Friday 29 October 2021

Eutanásia 2.0 é pior que a versão original...

A Renascença divulgou esta sexta-feira a nova versão da lei da eutanásia que os deputados vão votar na próxima quinta-feira. Fizeram alterações para tentar ultrapassar o chumbo do Tribunal Constitucional. Será que vai funcionar? O constitucionalista Paulo Otero diz que é pior a emenda que o soneto…

Joe Biden foi hoje ao Vaticano. Deu ao Papa um presente com um significado muito pessoal e conversaram durante mais de uma hora. No final, aos jornalistas, disse que não falaram do aborto, mas que o Papa o tinha encorajado a continuar a comungar. A polémica já está instalada. Saiba porquê.

A Universidade Católica vai acolher um simpósio internacional para promover a ideia da “aprendizagem-serviço”. O Papa Francisco e António Guterres gostaram da ideia e mandaram mensagens de incentivo.

Já todos sabemos que Portugal vai estar debaixo de chuva intensa estes dias, mas se estiver pelos lados de Fátima e quiser ir a um concerto de Rock cristão italiano, ao menos é num auditório.

Não deixem de ler o artigo desta semana do The Catholic Thing, sobre conhecimentoque cega, em vez de iluminar.

Wednesday 27 October 2021

Papa no Canadá para acelerar reconciliação

O Papa vai ao Canadá para se encontrar com representantes das tribos que exigem um pedido de desculpas pelo envolvimento da Igreja Católica no sistema de colégios internos que existiam para impor a cultura ocidental às suas crianças, e onde se praticaram abusos e violência em larga escala.

Estamos na Semana dos Seminários. Dizem os responsáveis que os candidatos ao sacerdócio são menos que antigamente, sim, mas de novos meios sociais e culturais.

Começou o processo sinodal em Lisboa. D. Manuel Clemente quer que este e as JMJ avancem em conjunto, sendo que para as JMJ isso pode ser em passo de corrida.

Os bispos do Reino Unido manifestaram-se contra o projeto de legalização do suicídio assistido.

Vivemos num tempo em que acreditamos que o conhecimento é que nos ilumina. Mas haverá conhecimento que nos cega? O padre Paul Scalia acredita que sim e explica porquê neste artigo do The Catholic Thing em português, partindo do episódio do cego Bartimeu.

Conhecimento que Cega

Pe. Paul Scalia

O “Peitoral de São Patrício” contém uma oração curiosa a invocar o poder de Deus “contra todo o conhecimento que cega a alma do homem”. Às vezes é traduzido como o conhecimento que “corrompe”, que “agrilhoa” ou que “profana”. Seja qual for o termo, o ponto permanece e é contrário ao modo de pensamento da nossa cultura. Nós vivemos de acordo com a noção simplista de que “Conhecimento é poder”. Não conseguimos imaginar um conhecimento mau.

Mas São Patrício sabia melhor. Ele sabia que temos de ser defendidos contra aquele “conhecimento” que não só não nos ajuda, como ameaça. É um conhecimento que promete visão, mas resulta em cegueira.

Pelo menos o cego Bartimeu, cuja história ouvimos no Evangelho do passado domingo, sabia que era cego. Foi esse conhecimento que o levou a clamar: “Jesus, Filho de David, tem piedade de mim”. A cegueira dele era saudável, na medida em que o levou a procurar uma cura. Mas a cegueira causada pelo nosso próprio conhecimento é outra coisa. Cega enquanto afirma dar-nos visão e por isso deixa-nos cegos para a nossa cegueira.

Pensemos por exemplo na mentalidade contraceptiva. Com a aceitação generalizada do uso de contracepção pensávamos que tínhamos obtido um conhecimento e uma sabedoria melhores que as dos nossos antecessores. De facto, a mentalidade contraceptiva cegou-nos para aquilo que os nossos antepassados bem sabiam: as verdades sobre o homem, a mulher, a sexualidade e o casamento.

Se a procriação pode ser eliminada da relação sexual, porque é que esta deve ser reservada ao casamento? Para que é que precisamos do casamento? Aliás, por que razão deve este acto ser restringido a um homem e uma mulher? E uma vez que a contracepção rejeita aquilo que é distintivo do homem e da mulher (a sua capacidade para procriar), porque havemos de pensar que ser homem ou mulher significa algo, ou é sequer uma realidade? Assim vemos que nos tornámos cegos a verdades que outrora eram bem conhecidas.

A mentalidade contraceptiva está ligada a outro conhecimento que cega, a ideia moderna de que a liberdade significa a capacidade de fazer o que me apetece. Segundo esse entendimento, a liberdade requer a rejeição de todos os limites. Claro que quando removemos os limites às coisas elas perdem o sentido. As coisas apenas têm sentido na medida em que são limitadas. O ilimitado não é liberdade, e falta de sentido. Quando insistimos nesta liberdade cegamo-nos ao nosso próprio sentido e assim abrimos a porta à dissolução que agora vemos.

Depois temos o conhecimento cegante do “cientismo”. No seu devido lugar, a ciência é um instrumento útil. Mas o cientismo, por outro lado, é autoritário. O cartaz anuncia: “A Ciência é Real”. Mas o que isso significa na realidade é que mais nenhuma forma de conhecimento será aceite como real. É tanto uma afirmação como é uma ameaça. O cientismo fornece a narrativa de que o homem estava na escuridão e ignorância até que a revolução científica o salvou. Desde esse momento salvífico, somos todos mais sábios. Dominámos o mundo (não obstante as pandemias). Claro que tudo o que o cientismo faz é truncar o próprio conhecimento. Os nossos antepassados reflectiam sobre o físico e o espiritual, o temporal e o eterno. O cientismo confina-nos ao físico e temporal. O único verdadeiro conhecimento (A Ciência é real!) é aquilo que podemos medir e quantificar. Longe de iluminar, isso cegou-nos para todo um campo de visão. A narrativa dualista (velho mau/novo bom) criou um preconceito nas nossas mentes, tornando-nos hostis a qualquer conhecimento ou verdade que tenha havido antes.

O pior é que o “conhecimento” do cientismo nos cega quanto à verdade de nós mesmos. Enquanto corpos com alma somos mais do que o cientismo pode estudar. Ele reduz o nosso propósito e sentido apenas a este mundo. Tornamo-nos assim apenas mais um objecto físico a estudar, manipular e aperfeiçoar. Deixámos de conseguir compreender-nos a nós mesmos.


