Queridos irmãos e irmãs!
“Que Deus nos dê a sua graça e a sua bênção, e sua face
resplandeça sobre nós”. Assim aclamamos com as palavras do Salmo
66, depois de termos escutado, na primeira leitura a antiga bênção sacerdotal
sobre o povo da aliança. É particularmente significativo que, no início de cada
ano novo Deus projete sobre nós, seu povo, o brilho do seu santo Nome, o Nome
que é pronunciado três vezes na fórmula solene da bênção bíblica. Não menos
significativo é o fato de que seja dado ao Verbo de Deus - que “se fez carne e habitou
entre nós», como «a luz de verdade que ilumina todo ser humano” (Jo 1,
9.14) -, oito dias depois seu natal - como nos narra o Evangelho de hoje - o
nome de Jesus (cf. Lc 2, 21)
(…)
O homem é feito para a paz, que é dom de Deus. Tudo isso
me sugeriu buscar inspiração, para esta Mensagem, às palavras de Jesus Cristo:
“Bem-aventurados os obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,
9).
Esta bem-aventurança “diz que a paz é, simultaneamente,
dom messiânico e obra humana.... é paz com Deus, vivendo conforme à sua
vontade; é paz interior consigo mesmo, e paz exterior com o próximo e com toda
a criação” (Ibid., 2 e 3). Sim, a paz é bem por excelência que deve ser
invocado como um dom de Deus e, ao mesmo tempo, que deve ser construído com
todo o esforço.
Podemos perguntar-nos: qual é o fundamento, a origem, a
raiz dessa paz? Como podemos sentir em nós a paz, apesar dos problemas, da
escuridão e das angústias? A resposta nos é dada pelas leituras da liturgia de
hoje. Os textos bíblicos, a começar pelo Evangelho de Lucas, há pouco
proclamado, nos propõe a contemplação da paz interior de Maria, a Mãe de Jesus.
A passagem do Evangelho termina com uma menção à
circuncisão de Jesus. Conforme a Lei de Moisés, oito dias após o nascimento, o
menino devia ser circuncidado, e nesse momento lhe era dado o nome. O próprio
Deus, através de seu mensageiro, dissera a Maria - e também a José – que o nome
a ser dado para a criança era “Jesus” (cf. Mt 1, 21; Lc 1,
31), e assim aconteceu. Aquele nome que Deus já tinha estabelecido antes mesmo
que o Menino fosse concebido, lhe é dado oficialmente no momento da
circuncisão.
E isto marca definitivamente a identidade de Maria: ela é
“a mãe de Jesus”, ou seja, a mãe do Salvador, do Cristo, do Senhor. Jesus não é
um homem como qualquer outro, mas é o Verbo de Deus, uma das Pessoas divinas, o
Filho de Deus: por isso a Igreja deu a Maria o título de Theotokos,
ou seja, “Mãe de Deus”.
A primeira leitura nos recorda que a paz é um dom de Deus
e está ligada ao esplendor da face de Deus, de acordo com o texto do Livro dos
Números, que transmite a bênção usada pelos sacerdotes do povo de Israel nas
assembleias litúrgicas. Uma bênção que por três vezes repete o santo Nome de
Deus, o nome impronunciável, ligando a cada repetição o santo Nome a dois
verbos que indicam uma ação em favor do homem: «O Senhor te abençoe e te
guarde. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti. O
Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz» (6, 24-26). A paz é, portanto,
o ponto culminante dessas seis ações de Deus em nosso favor, em que Ele nos
dirige o esplendor da sua face.
Significa conhecê-Lo diretamente, tanto quanto é possível
nesta vida, através de Jesus Cristo, no qual Deus se revelou. Deleitar-se com o
esplendor da face de Deus significa penetrar no mistério de seu Nome
manifestado a nós por Jesus, compreender algo da sua vida íntima e da sua
vontade, para que possamos viver de acordo com seu desígnio de amor para a
humanidade.
O apóstolo Paulo expressa justamente isso na segunda
leitura, da Carta aos Gálatas (4, 4-7), afirmando que do Espírito, que no
íntimo dos nossos corações, clama: “Abá! Ó Pai». É o clamor que brota da
contemplação da verdadeira face de Deus, da revelação do mistério do Nome.
Jesus diz: «Manifestei o teu nome aos homens” (Jo 17, 6).
O Filho de Deus feito carne nos deu a conhecer o Pai, nos
fez perceber no seu rosto humano visível a face invisível do Pai; através do
dom do Espírito Santo derramado em nossos corações, nos fez conhecer que n’Ele
nós também somos filhos de Deus, como diz São Paulo na passagem que escutamos: “Porque
sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que
clama: Abá! Ó Pai” (Gal 4, 6).
Queridos irmãos e irmãs, eis o fundamento da nossa paz: a
certeza de contemplar em Jesus Cristo o esplendor da face de Deus, de ser
filhos no Filho e ter, assim, na estrada da vida, a mesma segurança que a
criança sente nos braços de um Pai bom e onipotente. O esplendor da face do
Senhor sobre nós, que nos dá a paz, é a manifestação da sua paternidade; o
Senhor dirige sobre nós a sua face, se mostra como Pai e nos dá a paz. Aqui
está o princípio daquela paz profunda – “paz com Deus” – que está intimamente
ligada à fé e à graça, como escreve São Paulo aos cristãos de Roma (Rm 5,
2).
Nada pode tirar daqueles que creem esta paz, nem mesmo as
dificuldades e os sofrimentos da vida. De fato, os sofrimentos, as provações e
a escuridão não corroem, mas aumentam a nossa esperança, uma esperança que não
decepciona, porque "o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo
Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5, 5).
Que a Virgem Maria, que hoje veneramos com o título de
Mãe de Deus, nos ajude a contemplar a face de Jesus, Príncipe da Paz. Que Ela
nos ajude e nos acompanhe neste novo ano; que Ela obtenha para nós e para o
mundo inteiro o dom da paz. Amém!
Bento XVI, Joseph Aloisius Ratzinger, foi eleito Papa a
19 de Abril de 2005, tornando-se o 265º sucessor de São Pedro. Tornou-se Papa
emérito com a sua resignação, a 28 de Fevereiro de 2013. Morreu, aos 95 anos,
no dia 31 de Dezembro de 2022.
(Publicado em The Catholic Thing na Segunda-feira, 1 de Janeiro de
2024)
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