Thursday 30 September 2021

Fim das restrições nas igrejas e genocídio lento na Nigéria

D. Alexandre José Maria dos Santos
Terminam amanhã as restrições à lotação das igrejas. Fica ao critério de cada comunidade, agora, avaliar “de forma ponderada os distanciamentos e os limites impostos à lotação das nossas igrejas”. A comunhão continua a ser na mão.

A Igreja na Nigéria considera que os cristãos estão a ser vítimas de um “lento genocídio” às mãos da etnia fulani, de maioria muçulmana. São acusações graves sobre uma realidade aflitiva que poderá já ter feito até 36 mil mortos nos últimos anos.

A perseguição religiosa no mundo decresceu em 2019, pelo quinto ano consecutivo. Já as restrições governamentais continuam mais altas que nunca.

Morreu o cardeal D. Alexandre Maria dos Santos, que foi um dos pais do processo de paz em Moçambique, nos anos 90.

O artigo desta semana do The Catholic Thing é escrito pelo ex-protestante Casey Chalk, que fala da visão que os protestantes têm do culto mariano na Igreja Católica. É muito interessante, e útil até para o diálogo ecuménico, no sentido de melhor nos compreendermos.

Wednesday 29 September 2021

Maria e os Protestantes

Casey Chalk
Quando eu andava num seminário protestante pensava que tinha boas razões para não venerar nem rezar por intercessão de Maria. A mãe de Jesus, por mais santa que fosse, só o era por causa de Cristo e, por isso, qualquer honra que lhe fosse dirigida distraía necessariamente da honra única e sem paralelo que era devida ao Senhor. Essa era certamente a opinião dos reformadores. João Calvino escreveu no seu Institutas da Religião Cristã que “quem se refugia na intercessão dos santos rouba a Cristo a honra da mediação”. Foi só depois de ler a Introdução à Mariologia, de Manfred Hauke, que compreendi que o que está em causa no que diz respeito a Nossa Senhora é bastante mais do que evitar “idolatria”.

Os primeiros reformadores revoltaram-se contra a Igreja Católica em primeiro lugar por causa da salvação. Enquanto a Igreja ensinava que a cooperação do homem era necessária para a sua salvação, Lutero, Calvino e Zwingli, entre outros, rejeitaram isto como incompatível com as doutrinas da graça e da soberania de Deus. A salvação deve ser inteiramente obra de Cristo, diziam, avançando as doutrinas protestante da Sola Fide (apenas a fé) e Sola Gratia (apenas a graça). Como escreveu Lutero em Do Cativeiro Babilónico da Igreja, “diante de Deus todas as obras se medem apenas pela fé”.

Não obstante, a primeira geração de reformadores mantinha uma visão de Maria que chocaria a maioria dos protestantes contemporâneos. Martinho Lutero continuou a acreditar na virgindade perpétua de Maria e na sua imaculada concepção. Calvino estava disposto a aceitar a sua virgindade perpétua como sendo pelo menos possível e criticou outros protestantes por rejeitarem simplesmente a doutrina católica. Pode-se especular sobre se a retenção de certas concepções de Maria por parte destes reformadores era motivada mais por resquícios da sua própria educação ou pela sua leitura das Escrituras.

Com o passar dos anos a estrelinha de Nossa Senhora foi-se apagando por entre os protestantes, até ao ponto em que qualquer referência positiva motiva acusações de “romanismo”. Foi certamente essa a corrente de protestantismo em que eu fui educado, primeiro enquanto evangélico e depois como seminarista calvinista. A veneração de Maria, ou de qualquer outro santo, ensombrava a adoração e a honra devidas exclusivamente a Cristo (embora, ironicamente, a reverência pelos próprios reformadores, como Lutero e Calvino, pudesse ser bastante efusiva).

O teólogo reformado “neo-ortodoxo” Karl Barth, porém, oferece-nos um bom exemplo das suspeitas protestantes em relação à veneração mariana. Em Dogmática Ecclesial escreve:

O dogma mariano não é mais nem menos que o dogma normativo central e crítico da Igreja Católica Romana. O dogma a partir do qual todas as suas outras posições importantes podem ser avaliadas, e em relação à qual se sustentam ou caem. A “mãe de deus” do dogma mariano católico romano é, simplesmente, o princípio, tipo e essência da criatura humana a colaborar, como uma serva (ministerialiter), com a sua própria redenção, com base na graça preveniente, e nessa medida é o princípio, tipo e essência da Igreja.


Trata-se de uma afirmação assinalável pelo Barth. É verdade que os teólogos e o clero católicos discordariam da sua descrição do Catolicismo, preferindo colocar a Encarnação e a Ressurreição no centro da dogmática católica. Mas a observação de Barth sobre a relação entre Maria e a soteriologia contém algumas perspetivas valiosas, ainda que incompletas.

O plano providencial de Deus requeria o “fiat” de Maria. O seu “sim” na Anunciação é necessário, e é dado: “Eis aqui a serva do Senhor; seja feito segundo a sua palavra” (Lucas 1,38). Hauke explica que “Maria, a virgem Mãe do Salvador, estava intimamente ligada às obras da salvação. Deus quis que a Encarnação dependesse do ‘sim’ desta mulher, que assim se torna profundamente parte do mistério da Aliança”. Sem o consentimento de Maria, não há messias.

Em Maria vemos ainda um modelo de perfeição para seguirmos. Também nós somos escolhidos por Deus, seja através do baptismo na infância, seja através do posterior reconhecimento de que Cristo nos chama a si e à sua Igreja. Mas a nossa colaboração é necessária. Podemos rejeitar as promessas baptismais feitas em nosso nome pelos nossos pais. Podemos rejeitar as suas abordagens noutras fases da nossa vida, seja por ignorância deliberada, seja por desobediência explícita. Mesmo para os fiéis, esta é uma batalha que tem de ser travada todos os dias, à medida que se apresentam novas tentações e provas.

