Pe. Paul Scalia |
Todos devemos sentir dor e alegria ao meditar esta cena,
mas José experimenta essa dor e alegria de uma forma singular: enquanto pai de
Jesus. De facto, o ponto de partida e de chegada na sua experiência deste
evento é a realidade da sua paternidade.
Costumamos qualificar a paternidade de São José. Embora
estejamos correctos, até certo ponto, essas qualificações podem dar a impressão
de que a sua paternidade era uma ficção, ou faz de conta. O termo “Pai terreno”
sugere uma relação pai/filho limitada a este mundo. “Pai adoptivo” implica que
Jesus só se tornou filho de José a partir de certa altura. De facto, José e
Maria eram casados aos olhos da lei quando Jesus foi concebido. Por isso não
houve qualquer momento durante a vida de Nosso Senhor em que Ele não fosse
filho de José.
Os Evangelhos não adjectivam. A passagem do Evangelho aqui
referida identifica José e Maria simplesmente como “pai e mãe” de Jesus. Mais
tarde, quando o encontram no Templo, Nossa Senhora diz “Teu pai e eu estávamos
aflitos” (Lc 2, 48). São João refere-se duas vezes ao Senhor simplesmente como “filho
de José” (Jo. 1,45 e 6,42). A única adjectivação usada nos Evangelhos é um
parêntese, quando Lucas se refere a Jesus como “o filho (como se supunha) de
José” (Lc. 3,23). Uma vez que isto surge imediatamente depois do Batismo do
Senhor, a intenção é claramente de distinguir entre o Pai de Cristo revelado no
Jordão e o seu pai conhecido em Nazaré.
É esta paternidade que o Papa Francisco enfatiza em Patris
Corde, a carta em que anuncia o Ano de São José (8 de Dezembro de 2020 até
8 de Dezembro de 2021). E com boa razão. Como muitos já têm observado, na raiz
dos problemas da nossa Igreja e da nossa nação está uma crise de paternidade.
No cerne dos escândalos da Igreja está a traição de pais espirituais. As
convulsões no nosso país são o resultado inevitável de décadas de pais
ausentes. Mary Eberstadt chamou-o “a fúria dos sem-pai”.
A paternidade de José é um remédio necessário para estes
males. Mas, primeiro, temos de a compreender correctamente. Falhamos na apreciação
da paternidade de José porque não compreendemos a própria noção de paternidade.
Limitamos a paternidade às suas dimensões física e terrena; a geração biológica
de um bebé, ou a preparação de uma criança para poder ter sucesso neste mundo.
De facto, a parte mais importante da paternidade não é a concepção nem a sua
preparação ou formação para o sucesso mundano, é a partilha de sabedoria, de
património e de identidade.
“Com os nossos próprios ouvidos ouvimos, ó Deus; os
nossos antepassados nos contaram os feitos que realizaste no tempo deles, nos dias da
antiguidade” (Salmo 44, 1). É maravilhoso contemplar José a ensinar este
versículo a Nosso Senhor, introduzindo-o no património de Israel, ao que “os
nossos antepassados nos contaram”. Esses antepassados tinham dotado os seus
filhos de identidade, levaram-nos a saber quem eram – e quem não eram – no mundo
e na história. A fidelidade desses pais significa que os Israelitas se
conheciam como povo de Deus.
E é precisamente isso que os pais não têm feito na nossa
cultura. Podem ter dotado os seus filhos de bens materiais e de conselhos sobre
como ter sucesso neste mundo – ou pelo menos como atingir o conforto. Mas
durante décadas os pais têm falhado em dar aos seus filhos a sua verdadeira
identidade. Não transmitiram o património do Ocidente, da nossa nação e
sobretudo do Cristianismo.
Isto deve-se em larga medida ao facto de esses pais terem,
por sua vez, impiamente rejeitado a sua própria herança. A impiedade é estéril.
Como o passado não significa nada para eles, agora também eles não têm nada
para propor para o futuro. Pior, esta orfandade em relação ao passado deixa-nos
vulneráveis no presente. Por isso, aquilo a que assistimos no “wokeismo” é uma geração
órfã, desconectada do seu património de sabedoria e cultura e por isso presa
fácil para qualquer nova teoria que aí venha.
Temos assistido ao mesmo fenómeno na Igreja. Padres
impiedosos para quem o passado está desprovido de significado, que não transmitiram
a gerações de católicos a sua herança legítima de ensinamentos e liturgia eclesial.
Tanta da nossa atual maleita vem desta desconexão, deste esquecimento de quem
somos – e de quem não somos – no mundo e na história.
Chegou então o momento de “ir ter com José” (Gen. 41,55).
Com ele, pai de Jesus, aprendemos o verdadeiro significado da paternidade e o
valor incomparável de um homem que cumpre fielmente essa missão.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 27 de dezembro
de 2020 em The
Catholic Thing)
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