É verdade que muitos dos detalhes que associamos à
Natividade – vacas, camelos, burros e por aí fora – não são mencionados nos
Evangelhos, mas isso só realça o que disse. Nenhum episódio na vida de Cristo,
nem mesmo a Paixão, se adequa tanto à imaginação infantil.
O Natal é a mais humana das grandes festas da Igreja, a
que é mais acessível para nós num nível natural. É no Natal que encontramos
Deus no seu estado mais acessível e familiar: um recém-nascido.
Na
sua homilia da Missa do Galo de 2012, o Papa Bento XVI resumiu-o da
seguinte forma: É como se Deus dissesse “Sei
que o meu esplendor te assusta, que à vista da minha grandeza procuras impor-te
a ti mesmo. Por isso venho a ti como menino, para que Me possas acolher e amar”.
Também isto explica a facilidade com que as crianças se
apaixonam pela história de Natal e porque é que o seu poder permanece connosco
mesmo quando ficamos mais velhos e mais ocupados. Para a maioria de nós não há festa
que evoque mais as alegrias (e talvez as tristezas) da nossa juventude do que o
Natal.
Quanto mais velho fico, mais reparo que a alegria do
Natal traz consigo uma nota da mais doce tristeza. Que incrível que a alegria
do Natal seja tão diferente da alegria pascal (sendo esta última muito mais
mundana, no melhor sentido possível da palavra).
Uma das personagens da história da Natividade que mais me
tem interessado à medida que vou ficando mais velho nem sequer é mencionado no
Evangelho, tal como o camelo ou o burro. Estou a falar do pobre estalajadeiro.
Segundo o Evangelho de Lucas, a Sagrada Família chega à
vila de Belém e descobre que não há lugar para eles na estalagem. O
estalajadeiro anónimo costuma ser apresentado como uma lição para as pessoas
que estão demasiado ocupadas e centradas em si mesmas para receber Cristo
quando ele vem.
Naquela mesma homilia do Natal de 2012, o Papa Bento usou
este ponto para reflectir sobre o nosso estado de preparo para receber Cristo:
“Sempre de novo me toca também a palavra do evangelista,
dita quase de fugida, segundo a qual não havia lugar para eles na hospedaria.
Inevitavelmente se põe a questão de saber como reagiria eu, se Maria e José
batessem à minha porta. Haveria lugar para eles?”
E continua:
“A grande questão moral sobre o modo como nos comportamos
com os prófugos, os refugiados, os imigrantes ganha um sentido ainda mais
fundamental: Temos verdadeiramente lugar para Deus, quando Ele tenta entrar em
nós? Temos tempo e espaço para Ele? Porventura não é ao próprio Deus que
rejeitamos?”
O Papa Bento propõe uma bela meditação sobre a humildade
de Deus e os perigos das preocupações mundanas. Cada um de nós deve ultrapassar
o nosso próprio egoísmo para que possamos receber não só o Bebé de Belém, mas
também o pobre e o indigente com quem o Senhor se identifica tão estreitamente.
Mas voltando ao tal estalajadeiro…
Penso bastante se, ao imaginá-lo como insensível e preocupado,
não estaremos a ser injustos.
É fácil partir do princípio que o pobre estalajadeiro rejeitou a Sagrada Família e lhes fechou a porta na cara. Mas porque havemos de o fazer? E se a única razão pela qual Maria tinha sequer uma estalagem para o seu recém-nascido era porque o estalajadeiro lhes ofereceu o pouco que tinha em termos de abrigo? Alguém deu guarida a José e a Maria, porque é que partimos do princípio que não foi ele? Porque é que devemos presumir que o seu humilde envolvente foi o resultado de malícia ou de indiferença?
O Natal é um tempo que se presta à imaginação, por isso
imaginemos:
Imagine José a bater à porta da estalagem, já tarde. O
estalajadeiro vai à porta. A estalagem está cheia, por causa do recenseamento.
Mas o estalajadeiro consegue ver a preocupação estampada na cara de José. Consegue
ver que a jovem Maria não podia estar mais grávida. Não tem quartos. Claro que
não pode acordar os seus clientes e expulsá-los a meio da noite!
Então faz o que pode.
Oferece ao casal um estábulo. É humilde, mas pelo menos é
quente. E oferece-o sem custos. Traz-lhes um pouco de comida, alguma coisa para
beber. Traz cobertores e água para se lavarem. Talvez a sua mulher lhe tenha
lançado um daqueles olhares, como que dizendo: “Estás doido? Quem são estas
pessoas?” Mas ele ajuda na mesma. Ou talvez a sua mulher seja tão generosa como
ele e também ajude. Vão visitando durante a noite, sem querer incomodar, para
ver se os viajantes têm tudo o que precisam.
Talvez o estalajadeiro seja um homem honesto, compassivo,
que dedicou toda a vida e a carreira à hospitalidade e tendo dado o pouco que
tinha para oferecer, com o amor e o cuidado possíveis, obteve a graça de poder
acolher o próprio Deus, sem nunca ter percebido quem é que estava a receber na
sua morada – ou pelo menos no seu estábulo.
Talvez o estalajadeiro de Belém seja uma recordação de
que, quando somos generosos para com aqueles que não podem retribuir a nossa
simpatia, quando damos o que temos, por mais humilde que seja, Deus pode transformar
os nossos esforços em algo maravilhoso, capaz até de mudar o mundo. Talvez.
Pelo menos eu gosto de pensar que sim.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quarta-feira, 23 de Dezembro de 2020)
© 2020
The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte:info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com
o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment