não há como o negar – e que Burke é uma das figuras dessa desunião, mas ainda assim é das figuras com quem se pode dialogar de forma fraternal. Castigá-lo, de uma forma que facilmente pode ser interpretada – bem ou mal – como vingativa, não só não resolve a questão da desunião, como a agrava, pois transforma-o em vítima e permite aos opositores pintar Francisco como um homem vingativo que prega a misericórdia, mas não a pratica.

Uma questão acessória

Há uma outra questão que aparece associada a esta: Faz sentido um cardeal sem cargos que exijam a sua presença permanente na Santa Sé continuar a viver no Vaticano, num apartamento luxuoso subsidiado e com ordenado de mais de cinco mil euros por mês?

Numa altura em que tanto se critica o clericalismo, carreirismo e despesas em Roma, penso que a resposta é evidente. Acredito que seja bom para alguém que está há anos a viver em Roma poder continuar a fazê-lo depois da reforma, mas do ponto de vista de política económica do Vaticano não faz sentido nenhum.

Agora, isso aplica-se a Burke e a tantos outros que estarão nessa posição. Usar este argumento agora, especificamente para Burke, é mesquinho, até porque não foi essa a razão invocada pelo Papa para as medidas que tomou.

Se queremos discutir o que fazer a cardeais reformados, que o façamos, mas não misturemos as coisas, pois ninguém ganha com isso.

Wednesday 29 November 2023

Fé, Certeza e Dúvida

Tens a certeza de que Deus existe? Tens a certeza que não? De que lado está o ónus da prova nesta questão? São os crentes que têm de provar que Deus existe? Ou devem ser os ateus a provar o contrário? Muitos optam por se pronunciar “agnósticos” – não sei mesmo.

Tudo bem, a não ser que a questão da existência de Deus seja tão importante e relevante como saber se o vulcão por cima da minha casa está prestes a explodir. Como não sou vulcanólogo, posso legitimamente dizer “eu não sei mesmo”. Mas não posso propriamente dizer que a resposta à questão não tem qualquer importância para a minha vida e realização. Dizer-me “agnóstico” e voltar para casa não é uma resposta “neutra”. Com os meus gestos estou a colocar-me do lado dos que dizem que esta não é uma preocupação relevante.

Tenho pensado muitas vezes que o verdadeiro objectivo da famosa “aposta” de Pascal era tentar levar os seus compatriotas, com a mania de que eram tão sofisticados, a enfrentar esta questão existencial da mensagem do Evangelho: E se, com a tua vida, já apostaste tudo nesta questão? E se todo o teu dinheiro (ou toda a tua vida) dependessem da resposta a uma certa questão, estarias mesmo disposto a permanecer “agnóstico” sobre ela?

Posso ter a Certeza de que Jesus é Deus feito homem, e que a sua morte sacrificial nos dá a salvação? Talvez não. E então?

E se não colocarmos a questão desta forma, em busca da certeza?

Esta busca pela certeza é uma tendência que foi introduzida na consciência moderna por René Descartes, que acreditava que dizer “eu sei” implicava ter a certeza – tão certo como estou de que 2+2=4. Um antigo professor meu dizia que este era o tipo de erro que, na escola de Aristóteles, teria levado a uma bela reguada. “Não, Descartes! Não! Não podes esperar o mesmo grau de certeza em todos os assuntos!”

Podes ter a certeza sobre Deus, Jesus e tudo o resto? Talvez não. Mas há outras questões sobre as quais não podes ter a certeza. A tua mãe ama-te? Podes ter a certeza disso? Talvez ela seja um génio malvado a enganar-te simplesmente para te poder manipular quando fores mais velho.

Bom, talvez seja possível, sim, mas o que é que ela poderia esperar ganhar que pudesse justificar todo o esforço e sacrifício que está a fazer agora? E como é que podia ter a certeza de que todos os esforços valeriam a pena? É possível, se bem que não seja inteiramente razoável, ou provável. Mas não posso ter a certeza, de facto.

E temos ainda outras questões com as quais as pessoas se debatem. Devo casar com esta pessoa? Posso ter a certeza de que vai “resultar”? É impossível ter a certeza. Talvez seja possível discernir melhor ou pior, mas quem exigir uma certeza absoluta nunca irá casar. Aqueles que pensam no amor e no casamento como escolhas que fazem, em vez de uma situação de que podem ter a certeza, tendem a ter mais sucesso a longo prazo.

Eu tive um professor que defendia que a “crença” era “agir como se fosse verdade”. Não me parece que seja a melhor das definições de fé, mas leva a algumas considerações interessantes. Se eu vejo uma ponte frágil e velha e decido atravessá-la, é porque creio que aguentará o meu peso. Como é que sabem que acredito? Porque estou a atravessá-la. Posso estar a fazê-lo de forma hesitante, com algumas dúvidas, mas estou a fazê-lo.

Um homem está a afogar-se e eu vejo um barco antigo. Se saltar para ele e remar em direcção ao homem, estou a demonstrar a minha crença de que o barco aguenta comigo. Estou a agir como se fosse verdade. Creio nisso – creio tão firmemente que estou disposto a arriscar a vida com base nessa crença.

Em “O Homem em Busca de um Sentido”, Viktor Frankl diz o seguinte sobre o tempo que passou em Auschwitz: “Tínhamos de parar de perguntar sobre o sentido da vida, e antes pensar-nos como aqueles que estavam a ser questionados pela vida – diariamente, a cada hora. A nossa conduta não devia consistir em conversa e meditação, mas em acção recta e conduta recta”.

E se, em vez de certezas sobre a ideia de Deus, nos pensássemos como estando a ser “questionados pela vida”, e a resposta a esta pergunta tivesse a ser dada com as nossas vidas. E se em vez de esperar pela sensação da certeza nos limitássemos a dizer: “Eu escolho viver como se uma vida de amor altruísta fizesse sentido”.

Quando agem com amor altruísta e ensinam os seus filhos a fazer o mesmo, os “agnósticos” e os ateus que dizem acreditar que vivemos num universo vazio e desprovido de sentido, revelam que não acreditam mesmo no que dizem acreditar. Eles acreditam no mesmo que os cristãos – sobre a vida e sobre o mundo. A diferença está em que os cristãos têm razões para a esperança que carregam. E podem dar nome a essa esperança.

Posso ter a certeza sobre o amor de Deus? Estás a gozar? Há dias em que o universo me esmaga e não sei se há valor no que quer que seja, sobretudo quando contemplo as trevas que andam pelo mundo e que habitam o meu próprio coração.

Embora não possa ter a certeza, posso escolher tentar viver como se o Deus de Amor existe e criou um universo em que a chave da realização humana é o Amor feito carne. Eu prefiro viver desta forma porque, na minha experiência, é o que faz mais sentido. Se quiseres chamar a isso “fé irracional”, força.

E sim, talvez seja como o tipo que está num barco velho e frágil, que nem sei se me vai manter à tona de água, a remar em direcção ao homem que se afoga. Mas eu prefiro ser esse tipo do que aquele que se encontra sentado na margem, a fazer perguntas infindáveis sobre a navegabilidade do barco. Esse tipo já fez a sua escolha. E eu fiz a minha. Mas nenhuma dessas escolhas é neutra.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 28 de Novembro de 2023)

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Friday 24 November 2023

Terra Santa, antissemitismo e Arménios preocupados

Vamos já na sexta semana da guerra na Terra Santa e começa-se a falar finalmente num cessar-fogo e libertação de reféns. Isto acontece no dia depois de o Papa ter recebido em audiência delegações de ambas as comunidades, de ter ouvido protestos contra a campanha militar israelita por parte de peregrinos palestinianos na audiência geral, e de ter dito – novamente – que ninguém vence nas guerras, todos perdem. Na quarta-feira foi anunciada ainda uma campanha de oração pela paz e a fundação Ajuda à Igreja que Sofre prometeu reforçar o apoio monetário aos cristãos da Terra Santa.

A guerra na Terra Santa tem despertado muitas emoções em todo o mundo, e temos assistido a uma explosão de manifestações de antissemitismo. Neste caso em particular nem sempre é fácil de avaliar. Há quem considere uma crítica a Israel como um acto antissemítico, e quem diga que não, distinguindo o sionismo do judaísmo. É um tema complexo. Mas é por vezes o carácter antissemítico é inegável e é ingénuo pensar que ele se deve unicamente às decisões e aos actos praticados pelo Estado israelita actualmente. Este tema é explorado no artigo desta semana do The Catholic Thing, onde David Warren conclui que o antissemitismo é, lá no fundo, uma revolta contra Deus e um eco do pecado original.

Enquanto estamos todos focados em Gaza, contudo, o conflito na Terra Santa continua a decorrer noutras frentes e com outras armas. Hoje convido-vos a olhar para Jerusalém, onde há décadas decorre uma campanha levada a cabo por activistas judeus para comprar o máximo de propriedades e terreno possível, para tentar garantir uma maioria judaica na Cidade Santa. O mais recente incidente envolve um negócio obscuro que representa um quarto do sector arménio e meteu manifestações, colonos armados, cães e fantasmas de Nagorno Karabakh. Curioso? É caso para isso.

E para fechar este tema da Terra Santa, digo-vos que estarei no domingo no Atheneu Artístico Vilafranquense, em Vila Franca de Xira, para falar sobre o conflito em curso a participantes da Jornada da Pastoral Juvenil. É Às 10h. A mesma pastoral, inspirada pelo que se passou na JMJ, está a recomendar o uso de famílias de acolhimento para estudantes deslocados que estão a ter dificuldades em encontrar alojamento acessível nas grandes cidades.

Estamos em plena #RedWeek, durante a qual recordamos os cristãos perseguidos em todo o mundo. A fundação Ajuda à Igreja que Sofre organizou uma série de eventos, incluindo com o bispo do Porto e o bispo de Setúbal.

E termino com uma história curiosa. O bairro de Ciudade Chávez, na Venezuela, foi criado há uma década com o objectivo de ser um paraíso socialista, e por isso sem Deus, nem igreja. Agora, contudo, foi inaugurada a primeira paróquia. Há aqui uma lição, obviamente. Podemos revoltar-nos contra Deus, mas com paciência e tempo, Ele vence sempre. Felizmente.

Thursday 23 November 2023

O outro conflito na Terra Santa. A terra em si.

Há poucos dias foi publicada uma declaração curiosa por parte dos líderes das igrejas cristãs da Terra Santa. Os líderes lamentaram os acontecimentos recentes no bairro arménio de Jerusalém.

Antes de entrar nos detalhes, é preciso explicar que Jerusalém está dividida essencialmente em quatro sectores. O sector judeu, o sector muçulmano, o sector cristão e o sector arménio. Todos representam as antigas comunidades que vivem na cidade, lado-a-lado, há séculos.

O bairro arménio é o mais pequeno dos quatro e é distinto do bairro cristão, que é maioritariamente habitado por cristãos árabes.

Quando o Estado de Israel foi fundado, em 1948, Jerusalém era suposto ficar sob controlo internacional, mas no seguimento do ataque falhado por parte da coligação árabe, Israel tomou conta da parte ocidental, ficando a Jordânia com a oriental. Em 1967, depois da Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou a parte oriental. A cidade ficou toda sob controlo de Israel desde então, embora à luz do direito internacional seja considerado território ocupado.

Sabendo disso, e para consolidar o controlo de facto da cidade, activistas judeus têm estado envolvidos numa campanha de décadas para comprar, aos poucos, todo o terreno possível em Jerusalém, com o objectivo de assegurar uma maioria judaica naquela que consideram ser a capital eterna de Israel. Como devem calcular, as outras comunidades temem esta estratégia e têm lutado contra ela, condenando e censurando publicamente quem vende terreno ou edifícios a judeus.