O cego Bartimeu mostra-nos como se pode sair da cegueira. Primeiro, e mais importante, ele mostra que a fé conduz à visão. “A tua fé te salvou”, diz-lhe o Senhor. A sua fé permite-lhe ver. Ao contrário do mito moderno, a fé permite-nos conhecer. Nas palavras de João Paulo II, “a fé purifica a razão e abre horizontes que, por si só, a razão nunca poderia considerar”.

Bartimeu mostra também que a visão requer uma certa pobreza. Quando ele ouviu que o Senhor o estava a chamar “largou a sua capa e, de um salto, pôs-se de pé e foi ter com Jesus”. A capa representava a totalidade das suas posses. Mantinha-o quente quando estava frio e talvez servisse de almofada quando se sentava para pedir. Mas a capa não era mais importante que a visão. Ele está disposto a largá-la para poder correr, livremente, em direção à cura.

A liberdade da cegueira requer pobreza, a disposição para perder a nossa riqueza e o suposto controlo. No Sul, no Século XIX, os benefícios financeiros da escravatura cegaram os homens para o grave mal dessa instituição. Da mesma forma nós temos criado vidas autónomas e confortáveis em torno do cientismo, uma noção falsa da liberdade e a mentalidade contraceptiva.

A capa que usamos é pesada, não é fácil descartarmo-nos dela. Mas só vamos conseguir recuperar a nossa visão quando estivermos dispostos a purgar-nos de tudo o que o nosso “conhecimento” nos deu. Resumindo, o nosso problema não está ao nível do intelecto, mas da vontade. Temos de estar dispostos a mudar radicalmente as nossas vidas para poder ver claramente.

Precisamos de ver. Precisamos de ser curados da nossa cegueira. Seguindo o exemplo Bartimeu, descartemo-nos da nossa falsa autonomia e riqueza, e corramos em direção ao Senhor, com aquela simples oração nos lábios, “Senhor, que eu veja.”


O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero. É autor de That Nothing May Be Lost: Reflections on Catholic Doctrine and Devotion e coordenador de Sermons in Times of Crisis: Twelve Homilies to Stir Your Soul.

(Publicado pela primeira vez no domingo, 24 de Outubro de 2021 em The Catholic Thing

© 2021 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.  

Monday 25 October 2021

Políticos metidos no confessionário, povo pró-vida na rua

O segredo da Confissão está de novo sob ataque na Austrália, onde mais um estado legislou no sentido de obrigar os padres a revelar casos de abusos de que tenham conhecimento no confessionário. As críticas chegaram dos locais mais prováveis, mas também improváveis.

Claro que por detrás de tudo isto está o escândalo dos abusos. E para quem tem dúvidas sobre o que constitui um abuso, a diocese de Bragança tem uma ação de formação.

O Patriarca de Constantinopla foi hospitalizado nos Estados Unidos, onde tinha acabado de chegar de visita. Bartolomeu tem 81 anos.

A entrevista desta semana da Renascença e da Ecclesia é ao padre Pedro Fernandes, provincial dos Espiritanos, uma das maiores ordens missionárias do mundo.

Decorreu no passado sábado a Caminhada Pela Vida. Um grande sucesso, em ambiente de festa, como sempre. Parabéns aos organizadores e todos os que participaram!

Friday 22 October 2021

A Caminhada Pela Vida é já no Sábado

Vem junta-te a nós...
É amanhã que se realiza a Caminhada Pela Vida. São dez cidades em simultâneo, sempre às 15h. Se acreditam na “dignidade e na beleza da vida”, ou se querem aproveitar para homenagear as vítimas da Covid, não deixem de aparecer!

Depois de uma primeira tentativa falhada, por causa da Covid, o Papa disse esta sexta-feira em entrevista que tenciona ir a Timor-Leste.

Recentemente falei do caso do padre que foi impedido de administrar os sacramentos ao deputado David Amess. Uma proposta no Parlamento britânico consagraria esse direito e ficaria associada sempre ao nome dele.

Bento XVI disse recentemente, numa carta, que espera juntar-se em breve a um amigo que morreu. Desejo de morrer? De todo, explica o arcebispo Ganswein, trata-se antes de uma antiga tradição cristã, a preparação para uma boa morte.

O líder do gangue que raptou 17 missionários no Haiti promete meter “uma bala na cabeça de cada um” caso não receba um resgate de 17 milhões de euros.

Não deixem de ler o artigo desta semana do The Catholic Thing, sobre as possíveis consequências para o movimento pró-vida no caso de o Supremo Tribunal americano revogar o Roe v. Wade.

Wednesday 20 October 2021

A Liberdade das Crianças e Transfusões Forçadas

O Papa Francisco foi surpreendido esta quarta-feira por uma criança que foi ter com ele durante a audiência geral semanal. Francisco aproveitou o momento para falar da importância daquela liberdade que é muito particular às crianças.

Temos estado a falar nas últimas semanas sobre a questão das transfusões de sangue e Testemunhas de Jeová. Ora, do Brasil chega um caso surpreendente de um tribunal que ordenou que uma mulher recebesse uma transfusão de sangue contra a sua vontade.

Do lado de cá do Atlântico a notícia triste e chocante, mas menos surpreendente, de como a polícia impediu um padre de administrar a unção dos doentes ao deputado David Amess, que foi assassinado na passada sexta-feira.

Vem aí mais uma Caminhada Pela Vida. Este ano a caminhada acontece em dez cidades ao mesmo tempo e conta com o apoio de D. Manuel Clemente e de D. Francisco Senra Coelho.

Nos Estados Unidos existe muita tensão atualmente em torno da lei do aborto, que poderá ser posta em causa num processo que vai ser analisado pelo Supremo Tribunal. O que é que isso significa para o movimento pró-vida? Randall Smith diz que a batalha está apenas a começar e que os ativistas pró-vida devem esperar muitas ameaças e muita hostilidade. Já começou.

As Ameaças aos Grupos Pró-vida

Randall Smith

A minha mulher e eu fomos convidados por uns amigos para o banquete do Texas Right to Life há poucas semanas. Para quem não sabe, a Texas Right to Life está entre as mais bem-sucedidas, se não é que é mesmo a mais bem-sucedida organização pró-vida nos Estados Unidos. Daí que tenhamos a Lei do Batimento Cardíaco no Texas, que obriga um médico abortista a verificar se existe um batimento cardíaco audível na criança por nascer, proibindo o aborto de qualquer criança em que isso se verifica.

O banquete deste ano foi parecido com o de anos anteriores, mas com uma grande diferença: a forte presença de seguranças. Em todo o lado havia agentes da polícia fardados e com coletes à prova de bala. Isto porque a Texas Right to Life é uma organização sob fogo cerrado, que sofre assédios e ameaças que, temo, apenas vão piorar nos próximos meses e anos.

A organização recebe mais de mil mensagens de voz de ódio todos os dias. E quando digo ódio, é mesmo ódio. Os organizadores reproduziram algumas durante o banquete, eliminando os palavrões frequentes durante as longas diatribes violentas. Recentemente tiveram de evacuar a sede por causa de uma ameaça credível de bomba e estão sob proteção policial 24 horas por dia. O site é atacado 750 mil vezes por dia, incluindo por grupos como o Anonymous. Quem diria que tanta gente reagiria com tanto ódio e repulsa à tentativa de preservar a vida de crianças inocentes?

Mas eu lembro-me de ver filmes das manifestações quando os primeiros alunos negros foram escoltados para a Universidade de Alabama, e de ver multidões de meninas brancas enfurecidas, com saias pelos joelhos, meias brancas e camisolinhas de lã a gritar – a gritar até que quase desmaiavam de fúria – só de pensar na possibilidade de permitir a entrada de um aluno negro na universidade. Lembro-me de pensar “ena, isto é mesmo muita revolta contra uma pessoa negra a entrar numa faculdade”. Mas lá estavam elas, num belo dia de verão, a vomitar ódio, transformando-se em modelos de vergonha para todo o país ver.

Sejamos honestos, portanto. Se o Supremo Tribunal cumprir o seu dever e revogar o Roe v. Wade – a decisão que legalizou o aborto em todo o país – o mais provável é que se desencadeie uma onda de violência que submergirá todo o país. É por isso que eu, pessoalmente, não tenho grandes esperanças de que o tribunal assim faça. Será visto como demasiado arriscado.

Todos sabemos quem promove a violência e quem não. É por isso que eu acredito que o tribunal vai encontrar uma forma de não revogar o Roe, isto é, pelas mesmas razões que muitas das cidades foram colocadas em alerta antes de se anunciarem os resultados das últimas eleições presidenciais. O medo era de que o país teria feito a escolha “errada” e que os progressistas se amotinariam nas ruas. Toda a gente sabe que se o Roe não for revogado os ativistas pró-vida ficarão desiludidos, mas não se tornarão violentos. Se uma decisão leva à violência e outra não, o que é que acham que o tribunal vai decidir?

Mas se o Supremo Tribunal revelar coragem em vez de cobardia, e Roe for revogado, é aí que começará verdadeiramente a batalha pró-vida. E não vai ser bonita. Esperem perseguição. Esperem intimidação. Esperem caos. Uma nação de tal forma comprometida com um mal fundamental simplesmente não estará disposta a abdicar dele de forma pacífica. Se acreditam que uma cultura que se dedicou durante tanto tempo ao “direito” de poder descartar bebés inconvenientes e deficientes agirá de forma diferente do que agiu quando estava a defender o seu “direito” a possuir escravos ou o “direito” à supremacia branca, então não aprendeu nada das lições da história.


As pessoas raramente abdicam do “direito” a dominar outras sem lutar com unhas e dentes. Quando aquilo que está em causa é admitir que toda a nossa visão do mundo é não só errada, mas baseada no apoio a uma instituição que é fundamentalmente injusta e que viola a dignidade humana, as pessoas não se rendem de forma tranquila.

Na década de 50 do Século XIX muita “gente civilizada” preferia não falar da escravatura em público. E assim hoje mesmo alguns padres e bispos católicos preferem não falar da nossa “peculiar instituição”: o aborto. Quero dizer, é tão desnecessariamente embaraçoso. Uma distração. Tão provável que provoque a fúria das elites sofisticadas. É melhor, por isso, evitar a situação e não olhar diretamente para o mal que são homens agrilhoados ou bebés em caixotes do lixo.

No seu excelente livro de memórias “The Shantung Compound”, baseado nas suas experiências num campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra Mundial, Langdon Gilkey recorda que sempre que surgia uma questão moral no campo se repetia um padrão. Quanto mais educadas e respeitáveis as pessoas, mais elegantes e avançados eram os seus argumentos em defesa dos seus próprios interesses. Gilkey escreve que “as questões éticas da vida comunitária humana são, por isso, a expressão exterior em acção de questões mais internas, podemos até dizer religiosas. Porque a religião toca na mais profunda lealdade do homem – aquilo que lhe dá o seu sentido de vida e forma os padrões da sua vida… Quando a nossa principal preocupação se prende a um interesse parcial ou limitado, naturalmente não conseguimos evitar manifestações de desumanidade para com aqueles que estão fora desse interesse”.

À medida que avançamos cada vez mais na era pós-cristã e que as preocupações das pessoas já não se prendem com o seu Criador, nem são orientadas pela sua sabedoria e lei, podemos esperar mais manifestações de desumanidade entre os homens. Quando os homens se cansam da ordem divina e ligam idolatricamente a sua identidade a uma ideologia, não demora muito até que gritem “caos, e soltamos os cães da guerra”.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 18 de Outubro de 2021)

© 2021 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.


Monday 18 October 2021

Ex-bispo inteligente e Testemunha renitente

Na semana passada o bispo anglicano Michael Nazir-Ali anunciou que tinha entrado em comunhão com a Igreja Católica, através do ordinariato pessoal para ex-anglicanos. Falei com o responsável pelo ordinariato para perceber porque é que isto é importante e o que Nazir-Ali pode contribuir para a Igreja. Podem ler a transcrição integral, em inglês, aqui.

Já aqui falámos do caso do rapaz de 16 anos que recusa transfusões de sangue, por ser Testemunha de Jeová. O que é especial neste caso é que o tribunal admitiu a possibilidade de ele se responsabilizar por essa decisão, caso possa demonstrar que tem maturidade. O assunto foi alvo de discussão no programa “Em Nome da Lei”, que podem ouvir aqui na íntegra. Eu fiz um comentário ao caso e ao programa aqui.

Começou o processo sinodal. Pode saber mais sobre este assunto lendo a entrevista conjunta da Ecclesia e da Renascença.

Se tem filhos, netos ou sobrinhos, então atenção a esta iniciativa. Hoje vamos tentar ter um milhão de crianças a rezar o terço pela paz. Saiba aqui porquê!

Não deixem de ler o artigo da semana passada do The Catholic Thing que pergunta se a poesia será uma ferramenta para combater o relativismo da era moderna.

