Randall Smith |
Agora, porém, uma conferência com o título “É possível
uma Universidade Cristã?” teria mais a ver com a questão: “Será que no futuro
continuará a ser possível uma universidade identificar-se como cristã?”. Os
campus talvez possam continuar a ter uma capela, desde que nada lá seja dito que seja desconfortável para a administração. Mas será que o Estado, a
administração ou o corpo docente irão continuar a permitir que a universidade
mantenha a sua missão enquanto instituição distintamente cristã?
Há uma história importante a contar sobre a relação entre
a primeira questão – É possível uma universidade cristã? – e a segunda: Deve
ser permitido uma universidade ser cristã? O ponto de partida para ambas as
questões é que poderá haver (e que provavelmente há) uma fundação melhor para a
educação que deve acontecer numa universidade do que a convicção cristã.
Fundndo uma universidade sobre o Cristianismo,
presumiu-se, destruiria a livre troca de ideias que é essencial para a sua
missão. Mas infelizmente foram poucos os que se questionaram por que razão, se
o Cristianismo e o livre intercâmbio de ideias são incompatíveis, é que as
universidades surgiram e floresceram precisamente num berço cristão? Menos ainda foram os que perguntaram o que aconteceria quando se criassem as
chamadas “universidades livres”, sem qualquer filiação religiosa. Foram elas
mais livres do que os seus pares confessionais? Raramente, ou nunca. Em vez
disso acabaram por se sujeitar ao poder imperial do Estado.
O autor de um recente artigo no “Church Life Journal”
fornece uma recordação importante sobre as obras que fazem parte do muito
debatido cânone ocidental.
Hobbes refere-se a si mesmo como um anti-Aristóteles,
Nietzsche chamou a um dos seus livros o anticristo, e por aí fora. Os projetos
políticos incluídos na descrição são também diametralmente opostos – monarquia
versus democracia, capitalismo versus socialismo, teocracia versus secularismo
– todas estas oposições e muitas outras têm sido sugeridas dentro dos limites
da Civilização Ocidental… Hobbes e Schmitt queriam banir certos livros. Platão
quis banir os poetas e instalar mitos edificantes. Nietzsche queria ultrapassar
e esquecer toda a “moralidade escrava”. Marx poderá ter abandonado a sala do
seminário para se juntar à revolução.
Seja como for, a “revolução” acabaria por banir a maioria
dos livros que ele tinha estado a ler.
Plotino e Porfírio pensavam que a literatura cristã dos
primeiros tempos devia ser descartada. Os aristotelianos do Renascimento
queriam banir a obra de Galileu. Os aliados renascentistas pitagorianos de
Galileu queriam livrar-se de Aristóteles. Mais recentemente, a união de
estudantes da University College London baniu o Clube de Nietzsche, por ser
“fascista”. Em boa verdade o próprio Nietzsche provavelmente os teria banido a todos e certamente não admitiria que ninguém se juntasse a um clube com o seu
nome. Mais recentemente ainda os estudantes da mesma instituição britânica
quiseram banir todos os “filósofos brancos”. E não é por acaso que um dos
livros mais banidos da história – e ainda hoje – seja a Bíblia.
Não deixa de ser interessante que em qualquer faculdade
de humanidades de uma universidade católica séria pode-se ler as obras de
Platão, Aristóteles, Cícero, Lutero, Rousseau, Marx e Nietzsche e levá-los a
todos a sério. Se os discípulos devotos de qualquer um desses pensadores
mandasse, porém, a lista de leitura permitida seria muito mais limitada. Será
que a Universidade Nietzschiana o deixaria ler Marx ou Aristóteles? E a
Universidade Marxista deixaria ler Cícero ou Aquino?
É possível? Parece que sim. |
A estranha presunção de que, se simplesmente nos livrássemos do Cristianismo as universidades seriam mais “livres”, não tem pernas para andar, como comprova a história antiga e recente. Não é que o Cristianismo não tenha tido também as suas tensões com a universidade. Mas isso não tem mal, porque a questão perene da universidade cristã é compreender a relação entre a fé e a razão.
A convicção crista que sempre serviu de base a essa
questão é de que as verdades da fé e da razão jamais estarão em contradição,
porque ambas derivam de Deus. Como João Paulo II disse, de forma tão eloquente:
“A fé e a razão são como as duas asas com que o espírito humano se eleva para a
contemplação da verdade”. O trabalho de compreender esta relação entre a fé e a
razão tem, contudo, sido frequentemente um desafio dinâmico, mudando conforme as alterações nas ciências e na filosofia dominante de cada tempo. Mas é
precisamente esse desafio que tem animado a vida intelectual da universidade.
Quando Cristo, o Verbo feito carne, é entendido
justamente como o centro da missão da universidade, então toda a verdade, seja
qual for a sua origem, é bem-vinda e importante. É quando essa convicção cristã
é substituída por um “sistema” ou “processo” ou “ideologia” que todo o edifício
começa a ruir a partir de dentro.
Olhemos para a universidade contemporânea, agora
confortavelmente isolada de qualquer resquício de cristianismo. Estas
instituições são mais livres? Estão a treinar os seus estudantes para serem
melhores servidores da humanidade? Ou transformaram-se em refúgios de uma
ideologia partilhada e da “cultura de cancelamento”? Será que se perderam em
larga medida, fazendo-se servidores de Mamon em vez da verdade?
A universidade é um produto distintamente cristão. Quando
Cristo se encontra no seu centro, toda a criação é importante, obra das mãos de
um Deus de amor. Quando Cristo está no centro não há nada de genuinamente
humano que não ecoe no coração dos seus membros. Quando perde Cristo como
centro, torna-se rapidamente um servo de Mamon, da ideologia ou do Estado.
É possível uma universidade cristã? Ainda é possível? A resposta a essas perguntas dar-nos-á a resposta a uma terceira: Ainda é possível uma universidade? Em relação a isso os dados não são nada animadores.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 9 de Novembro de
2020)
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