Irineu a acenar do seu "exílio"
Um dos casos mais polémicos – envolvendo cristãos, pelo menos – ocorreu no início do milénio, quando se descobriu que o Patriarca Irineu, da Igreja Ortodoxa Grega em Jerusalém, tinha vendido secretamente terreno da Igreja a investidores judeus. Sublinho aqui que embora a hierarquia do Patriarcado Ortodoxo Grego de Jerusalém seja de etnia grega mesmo, a esmagadora maioria dos fiéis são árabes palestinianos. O impacto do negócio entre a comunidade foi de tal ordem que o Patriarca foi destituído e viveu durante anos num apartamento no edifício do patriarcado, recebendo comida subida por cordas num cesto e afirmando estar detido contra a sua vontade. Apesar disso, Israel continuou a reconhecê-lo como o Patriarca legítimo até 2007. Irineu deixou finalmente Israel em 2019, tendo morrido em janeiro deste ano. O actual Patriarca impediu-o de ser sepultado em Jerusalém, por isso foi enterrado na sua terra natal, na Grécia.

Agora parece que estamos perante a mesma situação, mas com a Igreja Arménia. Um empresário judeu australiano afirma que o Patriarcado Arménio lhe vendeu uma propriedade em Jerusalém, mas o Patriarca diz que não tinha essa intenção e que foi enganado. Para terem noção, o negócio envolve território equivalente a 25% de todo o bairro arménio. O Patriarcado Arménio está a contestar o negócio, dizendo que este tinha de ter passado pelo sínodo, o que não aconteceu.

Recentemente a empresa compradora tentou arrancar com obras num parque de estacionamento, que está entre os lotes disputados. Os arménios convocaram uma manifestação pacifica no local, para contestar a actividade, e em resposta apareceu um grupo de colonos judeus, com armas e cães, que ameaçaram os arménios, intimando-os a abandonar o local. Foi preciso chegar a policia para pôr cobro à questão, mas o clima de tensão mantém-se e os arménios de Jerusalém estão muito preocupados, porque a avançar este negócio ameaça a própria sobrevivência da comunidade.

Foi isto que motivou a declaração conjunta dos líderes religiosos. É mesmo preciso ter em conta a importância destas declarações conjuntas, porque as relações entre as diferentes confissões cristãs na Terra Santa são famosas por serem muito conturbadas e até hostis, especialmente entre os gregos e os arménios. Quando falo em hostis não é ao nível da população geral, que até se dá bem, mas entre padres e monges, que não raras vezes se envolvem em confrontos físicos.

Por fim, há aqui um aspecto que pode parecer simbólico, mas é também importante, sobretudo para a comunidade arménia. Os arménios são um povo muito unido. Estando espalhados pelo mundo, mantém entre eles uma solidariedade e sentido de pertença assinalável. Por isso, todos os arménios sentiram na sua própria pele a derrota dos seus compatriotas em Nagorno Karabakh e a consequente expulsão do território disputado pelo Azerbaijão. Pode-se dizer, por isso, que a ameaça de serem varridos de outro território que habitam há séculos é levada muito a sério.

Mas para agravar tudo isto, sabe-se que para além do apoio da Turquia, o Azerbaijão só conseguiu reverter o status quo em Nagorno Karabakh com armas fornecidas por Israel, por isso a actual ameaça partir de israelitas armados é um golpe particularmente duro para os arménios.

O confronto entre Israel e o Hamas, em Gaza, tem dominado as notícias ao longo do último mês, mas, como estamos a ver, essa é apenas uma parte de um conflito muito complexo e que tem uma variedade de frentes, nas quais o dinheiro e a aquisição de terra são também armas fundamentais.

Wednesday 22 November 2023

Deus e os Judeus

David Warren

De origens obscuras, habitando em Ur dos Caldeus (Genesis 11,31), e itinerantes como nómadas, com Abraão para Canaã, e depois para a escravidão do Egipto; e para fora do Egipto e da escravatura com Moisés; e pela mão de Josué de volta para a terra prometida de Canaã; os hebreus entram para primeiro plano da história.

E nós viajamos com eles através destes tempos distantes e frequentemente impenetráveis. Como nos diz a Bíblia, com repetida claridade, esta é uma itinerância escolhida.

Não foi escolhida pelas pessoas em si, mas pelo seu Deus; ou como temos vindo a compreender de forma mais simples, por Deus. A história que herdamos é a vida que herdamos, que procede sem ambiguidade dos judeus.