"Michael Nazir-Ali has an incredible intellect"

This is a full transcript of my short conversation with Monsignor Keith Newton, head of the Personal Ordinariate of Our Lady of Walsingham, on the recent decision by former Anglican bishop Michael Nazir-Ali to join the Catholic Church, through the Ordinariate. The news item can be seen here.

Esta é a transcrição integral, no inglês original, da minha curta conversa com o monsenhor Keith Newton, do Ordinariato Pessoal de Nossa Senhora de Walsingham, sobre a decisão recente do ex-bispo anglicano Michael Nazir-Ali de se juntar à Igreja Católica, através do ordinariato. A notícia pode ser lida aqui.


Were you surprised by bishop Michael’s decision to become a Catholic?

No, not really. I thought he would at some point. I hoped he would. So I wasn't over surprised, but I hadn't expected it at that moment. There was nothing that particularly happened that would drive him to make the decision now. But he had obviously thought about it for a very long time. 

When the ordinariate was announced there were six bishops who came over. Have any others come over since then, besided Nazir-Ali?

There was one Anglican bishop who came over a few weeks ago, but he didn't join the Ordinariate. Otherwise, it was just Nazir-Ali.

How have things been going with the Ordinariate? Have any people gone back to the Anglican Church? Has the initial stream of people coming over diminished?

Nobody has gone back, as far as I know. Certainly no clergy have gone back to the Church of England. And I don't know of any lay people either. We obviously expected that after the initial rush it would be much slower, and it has been a slow steady stream. There are still people coming in each year. Not an enormous number, but still some, and still some clergy. We have four who are preparing for ordination now. 

Including Nazir-Ali?

No.

But I imagine he will be ordained also

Yes, very soon. 

I imagine he will be good ally for you now in helping to run the Ordinariate…

He is a very interesting man. He is extremely intelligent and will be able to articulate the whole notion of Anglican patrimony, which is very important to him. He has an incredible intellect, and he will be a great asset, I know he will.

With his connections to Pakistan, is there any chance we could see the erection of an ordinariate in that country?

You'd have to ask him. He does have good links with Pakistan, he has links all over the world, really. The interesting thing about him is that he comes from an Evangelical background, so he is quite different from many of the others who have become Catholic, certainly the bishops, who are more from an Anglo-Catholic background. 

Could that fact lead to the opening of a door to the Evangelical wing of the Church of England?

I don't want to make prophecies about this, but I think it will make some people think. 

Even if not in terms of them coming over, perhaps a bridge in terms of dialogue and understanding?

I am sure that is absolutely true. 

 

Saturday 16 October 2021

Transfusões de sangue e liberdades diluídas

A Renascença transmitiu este sábado uma edição interessantíssima do Em Nome da Lei, programa da minha colega Marina Pimentel, dedicado ao tema do jovem de 16 anos com leucemia que recusa transfusões de sangue, por ser testemunha de Jeová.

Este caso é atual, e saltou para a comunicação social por causa da decisão de um tribunal que aceita a possibilidade de o menor decidir, caso se faça prova da sua maturidade. Porém, o dilema ético/moral/legal das testemunhas de Jeová (TJ) e das transfusões de sangue é já antigo e tem sido muito discutido.

A mim, o caso interessa-me sobretudo da perspetiva da liberdade religiosa e é nesse sentido que faço alguns comentários.

A idade do rapaz – Uma das questões centrais neste caso é a idade do doente. Ninguém duvida que um adulto tem direito a recusar tratamento, ainda que seja tratamento para lhe salvar a vida e mesmo que seja por questões de fé. Mas como agir quando se trata de um menor de idade? Nesses casos normalmente a Justiça intervém para retirar temporariamente a guarda da criança aos pais, permitindo aos médicos intervir. Fica assim o assunto resolvido. Aqui, porém, o tribunal entendeu que o rapaz talvez possa decidir por si, tendo apenas 16 anos, caso demonstre ter maturidade para isso.

Os críticos apontam a discrepância de uma pessoa com 16 anos não ser considerado maduro para poder conduzir, votar, nem beber álcool, mas poder eventualmente decidir em questões de vida ou de morte. É um ponto válido. Mas também é válido referir que a mesma sociedade permite ao jovem de 16 anos ter relações sexuais consensuais, abortar e até “mudar de sexo”, sem o consentimento dos pais. Não se resolve a situação com esta troca de argumentos. A linha que se traça entre a maioridade e a menoridade é sempre subjectiva, e esteja ela onde estiver vai sempre gerar casos complexos.

Pessoalmente, tendo a concordar com a decisão do tribunal, embora não saiba precisamente como é que essa maturidade pode ser aferida.

A liberdade do rapaz – Esta é uma questão verdadeiramente interessante e muito difícil. A decisão de recusa de um tratamento médico tem de ser livre e esclarecida. Alguns participantes no programa – e importa realçar que apesar de convidados e de inicialmente terem aceitado, os TJ acabaram por não se fazer representar – puseram em causa um rapaz nesta situação poder decidir livremente.

Aqui não é tanto a maturidade, mas a pressão social que existe por parte da religião a que pertence. Foi muito interessante o testemunho da enfermeira Carmen Garcia, que viveu de perto o caso de uma rapariga de 21 anos, TJ, que acabou por morrer. Ela explica que enquanto “Sara” esteve internada esteve sempre acompanhada por um ancião dos TJ que nunca saiu do seu lado e que, aos olhos do pessoal no hospital, estava a exercer uma tremenda pressão sobre ela para não aceitar as transfusões. Mais, diz a enfermeira, o doente nessas condições está ainda sujeito à pressão de saber que caso aceite a transfusão será proscrito pela comunidade onde, dada a natureza dos TJ, tendem a estar todos os membros da sua família, amigos, etc.,

Este é certamente um ponto importante a ter em conta.

Outra questão é a de saber até que ponto é que a criança é livre, uma vez que está a decidir com base em preceitos de uma religião que não escolheu, como chegou a ser proposto no programa. Mas esse argumento, para mim, já não colhe. Para isso ninguém é verdadeiramente livre, pois todos somos sujeitos a influências de meios, relações e, sim, sistemas de fé, que não escolhemos.

A liberdade religiosa do rapaz – Esta é uma questão fundamental e foi aqui que achei a argumentação dos participantes do programa mais fracos. É normal, em certa medida, uma vez que não estamos perante especialistas e por isso até entendo que não tenham uma reflexão profunda feita sobre o assunto.