Cristo nosso Senhor declarou que a desobediência aos seus mandamentos e a rejeição do nosso chamamento enquanto cristãos pode resultar na nossa condenação eterna (Mateus 25, 1-46). São Paulo diz, em larga medida, o mesmo. “Como colaboradores de Deus, insistimos convosco para não receberem em vão a graça de Deus” (2 Coríntios 6, 1). Claro que esta participação na nossa própria salvação não é alcançada apenas através da força de vontade, como ensinavam os hereges pelagianos, mas pela graça de Deus que opera no início, meio e fim de todas as nossas acções.

Não obstante, Barth tem razão quando descreve o ensinamento católico que eleva Maria para a posição de “tipo e essência da natureza humana” a colaborar com a sua própria redenção. Os católicos procuram imitar Maria na submissão total à sua vontade divina. Hauke explica: “Maria é como o ponto fulcral em que as verdades centrais da fé católica se tornam visíveis”.

Isto clarifica a gradual rejeição protestante dos dogmas marianos. Na medida em que a mariologia ilumina a colaboração humana na nossa salvação, viola os princípios protestantes da Sola Fide e da Sola Gratia. A mariologia torna-se assim, nas palavras de Barth, “um tumor, isto é, uma construção enferma do pensamento teológico. Os tumores devem ser extirpados”. Para o protestantismo a devoção mariana não é apenas uma distração idolátrica da adoração devida a Deus, mas algo que vicia a economia da salvação.

O testemunho de Maria, como ensina a Igreja, recorda-nos que as nossas vontades não estão de tal forma entorpecidas pela morte que precisamos da graça irresistível (outra doutrina reformada), mas que se mantêm suficientemente intactas para podermos responder com fé e amor às abordagens da graça divina. Para os protestantes os dogmas marianos são mais do que uma simples distração, são um ataque ao cerne do protestantismo e, por isso, um obstáculo sério à conversão.

Mas, como eu descobri depois da minha própria conversão, Maria – a quem muitos católicos rezam por mim – é uma verdadeira ajuda na remoção de obstáculos.


Casey Chalk escreve para a Crisis MagazineThe American Conservative e a New Oxford ReviewÉ licenciado em história e ensino pela Universidade de Virgínia em tem um mestrado em Teologia da Cristendom College.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 16 de setembro, de 2021)

© 2021 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Monday 27 September 2021

Finalmente aconteceu em Portugal: Jovem recusa transfusão de sangue

O pastor evangélico assassinado na Nigéria
O Papa Francisco publicou esta segunda-feira a sua mensagem para a JMJ deste ano. Vale a pena conhecer melhor.

Algum dia havia de acontecer! Um jovem de 16 anos no IPO recusa transfusões de sangue por ser Testemunha de Jeová. Pode fazê-lo? Os tribunais dizem que “nim”.

O cardeal arcebispo de Colónia pediu ao Papa uma “licença” de seis meses, depois de ter sido acusado de ter lidado de forma errada com casos de abusos na sua diocese.

E da Nigéria mais um triste caso de um líder cristão assassinado pela sua fé.

Não deixem de ler o artigo da semana passada do The Catholic Thing, sobre algumas das verdades mais básicas – e frequentemente esquecidas – da educação das nossas crianças e jovens.

Thursday 23 September 2021

700 anos da Divina Comédia no dia de estreia de Rafael Pedro XXI

Novo Patriarca dos Católicos Arménios
O cardeal D. Tolentino abre esta quinta-feira uma série de dias de estudo sobre a Divina Comédia, de Dante. É uma obra que deve ser conhecida e este é um bom ponto de começo. Saibam mais aqui.

O chefe da Igreja Greco-Católica da Eslováquia, Ján Babjak, tem Covid-19. Normalmente admito que isto não seria a coisa mais preocupante para nós, até porque é vacinado e está com sintomas levas, mas acontece que ele concelebrou com o Papa a semana passada, por isso ganha mais alguma importância, embora não pareça haver grande risco para Francisco.

Por falar em Igrejas orientais, os arménios católicos têm finalmente um novo Patriarca! Finalmente? Isso mesmo. Está tudo explicado aqui.

E na notícia mais bizarra dos últimos dias, uma freira católica na Índia recebeu autorização do Supremo Tribunal estadual para caçar javalis que estão a destruir as colheitas do seu convento. Como? Não sabemos bem, ainda, uma vez que ela não tem licença de porte de arma… ainda.

O artigo do The Catholic Thing desta semana é especialmente adequado pra pais e pessoas ligadas à educação e às escolas. David Carlin explica porque é que a ideia de que a escola é a principal responsável pela educação dos jovens é uma falácia.

E se ainda não ajudou os cristãos da Terra Santa, mas quer fazê-lo, saiba mais aqui.

Wednesday 22 September 2021

A Falácia das Escolas

Um dos aspetos mais marcantes dos atuais debates na nossa sociedade – tenham eles a ver com religião, política ou qualquer outro assunto – é a abundância de falácias lógicas. Fazia bem a todos um curso de introdução à lógica, com particular atenção a ser dada aos capítulos sobre falácias formais e informais.

Uma das maiores das falácias informais, parece-me, é aquilo a que chamo a “falácia da escola”. Este surge cada vez que alguém assume que “educação” e “escolaridade” são exatamente ou aproximadamente sinónimos.

Imaginem um círculo (ou façam como eu quando ainda dava aulas e desenham-no num quadro). Esse círculo representa toda a educação de um jovem. Depois imaginem uma fatia desse círculo, correspondente a 25% do total. Essa fatia, ou uma fatia um pouco maior ou menor, representa a porção da educação desse jovem que é fornecida pela escola.

A educação de um jovem rapaz ou rapariga é muito maior do que a escolaridade. A educação geral de uma criança inclui muito mais do que a instrução que lhe é dada pelos seus professores. Inclui a educação (que pode ser deseducação) fornecida por pais e outros parentes, amigos e colegas, treinadores desportivos, padres, rabinos e imames, televisão e filmes, música popular, jogos de computador, livros, celebridades, pornografia, e por aí fora.

Deve-se ainda referir que o impacto da educação dentro das escolas não vem apenas dos professores, mas também dos pares. Alguns desses pares reforçam aquilo que os professores tentam ensinar. Outros minam esses esforços dos professores. Em muitas escolas, sobretudo aqueles que se situam em grandes centros urbanos, os segundos são em muito maior número que os primeiros.

De todos os educadores não-escolares, os mais influentes são, pelo menos na primeira dezena de anos de vida, os pais. Na adolescência esse lugar tende a ser ocupado pelos pares. Ao todo, nos anos entre o nascimento e o fim do liceu, os professores não serão mais do que a terceira maior influência educativa, se tanto.

É preciso distinguir aqui entre dois tipos diferentes de educação: 1) cognitiva ou informativa e 2) moral ou afetiva. Quando os professores são bons, são bons a fornecer o primeiro tipo. Pais e colegas, independentemente de serem bons ou maus, são muito eficientes a fornecer o segundo.

E dos dois o segundo é muito mais importante, em muitos respeitos, para o indivíduo. Pode chegar a adulto sem saber, por exemplo, o Presidente que antecedeu Lincoln, ou sem compreender o teorema de Pitágoras, ou o nome da mãe do Hamlet, ou que rio atravessa Budapeste. Isto é uma infelicidade. Pode levar a que algumas pessoas mais bem-informadas lhe olhem de cima. Pode até afetar a sua carreira profissional.

A caminho da escola, com a principal educadora

Mas se crescer sem aprender e internalizar certas regras de boa conduta – por exemplo abster-se de roubo, drogas, abuso de álcool, fumar, violação, violência doméstica, má educação, adultério, ser um “espertalhão” a lidar com os polícias, e por aí fora – então poderá acabar divorciado, desempregado ou o centro de atenções numa funerária. Isto sem se quer falar do destino da sua alma.

A instrução informativa é importante, mas as lições que aprendemos sobre o bem e o mal, o comportamento prudente e imprudente, são muito mais. E estas lições em moralidade (ou imoralidade) apenas podem ser dadas por pessoas com quem temos relações íntimas e emocionais, como pais e outros parentes e amigos próximos.

As crianças raramente, ou nunca, têm esta relação íntima com os seus professores. Por isso é vão esperar – como muita da propaganda educacional afirma – que os professores possam fornecer às crianças uma educação moral. Se um miúdo não tiver uma boa educação moral em casa nos primeiros anos de vida e de pares bem-comportados nos anos da adolescência, então provavelmente nunca a obterá. A não ser que (caso raro) venha a sofrer uma profunda conversão religiosa mais tarde na sua vida.

Devemos notar que entre as boas atitudes que devem ser inculcadas nos rapazes e nas raparigas incluem-se uma boa atitude para com a escola. Para poderem tirar o melhor da educação cognitiva que se oferece na escola os rapazes e as raparigas têm de abordar com uma boa atitude. Os professores acabam por ter uma influência bastante pequena para a educação geral e a dimensão dessa contribuição depende tanto, se não mais, na recetividade do aluno como na capacidade dos professores.

Quando temos discussões públicas sobre a qualidade da educação (ou falta dela) elas tendem a focar sobretudo as escolas. As pessoas envolvidas tendem a falar na necessidade de melhores salários pra professores, ou menos alunos por sala de aula, mais computadores, ou preservativos gratuitos para rapazes no secundário, ou uma maior centralização de padrões escolares – e sobretudo da necessidade de mais financiamento para as escolas.

Mas o que nunca ouvimos é um funcionário público a dizer: “Para obterem uma melhor educação os alunos devem ter melhores pais, melhores amigos, melhores programas de televisão e melhor música popular”.

A Igreja Católica tem uma série de ensinamentos antiquados que, se implementados, fariam toda a diferença no mundo da educação. Estou a pensar em três em particular:

(1) As primeiras e mais importantes instituições de educação para as crianças são o lar e a família.

(2) Os pais são as autoridades definitivas no que diz respeito à educação de uma criança.

(3) A criança tem o direito a crescer com pais casados.

Infelizmente nós não abraçamos – aliás, mal reconhecemos – estas três verdades educacionais básicas. É uma vergonha que nós católicos, e sobretudo para os nossos líderes, não tenhamos passado os últimos 50 anos a gritar estas verdades básicas aos quatro ventos.


David Carlin foi professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America

(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 17 de Setembro de 2021 em The Catholic Thing)

© 2021 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Monday 20 September 2021

As freiras do juiz e votos contra o populismo

O juiz do Supremo Tribunal americano, Justice Thomas, deu uma palestra recentemente em que explicou como enfrentou o racismo na sua juventude. A chave? “As minhas freiras e os meus avós”, disse. Leiam, que vale bem a pena.

O capelão do Santuário de Fátima quer ver os peregrinos com postura de "serviço e acolhimento” aos desfavorecidos.

Aproximam-se eleições autárquicas. Um teólogo fala na importância da participação para “bloquear populismos”.

O Papa recordou de forma especial, no domingo, todos aqueles que estão injustamente retidos no estrangeiro, pedindo o seu rápido regresso a casa.

Não deixem de ler o artigo do The Catholic Thing da semana passada em que Brad Miner recorda como foi estar em Nova Iorque no dia 11 de Setembro de 2001.

E volto a chamar a vossa atenção para este post, onde explico como podem ajudar materialmente os cristãos da Terra Santa, numa situação de desespero por causa da falta de turistas.



Wednesday 15 September 2021

De um Céu Limpo e Azul

Sou nova-iorquino por escolha, vivo na região desde 1977. É aqui que espero vir a morrer. E ainda tenho memórias bem vivas do 11 de Setembro de 2001.

Era uma manhã linda. Tinha deixado a minha mulher, Sydny, na estação de Pelham por volta das 8h00 e voltado a casa para levar os meus filhos, de 14 e de 12 anos, para a escola. Depois subi para o meu escritório em casa para trabalhar no meu livro sobre cavalheirismo.

Pouco antes das 9h a Syd ligou do seu escritório na Rockefeller Center e mandou-me ligar a televisão.

Na NBC vi fumo a sair da Torre Norte do World Trade Center (WTC).

Revendo essas imagens hoje, como fiz para escrever esta coluna, em nada diminui o choque. É a mesma coisa quando revemos filmes cujos finais já conhecemos e não deixamos de ficar nervosos. Às 9h ainda ninguém sabia que o primeiro avião não tinha atingido a torre por acidente.

Nestas imagens os pivots da TODAY, no dia 11 de Setembro, não sabem que o fumo e as chamas dessa explosão são do Voo 11 da American Airlines, com origem em Boston. Matt Lauer especula, corretamente, que se os primeiros rumores são verdadeiros, e de facto foi um avião, então não pode ter sido um aparelho pequeno a fazer um buraco tão grande no edifício, casando tantas chamas e fumo.

Ainda assim, a Katie Couric diz que estão a receber informações de que se tratava de uma pequena aeronave de passageiros. Neste momento o oráculo do TODAY diz que são 9h02.

Como disse o bombeiro:

Não reserve um quarto acima do quinto andar

Em qualquer hotel em Nova Iorque.

Eles têm escadotes que chegam mais alto

Mas ninguém os subirá.

Como disse o New York Times:

O Elevador procura sempre

O andar das chamas

E abre automaticamente

E não fecha.

Estes são os avisos de que não se deve esquecer

Se estiver a subir para fora de si mesmo

Se quiser embater no céu*.

É 2021 e estou a tentar manter-me calmo, objetivo e racional – mas só me apetece gritar. Estou a olhar para imagens de há duas décadas e quero gritar. Gritar o quê? Um aviso? Para quem?

Então, precisamente às 9h03h11, o voo da United Airlines 175, também oriundo de Boston, atinge a Torre Sul. Um produtor da NBC questiona-se se não haverá um problema com o controlo de tráfego aéreo. Cerca das 9h05 Matt Lauer diz que os incidentes foram intencionais.

E mais ou menos nesse momento Andy Card, que está com George W. Bush numa sala de aulas na Florida, encosta-se e sussurra ao Presidente, “A América está a ser atacada”.

A próxima coisa que fiz nesse dia foi ligar para o George Marlin, Diretor Executivo da Autoridade Portuária de Nova Iorque e de Nova Jérsia (1995-1997), ou seja, depois do atentado mal-sucedido de 93 na WTC e antes do 11 de Setembro. Encontrei-me com ele uma vez num andar alto na WTC, de onde se podia ver o Rio Hudson. George, que acorda cedo, descreveu-me como às vezes ao nascer o sol iluminava nuvens baixas, pintando-as de dourado, fazendo-as parecer anjos a viajar à velocidade da luz.

Passei muitas vezes

O quinto andar

Subindo a custo

Mas só uma vez

É que subi até lá acima.

Sexagésimo andar:

Pequenas plantas e cisnes a dobrar-se

Para dentro de sepulturas.

Andar duzentos:

Montanhas com a paciência de um gato,

Silêncio calçado com ténis.*

“Estás a ver o que está a acontecer?”, perguntei ao George no 11 de Setembro.

“Não temos uma televisão no escritório”, respondeu, “mas já ouvi. Terroristas?”

“Só pode. Ambos os aviões estavam cheios de combustível, a caminho da costa ocidental.”

“Vai-me mantendo a par, se faz favor.”

Disse-lhe que assim faria.

Então, pouco antes das 10h15, o George ligou de volta.

“O Pentágono e a Pensilvânia também, certo?”

“Sim, e a Torre Sul desmoronou. Caiu diretamente para baixo, sobre si mesmo.”

George suspirou

“Foi isso que os arquitectos me disseram que iria acontecer.”


Algo da minha conversa com o George fez-me querer rezar, mas era complicado. Queria agradecer a Deus o facto de ele ter saído da Autoridade Portuária quatro anos antes, mas entendi que o seu sucessor poderia estar morto (e estava). Ainda assim, rezei. E sabia que não estava sozinho. Imaginei aquilo que certamente era verdade, que através da nação, agora unida, milhões de pessoas se encontravam de joelhos, e não como sinal de rendição.

A Igreja de São Pedro, ali perto, tornou-se por momentos uma morgue, quando o corpo do padre Mychal Judge foi colocado diante do altar. Foi vítima da queda de destroços na Torre Norte depois de ter entrado a correr no edifício para ministrar aos mortos, moribundos e feridos. Foi designado “Vítima 0001”, a primeira pessoa a ser declarada morta no 11 de Setembro.

O escritório da minha mulher foi evacuado porque o Rock Center foi considerado um potencial alvo. Ela tentou ligar-me, mas depois das 10h30 ninguém podia ligar para dentro ou para fora da cidade. Então andou a pé 20 quarteirões até ao apartamento da irmã e depois as duas saíram para ir comer num quiosque local, enquanto ouviam as sirenes infindáveis e começavam a ver pessoas cobertas de pó a subir, em silêncio, vindas da baixa de Manhattan.

As escolas fecharam mais cedo. A ansiedade dominava a nossa pequena vila dos subúrbios porque tantas amigos e familiares trabalhavam na zona financeira de Manhattan, alguns mesmo nas Torres Gémeas.

O meu filho mais velho, Bobby, estava preocupado com a mãe e ligou da escola. Tranquilizei-o. Depois encontrou o seu irmão Jon e vieram a pé para casa. O Jon foi para o quarto ler, mas o Bobby queria ir para o jardim jogar à bola.

Estávamos no Jardim a lançar a bola e a apanhar – as minhas mãos ardiam com a força dos seus passes – quando um caça F-15 passou por cima de nós, a voar muito rente. Se o piloto tivesse baixado a asa e olhado para baixo teria visto a sua cara.

Quem vivia onde eu vivo conhece pessoas que morreram no 11 de Setembro, ou pelo menos os seus familiares. Eu tinha-me divertido à brava no casamento do Tommy Hohlweck, em 1978. A minha amiga Debra Burlingame vivia ao virar da esquina e era irmã do Charles “Chic” Burlingame que pilotava o voo da American 77, que atingiu o Pentágono. Apenas dias antes tinha estado junto à linha do campo com o Pat O’Shea, enquanto víamos os nossos filhos a jogar futebol americano. E em um ou dois encontros locais tinha conhecido o seu irmão Danny, bem como o Monty Hoard. Perdemos nove habitantes de Pelham naquele dia, incluindo o bombeiro Joe Leavy, que estava de folga, mas correu para o Ground Zero e nunca regressou.

Eu fui membro do New York Athletic Club até 2011. Na entrada há três memoriais com os nomes dos mortos: Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial e 11 de Setembro de 2001.

Hoje foi declarado o fim da longa guerra que se seguiu ao 11 de Setembro. Rezo para que assim seja. Temo que não.

Andar quinhentos:

Mensagens e cartas de há séculos,

Pássaros para beber,

Uma cozinha de nuvens.

Andar seis mil:

As estrelas,

Esqueletos a arder,

Os seus braços a cantar.

E uma chave,

Uma chave muito grande,

Que abre algo –

Uma porta útil –

Algures –

Ali em cima.*

*Este poema profético “Subindo para o Céu num Elevador”, escrito por Anne Sexton, foi escrito em 1975. A minha mulher publica-o todos os 11 de Setembro na sua página de Facebook.


Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

(Publicado pela primeira vez no sábado, 11 de Setembro de 2021 em The Catholic Thing)

© 2021 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte:info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de TheCatholic Thing.

Ajudar os cristãos na Terra Santa e Papa de regresso a Roma

Antes de vos dar as notícias do dia, queria fazer-vos um pedido. Se já rezam e pensam nos cristãos que vivem em situações de maior dificuldade e sempre quiseram dar uma ajuda mais prática, então cliquem aqui, leiam com atenção, e não percam esta oportunidade de ajudar os cristãos que vivem na Terra Santa e estão desesperados com a falta de turistas que costumam ser o seu sustento.

Olhando agora para a atualidade noticiosa, o Papa Francisco terminou a sua viagem à Eslováquia, hoje, que foi marcada por apelos à integração e à inclusão. A fé, disse, não deve ser reduzida a um açúcar que adoça a vida, nem a cruz deve ser um símbolo político ou de estatuto social.

Os ciganos, que foram visitados pelo Papa, ficaram surpreendidos com a atenção que lhes foi destinada.

E, por fim, a vossa atenção para esta história bonita de uma cruz que foi oferecida ao Papa por um bispo chileno, feita com madeira recuperada de uma igreja que foi vandalizada e incendiada em outubro de 2020.

No voo de regresso a Roma Francisco falou de vários assuntos, incluindo o ceticismo para com as vacinas Covid, o encontro que teve com Viktor Orbán e a questão polémica da comunhão para políticos pró-aborto.

O artigo do The Catholic Thing desta quarta-feira ainda está por publicar, mas lá estará até ao final do dia.

Ajudar os nossos irmãos na Terra Santa

 Recebi há dias um pedido de ajuda, que partilho convosco.

Como sabemos, os cristãos na Terra Santa são cada vez menos e passam muitas dificuldades. Muitos dos que vivem em Belém dependem da indústria do turismo, que por causa da pandemia tem estado parada. 

Todos os anos costumava vir a Portugal o Nicolas, católico de Belém, que trazia peças esculpidas em madeira de oliveiras da Terra Santa, para vender. É uma importante fonte de rendimento que, infelizmente, secou por causa da Covid. 

Já em desespero, ele e outros vendedores juntaram-se para vender as peças, a preço quase de custo, com possibilidade de envio por correio. De uma perspetiva comercial, quase que não vale a pena, para nós, uma vez que pagamos mais pelo envio do que pelas peças, mas não são os cristãos chamados a olhar a realidade por outra perspetiva?

Estes cristãos precisam da nossa ajuda. Aqui podem ver em detalhe as peças (cliquem para aumentar as fotos) e em baixo está a lista com os preços. As encomendas podem ser feitas diretamente ao Nicolas por whattsapp, para o número +972 52-457-6851.

Ele poderá depois dar melhor ideia de valores de envio, mas pelo que me disse uma encomenda de 20 quilos fica a cerca de 100 euros e uma de 2 kilos a cerca de 20 euros. Os pagamentos podem ser feitos por transferência para uma conta que eles mantêm em Portugal, evitando taxas. Por que não juntar uma família, ou uma paróquia, para fazer encomendas maiores e ter peças para vender ou distribuir pelo Natal?

Falamos muito em ajudar os cristãos perseguidos e que passam dificuldades. Rezamos por eles. Esta é uma forma prática e ao alcance de todos de ajudar pessoas em concreto. Não a desperdicemos!











Monday 13 September 2021

Papa na Eslováquia e o último judeu de Cabul

O Papa Francisco está novamente de viagem. Esteve ontem em Budapeste, uma visita algo tensa, devido às muitas discordâncias que existem entre Francisco e o regime de Viktor Orbán, nomeadamente no que diz respeito aos refugiados. O Papa pediu aos húngaros mais abertura aos estrangeiros e advertiu também contra o antissemitismo na Europa.

Esta segunda-feira Francisco já viajou para a Eslováquia onde fez um primeiro apelo para que não se esbanjem os fundos de recuperação da União Europeia, por causa da pandemia, e depois, em discurso aos bispos, padres e religiosos, disse que é preciso criar “novos alfabetos” para evangelizar a Europa.

O último judeu de Cabul deixou finalmente o Afeganistão. Resistiu aos soviéticos, à guerra e aos taliban.1, mas os taliban versão Estado Islâmico convenceram-no finalmente a sair.

Se conhece o trabalho, pensamento e obra de Jordan Peterson, então não deixe de ler o artigo desta semana do The Catholic Thing em português. Se não conhece leia na mesma e depois vá conhecer.

Wednesday 8 September 2021

Jordan Peterson e a Busca por uma Vida com Sentido

Christopher Kaczor
O trabalho de Jordan Peterson tem provocado reacções fortes de defensores da ortodoxia woke, mas também reconsideração da sabedoria contida nas histórias da Bíblia por parte de ateus, agnósticos e pessoas que não se identificam com qualquer religião. No nosso livro Jordan Peterson, God, and Christianity: The Search for a Meaningful LifeMatthew Petrusek e eu procuramos mostrar que o método de Peterson de leitura das Escrituras pode ser encontrada mais cedo – e de forma mais rica – em figuras como Agostinho, Gregório Magno e São Tomás de Aquino. Mais, argumentamos que as trajectórias de muitas das linhas de raciocínio de Peterson completam-se no Catolicismo. “O Catolicismo é o expoente máximo da sanidade”, disse Jordan Peterson recentemente num podcast, e nós concordamos.

O Peterson traz consigo influências de psicologia jungiana, literatura russa, teoria evolucionista e as tragédias totalitárias do Século XX, para iluminar os textos bíblicos. Este método ecoa Santo Agostinho, que ensinou em De doctrina christiana que toda a sabedoria secular pode ser usada para interpretar a Escritura, porque todas as verdades, estejam onde estiverem, têm as suas raízes em Deus. Sem o saber, Peterson está a re-apresentar os ensinamentos de São Gregório Magno de que o Antigo Testamento se revela no Novo Testamento, isto é, que o Novo Testamento ilumina o Antigo. Tal como Aquino, Peterson vê a Bíblia como tendo uma riqueza de sentido profunda, que vai muito para além daquilo que qualquer intérprete consegue alcançar só por si.

Neste Quadro, Peterson oferece-nos interpretações marcantes de Adão e Eva, Caim e Abel, a Torre de Babel e o chamamento de Abraão. Para Peterson, estas histórias não são simplesmente sobre figuras antigas num mundo esquecido, mas sobre realidades humanas que continuam a ser tão relevantes hoje como no dia em que primeiro foram escritas.

Um dos pontos mais fortes do pensamento de Peterson é a forma como confronta diretamente o problema da dor, para o qual certamente contribui o terrível sofrimento que ele e a sua família têm suportado. Em 12 Regras para a Vida ele escreve que “A verdade é o antídoto para o sofrimento”. Em Beyond Order diz que o antídoto para o sofrimento é um bem que seja “o maior objectivo possível”. Noutro lado escreve “Não podemos viver sem alguma ligação ao divino – e a beleza é divina – porque sem ela a vida é demasiado curta, demasiado triste e demasiado trágica”. Podemos resumir Peterson dizendo que o antídoto para o sofrimento é a verdade articulada de forma corajosa, o bem do objectivo mais altivo e a experiência da beleza.

Na tradição católica, é Deus que é a verdade, o bom e o belo. Ecoando o pensamento de Diotima, no Simpósio, de Platão, Agostinho ensina que Deus é “a suprema beleza”. Nas suas Confissões, o bispo africano lamenta: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei!”.

Tomás de Aquino argumenta que Deus é o maior objectivo possível, o summum bonum, o bem perfeito que é procurado por aqueles que buscam a felicidade. Ao contrário dos conceitos dualistas sobre a realidade última, tal como “a força” da Guerra das Estrelas, que tem um lado claro e um lado escuro, Tomás afirma que Deus não é composto de forma alguma, e por isso não pode ser em parte bom e em parte mau. Tomás de Aquino afirma ainda que Deus é o maior dos bens, o bem perfeito, bem sem qualquer toque de mal.

E o que dizer da verdade? Aquino define a verdade como a correspondência entre a mente e a realidade. Em contraste, Peterson, inspirado por figuras como William James, tem uma compreensão pragmática da verdade como “o útil”. Isso já nos ajuda, de alguma forma, mas Peterson – pelo menos por enquanto – e outros de tradição junguiana, buscam os benefícios do bem sem o radicar no único lugar em que pode ser verdadeiramente radicado. 

Na Summa contra Gentiles, Aquino fornece mais razões para se crer que a mente de Deus e a realidade de Deus não só correspondem um ao outro como são de facto idênticos. A Mente Divina é a Essência de Deus, e a Essência de Deus é a Mente Divina. Mais, Deus é a Verdade Primordial porque Deus é Causa Primeira de todas as realidades físicas e psicológicas que conhecemos quando compreendemos a verdade. Se o antídoto para o sofrimento é a verdade, o bem e a beleza, então Deus é o antídoto para o sofrimento.