Quanto mais nos familiarizamos não só com as Escrituras hebraicas, mas com os resquícios literários de todos os outros povos do “Médio” e “Próximo” Oriente, mais estranho tudo isto se torna. Pois estamos a ler mais do que uma rara história étnica. As fundações tocam ainda uma realidade teológica palpável.

Os judeus não foram escolhidos por uma mão divina e arbitrária. Foram escolhidos por revelação divina, e foi-lhes mostrada a direcção que deviam tentar seguir, ainda que falhando. Isto faz deles diferentes, únicos, distintos de todos os outros povos antigos que estudamos. 

A mão de Deus pode ser vista ao longo das escrituras hebraicas – mais uma vez, de forma diferente daquela com que nos familiarizaríamos nas muitas tradições alternativas e “pagãs”. A sensibilidade espiritual e moral que emerge, a estrutura de mandamento, marca-os como radicalmente diferentes.

Quando nós, que nos chamamos católicos, olhamos para esta história, anterior ao aparecimento físico de Cristo, não temos outra escolha se não concordar com a opinião judaica do que foi, e é, verdade.

As circunstâncias podem ser misteriosas, mas são também simples, e evidentes. Este é um dos paradoxos do “mistério” religioso: que aquilo que é mais impenetrável é também o mais simples.

Lemos, e se tivermos alguma sensibilidade sentimos na Sagrada Escritura o chamamento, a sensação de se ser escolhido. Isto acontece não porque os relatos históricos são convincentes, de forma racional ou empírica, mas porque a história que relatam contém a resposta a algo inevitável: o amadurecimento humano.

Também a fé tem uma componente evidente de mistério. Não é uma colecção de artigos científicos ou uma antologia de textos religiosos que estamos a ler. Estamos a ler – e a escutar – a palavra de Deus. São-nos feitas exigências. É-nos dito o que é verdade e certo, e belo: exigências essas que irão determinar, directa e indirectamente, o nosso percurso. Ou que serão rejeitadas, por nossa livre vontade, pois implicam uma vida de santidade contra a qual nós, enquanto animais naturais, podemos revoltar-nos.

As exigências são inconvenientes. Isto pode magoar-nos de forma radical. É-nos pedido que abdiquemos do nosso narcisismo, do nosso “ego”, no qual parece radicar a nossa sobrevivência, para abraçar algo que, desde o início, nos foi apresentado como imortal.

O que parecia ser a mensagem “moderna” do Cristianismo, afinal estava já presente desde o início: abdica daquilo que tens, pois tu és escolhido.

É a mesma mensagem que Maria canta no Magnificat: esse Sim cósmico que é pronunciado quando o homem aceita o seu destino; e quando a mulher aceita o seu destino: e é profundamente alegre.

Compreender o fenómeno do antissemitismo passa por compreender o que acontece quando dizemos Não. Não é algo que nos é feito, mas antes algo que nós fazemos.

A raiva contra os judeus – essa fúria psicopática que já devíamos esperar – é, na sua essência, uma raiva contra Deus, e contra a sua ordem.

Ficamos enraivecidos porque os judeus não “são normais”. Insistimos em reduzi-los, em persegui-los, da mesma forma que os nossos antepassados insistiram em crucificar Cristo. 

Pois existe, e pode ser encontrado nas Escrituras, algo cristoforme em cada Judeu escolhido. Ele é um meio para a compreensão de que o homem foi criado à imagem de Deus.

Isto não é algum facto aleatório, antes desafia o lugar comum a que estamos habituados. Porque o Deus em cuja imagem fomos criados é um Deus particular, que conhecemos através de uma história particular.

É uma história na qual os judeus foram os condutores de um acto de vontade divina, e na qual nós, os cristãos que vieram mais tarde, devemos reconhecer que de alguma forma também somos judeus. Pois só os judeus foram escolhidos.

Está em jogo aqui uma estranha inveja. E aqui gostaria de realçar que a inveja não é um pecado menor. No caso do antissemitismo que temos visto recentemente, e ao longo da história, atinge o comportamento homicida a que temos assistido: horrores demasiado horríveis para se descrever casualmente.