Dito isto, houve uma frase que me chocou, proferido pela Dulce Rocha, actual presidente do Instituto de Apoio à Criança, que a este propósito disse: “Quando se diz o direito à liberdade religiosa é o direito de associação, de professar a sua religião. Não vamos chegar a esse ponto... É o direito de se expressar, do nível religioso, não me parece que seja o direito de decidir sobre a vida e a morte.”

Da liberdade religiosa deles depende a minha

Mas não, a liberdade religiosa não é de todo apenas uma questão de direito de associação e de expressão da nossa fé. A liberdade religiosa existe porque a religião, como a consciência, tem uma importância tão grande para o homem que muitos estão dispostos a morrer antes de violar os preceitos religiosos em que acreditam.

A Dulce Rocha não é obrigada a partilhar dessa visão da religião na vida das pessoas, mas não tem o direito de diluir completamente o conceito de liberdade religiosa.

E porque é que isto é importante? Porque da liberdade religiosa deste rapaz TJ depende a minha e a de todos os outros. Por exemplo, segundo esta visão de Dulce Rocha, a integridade física está acima da liberdade religiosa? Podem, então, os judeus e os muçulmanos circuncidar os seus filhos? É que precisamente com este tipo de argumento já se tentou proibir a circuncisão por motivos religiosos em vários países europeus.

E precisamente porque a liberdade religiosa é um direito humano, e não exclusivo do sistema jurídico português, podemos perguntar como devemos aplicar a visão de Dulce Rocha a uma realidade como o Afeganistão? Se um rapaz de 16 anos no Afeganistão professa o Cristianismo e as autoridades dizem que ele tem de optar entre renunciar à sua fé ou ser executado, devemos concluir que o Estado deve intervir para o obrigar a converter-se para lhe salvar a vida?

Ou se uma rapariga menor de idade engravida e os médicos concluem que a gravidez põe em risco a sua vida, deve ser obrigada a abortar, mesmo contra a sua vontade livremente expressada, para se salvar a sua vida?

É sempre mais fácil decidir quando o que está em causa são os “maluquinhos” dos TJ, que até, pasme-se, rejeitam as transfusões. Mas convém ter bem presente que nós, católicos, somos aos olhos de muitos os “maluquinhos” que acreditam que o pão e o vinho se transformam verdadeiramente em Corpo e Sangue de Cristo durante a Missa e que insistimos que um feto de 10 semanas, de 20 dias ou de 3 horas é vida humana plenamente digna e merecedora de proteção jurídica.

A liberdade religiosa ou é também para os “maluquinhos” ou não existe para ninguém. Pode-se eventualmente argumentar com a necessidade de a confissão religiosa em causa ter representatividade, continuidade histórica, etc., para não termos de levar com toda e qualquer seita que aparece do dia para a noite, mas por esses critérios os TJ têm de ser aceites como uma religião estabelecida.

Quero, por fim, deixar claro que este desabafo sobre este último ponto levantado pela Dulce Rocha não é uma embirração pessoal. Ela faz outros pontos muito interessantes e válidos durante o programa que, repito, deve ser ouvido na íntegra e é muito útil para um debate esclarecido. 

Wednesday 13 October 2021

Padres sob investigação em Viseu e o regresso a Fátima

Está sob investigação um padre de Viseu que é acusado de ter enviado mensagens de teor sexual a um menor de idade. A comissão de proteção de menores assume o caso e diz que ainda há outro em investigação.

A CEP diz que vai criar uma comissão nacional, composta por membros das comissões diocesanas e D. António Marto referiu-se aos casos de abusos como “uma situação de luto”.

Recordo que mantenho aqui no blog uma cronologia detalhada de todos os casos que têm sido públicos em Portugal nos últimos anos. 

O Papa Francisco lamenta os erros que existiram no passado – e que persistem nalguns casos – quando a evangelização se confunde com a imposição de um modelo cultural.

O regresso dos peregrinos a Fátima sem limites de lotação no santuário foi vivido com grande entusiasmo pelos fiéis, que lotaram o recinto. Veja aqui as imagens. Esta quarta-feira o arcebispo de Salvador da Bahia, no Brasil, encerrou as celebrações apelando aos fiéis que participem no processo sinodal que o Papa abriu no fim-de-semana passado.

Será a poesia o antídoto para o relativismo que marca a modernidade? O autor do artigo desta semana do The Catholic Thing acredita que sim e faz uns argumentos convincentes que vale a pena ler.

A Poesia como Antídoto para o Relativismo Moderno

Matthew Anderson

Se queremos passar melhor a fé às próximas gerações, então a poesia tem de ter um maior protagonismo na educação católica. Não é segredo nenhum que grande parte da formação religiosa que se dá na Igreja Católica está em crise. As nossas escolas e paróquias são servidas muitas vezes por pessoas bem-intencionadas que querem educar rapazes e raparigas para amar e servir o Senhor, mas parece haver uma desconexão entre as suas intenções e os resultados.

As mais recentes tendências revelam esta dinâmica. Apenas 39% dos católicos vão semanalmente à missa (isto antes da pandemia). Cerca de três quartos dos católicos acreditam que a Igreja devia mudar a sua posição sobre a contracepção (não obstante isto ser uma impossibilidade teológica). E ficou famosa a sondagem da Pew Research Center, em 2019, que revelou que 70% dos católicos não acreditam na Presença Real na Eucaristia, apesar de esta ser, nas palavras do Concílio Vaticano II, a “fonte e cume da vida cristã”.

Porque é que esta desconexão afecta tantos católicos modernos? E como é que a poesia pode ajudar? Dito de forma simples, a poesia introduz os estudantes num mundo simbólico, o que é uma condição essencial para a crença nos sacramentos.

Muitas vezes tentamos ensinar a fé a jovens que têm uma mundivisão moderna e relativista, mas essa é uma perspetiva que ataca na raiz a natureza intrínseca de elementos-chave do catolicismo, tais como os sacramentos.

Em “Uma era secular”, Charles Taylor fala da diferença entre a mundivisão moderna e a mundivisão sacramental em termos da origem do significado das coisas. Na visão moderna “as coisas só têm sentido na medida em que despertam em nós certas respostas”. Na visão pré-moderna e secular “os sentidos não se encontram apenas nas mentes, mas também nas coisas, ou em vários sujeitos extra-humanos, mas intra-cósmicos”.