O aforismo de que “A Verdade é o antídoto para o sofrimento” está ligado ainda de outra forma à tradição católica. Jesus disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, se não por mim” (João 14,6). Este caminho de Jesus não é apenas uma noção intelectual da verdade. Esta realidade, explorada de forma tão hábil pelo padre David Vincent Meconi no seu maravilhoso livro Christ Alive in Me: Living as a Member of the Mystical Body tem diferentes nomes, como divinização, teósis e deificação. O cristão afirma que somos convidados não só a tornar-nos alunos aplicados de um professor perceptivo, mas filhos adoptivos na Família Divina do Pai, Filho e Espírito Santo.

Se existe um antídoto parcial para o sofrimento nesta vida, encontra-se em união com Cristo que (segundo São Tomás de Aquino) experimentou o maior sofrimento possível e ofereceu a maior consolação possível. Isto não acontece apenas através do conhecimento dos ensinamentos de Jesus, mas através da partilha da vida que Jesus nos ofereceu como dom.

Mas, de facto, não existe antídoto perfeito para o sofrimento, pelo menos não nesta vida. Aqui em baixo haverá sempre dor, tanto físico como psicológico. Na verdade, os maiores santos, aqueles que viveram Cristo de forma mais plena, sofreram frequentemente, e muito. Mas o seu sofrimento tinha um sentido, porque as suas vidas tinham um propósito: amar a Deus e ao próximo. O amor é um bálsamo, mas não é um antídoto perfeito para as inevitáveis dificuldades da vida terrena. O sofrimento de Cristo apenas encontrou um antídoto perfeito quando ele morreu e ressuscitou dos mortos, e com o nosso sofrimento será igual. Se esta ressurreição é apenas um sonho piedoso, ou uma esperança fundada, é outra questão que surge nas explorações provocatórias de Peterson.


Christopher Kaczor é professor de Filosofia na Universidade de Loyola Marymount e co-autor, com Matthew Petrusek, de Jordan Peterson, God, and Christianity: The Search for a Meaningful Life.

(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 7 de Setembro de 2021 em The Catholic Thing

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Wednesday 1 September 2021

O essencial da entrevista do Papa à Cadena COPE

A “silly season” costuma terminar com o final de Agosto, e parece que assim foi. O espanhola Cadena COPE divulgou esta quarta-feira uma longa entrevista ao Papa Francisco, cheia de coisas interessantes, como o facto de assumir que tem medo dos “demónios bem-educados”.

O Papa começa por falar da luta contra a corrupção e de como foi necessário, para tal, reformar o sistema judicial. Expressa ainda o desejo, sem se comprometer, de que o cardeal Becciu, actualmente ser julgado, seja inocente.

Francisco não foge a temas como os abusos sexuais na Igreja, mas pergunta por que razão os estados não fazem mais para combater a pornografia infantil dentro das suas fronteiras, afirmando que não acredita que seja por falta de conhecimento.

O diálogo com a China também foi falado, com Francisco a defender que este deve continuar, mas a aceitar que existam dúvidas e críticas legítimas ao que foi alcançado até agora.

E por fim o Papa deixa um recado aos próprios espanhóis, apelando a que se reconciliem com a história do século passado, dizendo ainda que a Europa tem de escolher entre aperfeiçoar-se ou desintegrar-se.

Noutras latitudes, os EUA deduziram acusação contra um padre americano em Timor-Leste por abusos sexuais. Richard Daschbach já está a ser julgado em Timor e foi laicizado pela Igreja. Mas conta naquele país com importantes aliados.

E o tema do artigo do The Catholic Thing em português é, hoje, a aparente derrota dos EUA e aliados no Afeganistão. A ex-militar Michele Maria McAloon explica qual deve ser a atitude cristã peranteesta realidade.

Uma Resposta Cristã à Derrota

Michele Malia McAloon

Retirada ou derrota? Os guerreiros do teclado e os livros de história debaterão esta questão durante décadas. Para a maioria dos americanos a ver o desastre no Afeganistão, esta é apenas uma questão de orgulho nacional, e não um assunto existencial que lhes afecta directamente as vidas. Infelizmente, para a pequena minoria de americanos que opta por combater, põe-se agora a questão de saber se vinte anos de combate contínuo valeram o preço que lhes foi cobrado a eles, às suas famílias e à nação.

Para a maioria dos americanos, a realidade das guerras no Afeganistão e no Iraque foi um fardo suportado por outros. Políticos sem qualquer conhecimento militar e sem filhos a servir nas forças armadas decidiram depressa, talvez irresponsavelmente, por uma intervenção militar. Ao mesmo tempo não houve qualquer apelo à juventude para pegar em armas. Desde o início de ambas estas guerras houve uma atitude generalizada de que esta era a guerra de outros. Certamente não era uma questão de responsabilidade pessoal, nem para os membros da própria família.

Não houve apelos a mobilização popular para plantar comida ou comprar obrigações de guerra, nem de fazer o mais pequeno dos sacrifícios para reconhecer, muito menos contribuir para o esforço de guerra. Em vez disso a política "woke" e as compras é que estiveram na ordem do dia. Palavras de agradecimento pelo serviço dos veteranos soaram a pouco enquanto as candidaturas à universidade, bolsas desportivas e preparação para os exames evitaram que a maioria dos pais considerassem sequer o serviço militar como opção para os seus filhos.