Não é por coincidência que estes crimes são cometidos pelos sem Deus. É o caso dos terroristas islâmicos cujos massacres dominam tantas vezes as notícias. Pensamos, erradamente, que são fanáticos religiosos. Mas não são.

O islamismo contemporâneo tem tido o seu próprio percurso histórico, que passa pelas revoluções que varreram o mundo árabe há décadas. O perfil racial do islamista típico não é de um místico religioso, como aquele a que a tradição sufi nos tem habituado. Não se trata de um muçulmano devoto e praticante, a não ser para inglês ver. Estamos a lidar antes com monstros claramente políticos. 

De igual modo, no ocidente, estamos agora a lidar com um inimigo que atinge o seu auge de entusiasmo nos campus universitários: estudantes muito distantes de qualquer humildade religiosa e os seus orgulhosos gurus esquerdistas.

É por isso que, no passado, nos vimos confrontados pelos Nazis, cujo ódio aos judeus transcendeu o seu ódio por qualquer outro inimigo, e é por isso que os judeus sofreram pogroms, não apenas sob o regime de Estaline.

A visão de um judeu é, de forma misteriosa, mas simples, uma recordação de Deus em forma humana. E inspira em nós a maldade da nossa primeira revolta.


David Warren é o ex-director da revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.

(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 3 de Novembro de 2023 em The Catholic Thing)

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Friday 17 November 2023

Indi Gregory, padres em burnout e #RedWeek

Do Reino Unido chega uma notícia triste e outra chocante. A triste é que morreu a menina Indi Gregory, que sofria de uma doença incurável. A chocante é que a Indi morreu porque os médicos, com o apoio do tribunal, decidiram que as opinião, as escolhas e os valores dos pais da Indi não deveriam ser tidos em conta no que diz respeito ao seu tratamento clínico. Não é uma excepção, é a regra naquele país, como já se tornou evidente ao longo dos últimos anos. Neste artigo explico os detalhes, e digo porque é que isso é tão preocupante.

A semana passada falei muito brevemente do documento do Vaticano sobre o acesso dos transexuais ao sacramento do baptismo ou à função de padrinhos. Esta semana trago-vos um artigo do The Catholic Thing que resume muito bem aquelas que são as minhas preocupações com as orientações da Santa Sé, que a meu ver peca mais pelo que não diz do que pelo que diz. Leiam o artigo e digam-me se concordam.

A Renascença tem uma interessante notícia sobre um padre que se está a especializar em psicologia com o objectivo de ajudar outros sacerdotes em “burnout”. É um problema cada vez mais presente nas paróquias, e não apenas nos círculos católicos.

Dos meus amigos da Ajuda à Igreja que Sofre – Portugal, trago-vos três histórias muito importantes. Em primeiro lugar, entramos amanhã na #RedWeek, durante a qual vários edifícios públicos serão iluminados de encarnado para assinalar a perseguição aos cristãos. Saibam mais aqui.

Na Nigéria a praga de raptos de padres é de tal forma que já nem é notícia. Ao longo deste ano vamos já em 23 raptos e quatro assassinatos. Uma tragédia.

E ainda, a história da Irmã Terese, do Gana. Talvez até tenha partilhado isto na versão inglesa, mas o testemunho desta freira, que salva dezenas de vidas de crianças consideradas “amaldiçoadas” é tão bonita que volto a insistir nela. Isto é o Evangelho em carne e osso.

Felizmente, da Nigéria também nos chegam histórias encorajadoras. Conversei com um bispo e um padre que estão a implementar um programa de diálogo inter-religioso que tem dado muitos frutos pela paz. O bispo até recebeu o título de Sheikh do seu amigo o grande-imã do Estado de Osun.

E os líderes de igrejas da Terra Santa pedem que os cristãos celebrem o Natal de forma mais recatada este ano, por causa do sofrimento em Gaza. Esta declaração está publicada aqui, onde tenho estado a coligir declarações de líderes religiosos locais sobre esta guerra. Rezemos pela Paz na Terra Santa, e rezemos pelos cristãos que se encontram em Gaza, dos quais não temos tido notícias nos últimos dias.

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