Actualmente um jovem que esteja a crescer com uma mundivisão moderna tende a acreditar que o sentido das coisas é uma projeção da mente. As coisas não têm sentido em si; o único sentido que podem ter é aquele que lhes damos. Esta mentalidade está na raiz de assuntos tais como a redefinição do casamento e o fenómeno transgénero. Vendo os sacramentos dessa perspetiva a Eucaristia é o Corpo de Cristo se assim quisermos, mas se não quisermos não é. Assim os sacramentos tornam-se apenas símbolos, compostos apenas pelo sentido que lhes quisermos dar. Essa mentalidade é o sopro da morte para a fé.

Se queremos que os nossos jovens passem a acreditar na fé transcendente, conformando-se a ideais mais altos, temos de os ensinar que o sentido pode encontrar-se na realidade exterior a si. É aqui que entra a poesia. Não creio que seja uma coincidência que quanto mais dominante se torna a mundivisão da auto-invenção, menos importância se dá à poesia na educação, porque a poesia comunica precisamente através de sentidos inerentes à realidade.


Tomemos, por exemplo, a primeira estrofe do poema “O tordo negro”:

Encostei-me ao portão de uma talhadia

Quando a Geada era cinzenta-espectro

E os resquícios do Inverno tornavam desolada

O olhar cansado da jornada.

Troncos entrelaçados rasgavam as alturas

Como cordas de liras despedaçadas

E os homens que assombravam as redondezas

Tinham regressado às lareiras das casas

Neste poema Hardy recorre a imagens de espectros e de assombros, resquícios e troncos entrelaçados para transmitir a imagem de uma paisagem desoladora, solitária e sem esperança. Usa também o som de palavras como “sky” e “nigh”, no original [alturas e redondezas na tradução] para dar à cena alguma severidade. O efeito final é misterioso e sombrio, preparando assim a entrada em cena de um pequeno tordo que, mais adiante no poema, irá cantar uma melodia feliz no meio desta paisagem, como se estivesse preenchido de “alguma Esperança bendita, de que ele tinha conhecimento, mas eu ignorava”.

Com esta utilização de imagens e de sons o poema depende da existência de um sentido intrínseco das coisas materiais em si mesmas, preparando assim o palco para a incongruência da esperança do tordo. Por outras palavras, depende de uma visão sacramental da realidade. Se usássemos a mundivisão subjetiva o poema simplesmente deixaria de fazer sentido. Se os resquícios do inverno são uma realidade gloriosa porque acontece eu gostar do inverno, e os troncos entrelaçados como cordas de liras despedaçadas são apenas uma opção paisagística avant-garde, então o aparecimento do tordo e da esperança no meio da desolação já não tem qualquer significado. É precisamente o significado das coisas que conduz o leitor à compreensão da beleza da esperança.

Quando confrontamos os jovens com a poesia é ela própria, através da sua natureza, que lhes ensina que as coisas têm sentido. A poesia funciona como um antídoto ao relativismo da modernidade. Conduz ao mundo encantado de que falava Taylor, um mundo em que as folhas e as árvores, o pôr-do-sol e as tempestades têm sentido. Mas, mais que tudo isso, prepara-os para aceitar uma Fé em que, como disse o Venerável Fulton Sheen, “a maior história de amor de todos os tempos está contida numa pequena hóstia branca”.


Matthew Anderson é o director da Chesterton Academy of St. George, um colégio clássico de tradição católica que vai abrir em Jackson, Michigan, no Outono de 2022. É licenciado em Teologia Sistemática pela Christendom College Graduate School of Theology e reside em Jackson, Michigan, com a sua mulher Elizabeth e os seus cinco filhos, de onde escreve sobre fé e cultura.

(Publicado pela primeira vez no Sábado, 9 de Outubro de 2021 em The Catholic Thing)

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Tuesday 12 October 2021

Povo regressa a Fátima e freira regressa no Mali

Centenas de milhares de pessoas vão a Fátima esta terça-feira. Com o fim de algumas restrições já se nota o aumento de peregrinos e até já há hotéis cheios.

Os bispos de Angola alertam para a perda de confiança na Justiça, por causa da interferência política.

Foi libertada no Mali uma religiosa colombiana que estava há mais de quatro anos nas mãos de um grupo jihadista. É uma excelente notícia, saudada pelo Papa Francisco.

Em Roma começou já o processo sinodal. Francisco quer que seja ais do que uma mera “convenção eclesial”.

Lembram-se do meu apelo para que não se esqueçam dos cristãos de Belém, na Terra Santa? Falei com Nicolas Ghobar, responsável pela iniciativa de venda de peças de artesanato para ajudar a comunidade. Ele fala em desespero.

E não deixem de ler a entrevista desta semana da Renascença e da Ecclesia a Vítor Cotovio, diretor da Casa de Saúde do Telhal, sobre a perigo do desinvestimento na área da psiquiatria.

Thursday 7 October 2021

Encontro de Médicos Católicos em Sintra, polémica em França

É já no sábado que se realiza o encontro da Associação de Médicos Católicos, no campus da nova faculdade de Medicina da Católica, em Sintra. Os temas em destaque são a pandemia e a eutanásia. Eu estarei lá para moderar uma conferência, mas há muito mais razões de interesse para não faltar! Médicos, estudantes de medicina ou apenas interessados, não percam! O programa e detalhes estão aqui.

Como prometido, trago-vos hoje o texto em que questiono o rigor do relatório sobre abusos sexuais de menores na Igreja francesa. Não se trata de uma defesa cega da instituição. Este é um problema muito grave que merece – mesmo por respeito às vítimas – ser tratado com rigor, o que não me parece ter sido agora o caso.

Entretanto os efeitos do relatório já se fizeram sentir, com Macron a chamar o presidente da Conferência Episcopal Francesa para falar sobre o segredo da confissão.

Boas notícias do Curdistão iraquiano, onde o Governo regional cedeu um distrito para ser gerido pela maioria cristã que lá vive. Saiba mais aqui.

Não deixem de ler o artigo desta semana do The Catholic Thing, sobre as possíveis sementes do Evangelho que foram plantados no Afeganistão.

Abusos em França. Números que não batem certo

Foi divulgado esta semana um relatório sobre abusos sexuais praticados em ambiente eclesial, em França.

O relatório fez manchetes em todo o mundo. Dias depois de ter sido revelado que entre 1950 e 2020 houve cerca de 3.000 padres ou religiosos que abusaram sexualmente de menores em França, na terça-feira soube-se que terá havido até 216 mil vítimas, ou mais, uma vez que o número sobe para os 330 mil se forem contabilizados os leigos que abusaram de menores em contextos de igreja.

São números verdadeiramente chocantes. Aliás, ainda que fosse só uma vítima e um abusador, não deixaria de ser verdadeiramente chocante. Contudo, penso que os dados apresentados merecem ser questionados.

Estimativas, não factos

Em primeiro lugar é preciso que fique muito claro que não estamos a falar de números concretos, mas sim de estimativas. E mais, que as estimativas se baseiam em três fontes: os casos revelados por vítimas que fizeram queixa; os casos sobre os quais foram encontradas referências em documentação da Igreja e, por fim, um inquérito levado a cabo junto da população maior de idade em França.

E qual é a distribuição? 2.700 vítimas tomaram a iniciativa de denunciar os seus casos e 4.800 vítimas referidas nos registos diocesanos. Isto significa que os restantes 209.500 casos da estimativa foram calculados com base no tal inquérito feito à população.

Convém recordar que estamos a falar de casos de abuso sexual de menores, e não de uma sondagem eleitoral, ou um inquérito de satisfação com um serviço. Eu compreendo que apesar dos apelos, nem todas as vítimas têm a coragem de falar dos seus casos, e compreendo ainda que nem todos os casos que tenham de facto existido estejam registados nos arquivos diocesanos. Mas uma diferença deste tamanho?

Quais foram as perguntas feitas no inquérito? Houve alguma triagem das respostas para se poder averiguar da plausibilidade das respostas? Confesso que não li as 2.500 páginas do relatório à procura da resposta, até porque o meu francês não é suficientemente bom para poder compreender bem os conteúdos técnicos, se é que lá estão descritos.

A surpresa com os números só aumenta se tivermos em conta o número de padres abusadores, segundo o relatório. Mesmo que se aponte para o máximo estimado de 3.200 ao longo dos 70 anos, isso representa cerca de 3% do universo total de 115 mil. Até aqui tudo bem – salvo seja – pois bate certo com as estatísticas encontradas noutros países e está mesmo abaixo de alguns.

A questão é que, juntando os dois números, somos forçados a concluir que cada padre ou religioso abusador teve, em média, mais de 67 vítimas. É um número absolutamente incrível, no sentido literal da palavra, de que não dá para acreditar.

Tenhamos em conta que segundo o relatório John Jay, sobre os abusos clericais nos Estados Unidos, que foi levado a cabo por uma instituição altamente credível, naquele país a maioria dos padres tinha abusado apenas de uma pessoa. Houve casos de abusos em série, mas são em número reduzido.

Onde está a discrepância? Claro que pode estar do lado dos padres. Se a estimativa do número de padres abusadores estiver (muito) aquém, então o número de vítimas já faz mais sentido. Mas se o número de padres está mais ou menos correcto, então estamos perante uma clara inflação do número de vítimas.

Credibilidade

A prática comum nos países onde a Igreja está mais avançada em lidar com este problema é de analisar cada acusação e tentar perceber se é, ou não, credível. Não é por haver acusações falsas que devemos desvalorizar todas as denúncias, mas por uma questão de justiça para com os acusados e as verdadeiras vítimas, devemos avaliar bem e distinguir entre o que é verdade, invenção ou confusão. Incrivelmente, o relatório chega a sugerir que a Igreja pague indemnizações sem que haja processo judicial. Mas isso faz algum sentido como regra?

Há mais. Michael Cook, no Mercatornet, realça uma série de confusões com datas – parece que ao contrário do que dizem, há dados que remontam à década de 40 – e aos dados sobre outras instituições, como as escolas, em que só foram tidas em conta escolas públicas sem internato.

Isto interessa? Claro que sim. Uma coisa é haver uma instituição em que existem alguns elementos que se comportam mal e outros que, motivados pela compreensível – mas inaceitável – vontade de proteger a reputação, abafam os casos; outra é haver uma organização que está irremediavelmente corrupta. Estes números, e a forma como foram reproduzidos na imprensa e nas redes sociais de todo o mundo, reforçam a ideia de uma instituição que mais não passa de uma rede de abusadores. O resultado é que já hoje vimos Macron a exigir explicações ao episcopado francês sobre o segredo da confissão e o porta-voz do Governo a insistir que “nada é mais forte que as leis da República”, em resposta ao comentário do presidente da Conferência Episcopal, que terá dito que no segredo da confissão não se pode mexer.

A questão dos abusos sexuais na Igreja é muito, muito grave. Os primeiros interessados em limpar a casa devemos ser nós, católicos. Os relatórios e estudos aprofundados sobre as causas e os erros cometidos pela hierarquia são bem-vindos, sempre, mesmo que doam muito, mas tenho sérias dúvidas de que este relatório sirva para muito mais do que para bater na instituição e perpetuar números que parecem ter muito pouco de científicos.

Esperemos que o tempo e olhares mais rigorosos e independentes aos números ajudem a revelar a verdade, pois essa sim nos liberta e é até mais forte que as leis da República de Macron.

Wednesday 6 October 2021

Práticas demoníacas e uma vida "autenticamente cristã"

Notícias trágicas de França, onde um relatório publicado ontem revela que poderá ter havido até 330 mil menores de idade abusados sexualmente em ambiente clerical. O Papa expressou hoje a sua vergonha e agradeceu a todos os que denunciaram os crimes.

Estes dados são, de facto chocantes, mas merecem uma análise mais profunda que espero conseguir fazer nos próximos dias.

Esta quarta-feira morreu o padre Vítor Feytor Pinto. Uma grande referência na vida religiosa, e também civil, de Portugal. Saiba aqui os detalhes das cerimónias fúnebres.

De Roma chega a notícia de três elementos da Guarda Suíça que preferiram demitir-se a ter de tomar a vacina contra a Covid-19.

Hoje temos um novo artigo do The Catholic Thing. Ines Marzaku olha para as sementes – discretas, mas reais – que a Igreja tem deixado ao longo dos últimos 100 anos no Afeganistão e pergunta se um dia não seremos surpreendidos pelos seus frutos.

Sementes Plantadas no Afeganistão

Ines A. Marzaku

Numa altura em que mesmo os líderes militares da desastrosa retirada do Afeganistão admitem o seu fracasso, e de tantas outras coisas terem corrido mal naquele país em perpétuo estado de sítio, é bom recordar que, à sua maneira discreta, a Igreja tem estado a trabalhar e manteve naquele país uma presença significativa. Várias agências católicas têm estado a ajudar os afegãos ao longo dos últimos anos, mas há uma em particular que merece a nossa atenção.

Foi desta forma que o padre barnabita Giovenni Scalese, superior da missio sui iuris no Afeganistão, anunciou o seu regresso a Itália depois da retirada das forças internacionais.