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Desde 2001 quase três milhões de militares serviram nos teatros de guerra que se seguiram ao 11 de Setembro, no Afeganistão e no Iraque. Tristemente, mais de 7.000 militares americanos, a que se acrescentaram agora mais 13, perderam as vidas ao longo de duas décadas da guerra contra o terrorismo. Muitos dos nossos aliados europeus também sofreram baixas pesadas. Mais trágico ainda é o número de soldados que se suicidaram depois de regressar a casa. As feridas psicológicas do stress pós-traumático provaram ser mais mortíferas que o combate em si. Quatro vezes mais veteranos de guerra, mais de 30,177 pessoas, suicidaram-se do que aqueles que morreram em batalha.

Esta guerra foi uma questão familiar. Muitos militares serviram várias missões, passando mais tempo fora do que em casa ao longo das últimas duas décadas. O ciclo de missão, regresso a casa e preparação para a próxima missão nunca acabou. O custo íntimo foi suportado por familiares, esposos, pais, filhos e amigos que tiveram de lidar com a ausência e – frequentemente – tiveram de se adaptar às mudanças naqueles que regressavam do campo de batalha.

Desde o início desta retirada brutal e caótica do Afeganistão, esposos de soldados têm estado a postar fotografias de cerimónias de boas-vindas em que participaram ao longo de vários anos, para os seus familiares. Fotos de duas, três ou quatro cerimónias, com as crianças a envelhecer, são um testemunho do verdadeiro custo pessoal suportado por famílias militares durante esta guerra.

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Os relatos de que os afegãos não estavam dispostos a combater são simplesmente falsos. Os soldados afegãos morreram a uma taxa de 27 vezes mais que os americanos e seus aliados. Ao longo dos últimos 10 dias os oficiais americanos têm estado a responder a chamadas e mensagens dos seus parceiros e intérpretes afegãos, pedindo ajuda. Velhas feridas reabriram agora que muitos não têm a capacidade para prestar o auxílio de que os seus leais colegas precisam para poderem escapar aos Taliban.

A guerra e o conflito são tão antigos como a humanidade; a derrota idem. Mas derrota e derrotado não são a mesma coisa. O Antigo e Novo Testamentos, bem como as vidas dos santos, estão cheios de exemplos de perda e renovação. Moisés encontrou esperança nos 40 anos de travessia do deserto, sem o prémio de entrada na Terra Prometida. São Paulo encontrou a sua vitória final na cadeia. Ele sabia que a verdadeira vitória vem apenas na celebração da esperança, na paciência nas tribulações e na constância da oração (Romanos 12,12). Santos e pecadores, ao longo dos anos escolheram erguer-se da derrota transformando um passado doloroso num futuro de esperança através da fé e do serviço a algo maior que si mesmos.

Ironicamente, a nossa renovação enquanto nação, igreja ou comunidade de crentes poderá nascer do exemplo de serviço que está a ser dado, mesmo agora, à sombra das suas dificuldades e perda, pela nossa comunidade militar. Militares e suas famílias, pessoas sem grandes meios financeiros ou materiais, que foram os mais afetados pelas guerras americanas no Afeganistão e no Iraque continuam a servir, sacrificar e perguntar que mais podem fazer para ajudar.

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Com os refugiados afegãos a começar a ser realojados em centros de detenção financiados pelos EUA, na Alemanha, uma legião de famílias de militares e de veteranos estão a oferecer-se como tradutores e voluntários. Tenho-os visto ao longo dos últimos dias, na Base Aérea de Ramstein, a dar uma resposta que só consigo descrever como arrepiante.

O simples gesto de um familiar de militar a comprar fraldas para um bebé afegão cujo pai até poderá ter contribuído para a violência dirigida contra os seus entes queridos representa um momento definidor para a nossa nação. O serviço e o sacrifício acrescidos, em vez do recuo para o ressentimento, tornaram-se uma fonte de cura. O serviço e a dádiva são um mero reflexo para aqueles que optaram por servir. Os americanos devem reflectir profundamente sobre este humilde exemplo.

Para os cristãos a derrota está sempre ao virar da esquina. A vida cristã é um combate contra o pecado, a tentação e o desespero. A nossa verdadeira força vem dos mandamentos tão simples, mas tão difíceis de pôr em prática, de amar a Deus e ao próximo. Um futuro menos violento poderá estar a ser gerado nos corações de homens e mulheres dispostos a ordenar as suas vidas segundo os mandamentos de Deus.

Numa sexta-feira, há vários séculos, numa colina deserta no Médio Oriente chamada Calvário, a derrota e a morte pareceram absolutos. Três dias mais tarde, quando o sol nasceu iluminou um sepulcro vazio – a mais profunda vitória na história da humanidade. A derrota só pode ser temperada pelo amor e no conhecimento de que a sua vitória é a nossa, agora e para sempre.

São Miguel Arcanjo, Defendei-nos no combate.

Fotos:

1. Elementos das Forças Especiais americanas a cavalo no Afeganistão, em Outubro de 2001. (Foto: FA Americanas).

2. Os caixões de Hunter Lopez, Rylee McCollum, David Lee Espinoza, Kareem Nikoui, Jared Schmitz, Daegan Page, Taylor Hoover, Humberto Sanchez, Johanny Rosario, Dylan Merola, Nicole Gee, Max Soviak e Ryan Knauss, os soldados mortos no recente atentado em Cabul. Dover Air Force, Delaware, 29 Agosto de 2021. (Foto: U.S. Marine Corps).

3. Os primeiros evacuados do Afeganistão da Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, para os EUA, depois da meia-noite do dia 23 de Agosto de 2021. (Foto: Força Aérea EUA)


Michele Malia McAloon é casada há quase 28 anos. É mãe, oficial das Forças Armadas americanas na reserva e advogada de direito canónico. Vive em Wiesbaden, na Alemanha. Pode ouvir o seu podcast “Cross Word” no Spotify, Apple Podcasts e archangelradio.com.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 31 de Agosto de 2021)

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