Cheguei esta tarde ao aeroporto de Fiumicino com cinco freiras e catorze crianças deficientes, de quem elas cuidavam em Cabul. Agradecemos ao Senhor o sucesso da operação. Agradeço a todos vocês que ao longo destes dias lhe dirigiram orações incessantes por nós e que, claramente, foram atendidas. Continuem a rezar pelo Afeganistão e pelo seu povo!

O padre Scalese estava acompanhado de quatro Missionárias das Caridade, a ordem de Madre Teresa, que estavam no Afeganistão desde 2006, e de uma freira paquistanês, Bhatti Shahnaz, da Congregação de Saint Jeanne-Antide Thouret. A irmã Shahnaz geria um acolhimento para crianças com deficiências mentais que foi fundado pela associação Pro Bambini de Cabul. Infelizmente essas crianças não puderam escapar. O regresso do padre Scalese a Itália marcou o fim da missão de 88 anos dos barnabitas no Afeganistão.

Que resultados teve esta missão? Alguma coisa foi “concretizada”?

Os únicos missionários católicos no país foram forçados a fugir e as perspetivas de que possam regressar são poucas. Mas a Igreja tem enfrentado sempre desafios aparentemente impossíveis desde que apareceu em pleno Império Romano, porém Deus lá vai conseguindo os seus caminhos.

Vale a pena, por isso, olhar para história e ter esperança no futuro. Em 1921 a Itália tornou-se o primeiro país ocidental a reconhecer e a estabelecer relações diplomáticas com o Afeganistão. Os dois estados concordaram abrir embaixadas nos seus respetivos países e os afegãos aceitaram que a embaixada italiana tivesse um capelão católico. O Rei do Afeganistão naquela altura, Amanullah, via com bons olhos a necessidade de dar assistência espiritual aos estrangeiros a residir no país.

Um ano mais tarde fez o pedido ao Governo italiano. Talvez tenha sido a primeira vez que um Rei de um país muçulmano tenha solicitado um capelão católico para atender aos estrangeiros cristãos residentes. Havia apenas duas condições, não poderia haver qualquer proselitismo da população muçulmana e a capela deveria ser construída dentro da embaixada italiana, uma vez que legalmente não se podia construir uma igreja em solo islâmico.

O Governo italiano pediu ajuda ao Papa Pio XI, que afirmou: “Precisamos de um barnabita”. Optou assim pelos Clérigos Regulares de São Paulo, conhecidos como barnabitas, e que incluem padres, religiosas e leigos, sobretudo casais.

A ordem, fundada em 1530 inspira-se em São Paulo. O padre Egidio Caspani foi selecionado para dar início à missão. Outro barnabita, o padre Ernesto Cagnacci, viria a juntar-se-lhe como funcionário da embaixada italiana. A primeira missa católica foi celebrada lá no dia 1 de janeiro de 1933, marcando o início oficial da missão.

O padre Giovanni Scalese, em Cabul


Em 2002 o Papa João Paulo II elevou a missão cristã de Cabul para o estatuto de Missio sui iuris – uma missão independente que fica sob a jurisdição direta da Igreja. Consequentemente a missão e a Igreja passaram a ser presenças oficiais cristãs naquele país muçulmano. A Igreja, como é evidente, não tinha uma comunidade local, nem clero afegão, mas com o passar do tempo a missão e os padres tornaram-se parte da reconstrução do Afeganistão. O padre barnabita Giuseppe Moretti ajudou a fundar, em 2005, a Escola de Paz Tangi-Kalay, que recebe financiamento público e donativos privados.

A missão barnabita no Afeganistão operava com base no modelo da Missão de Paulo em Malta, narrada em Actos, 28, 1-10. Era uma missão de presença, partilha e gratidão. A presença e o serviço de Paulo para com os ilhéus eram cristológicos: Cristo veio para servir e não para ser servido e Paulo estava a imitar o mestre. O testemunho barnabita no Afeganistão era um testemunho de Deus: eram padres católicos que se tinham tornado párocos por excelência de todo Cabul, e antes da recente retirada gozavam já de uma presença de quase um século entre o povo afegão.

Não é o primeiro caso de testemunhos santos de cristãos entre muçulmanos e os resultados poderão um dia surpreender-nos. O beato Charles de Foucauld, por exemplo com a sua mística imitação de Cristo entre os muçulmanos do Norte de África, assemelha-se aos barnabitas no Afeganistão. A vida e a morte de Foucauld foram um testemunho religioso profético. Da mesma forma, os barnabitas e outros missionários cristãos viveram vidas no Afeganistão que foram uma combinação de profecia, presença e diálogo. Estes missionários optaram por viver a vida escondida de Jesus entre os muçulmanos afegãos.

De uma perspetiva meramente humana estes esforços podem parecer coisa pouca. Mas em vez de julgar com o olhar do mundo, seria bom prestar atenção às palavras de São John Henry Newman, que dizia que os verdadeiros profetas e místicos cristãos são aqueles que “vivem de uma forma desprezada pelos restantes, escolhida por Jesus de Nazaré, para formar uma resistência ao poder e a sabedoria do mundo… Aceitam de bom grado tudo o que lhes sucede e tiram o melhor proveito de tudo.”

Os barnabitas não foram para o Afeganistão para converter e evangelizar os muçulmanos locais, pregando abertamente o Evangelho. As condições não o permitiam. Mas de acordo com fontes fiáveis, existe agora um pequeno grupo de afegãos que se converteu do Islão e pratica o Cristianismo em segredo. Tal como noutros países muçulmanos, esses convertidos podem estar escondidos agora, mas talvez o futuro nos surpreenda.

Podemos falar da missão barnabita aos afegãos como uma “missão cumprida?” Não, ou pelo menos não no sentido normal dessas palavras. Mas há esperança para o futuro da missão no Afeganistão? O Afeganistão está atualmente em caos. O testemunho que os barnabitas deixaram no Afeganistão são sementes que poderão levar a um florescimento surpreendente, quando Deus assim quiser, entre as futuras gerações de afegãos.


Ines A. Murzaku é professora de Religião na Universidade de Seton Hall. Tem artigos publicados em vários artigos e livros. O mais recente é Monasticism in Eastern Europe and the Former Soviet Republics. Colaborou com vários órgãos de informação, incluindo a Radio Tirana (Albânia) durante a Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a EWTN em Roma durante as revoltas na Europa de Leste dos anos 90, a Voice of America e a Relevant Radio, nos EUA.

(Publicado pela primeira vez no Sábado, 2 de Outubro de 2021 em The Catholic Thing)

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