Brad Miner |
A história mostrou que a “libertação” da Polónia foi,
devido à sua subjugação pelos comunistas, um pau de dois bicos. A Polónia foi
verdadeiramente, como disse o arcebispo Fulton Sheen, uma nação “crucificada
entre dois ladrões.”
No dia 28 de janeiro de 1945 uma menina judia exausta e
subnutrida, Edith Zierer, conseguiu chegar a uma estação do caminho de ferro
que atravessava Czestochowa. Acreditando que a família estava viva em Cracóvia,
entrou numa carruagem de transporte de carvão, de um comboio que, pensava, a
levaria até lá. Mas o vento gélido que entrava pela porta aberta da carruagem
era demasiado forte e por isso duas horas mais tarde, e com medo de congelar
até à morte, aproveitou uma paragem e saiu. Coxeou até à plataforma da estação
em Jedrzejow – uma decisão providencial, até porque Cracóvia ficava a sul o
comboio estava a ir para leste.
Sentou-se sozinha na estação. Se alguém a viu,
ignoraram-na, embora fosse evidente que era uma refugiada. Envergava a farda
numerada, agora em trapos, que os sempre eficientes nazis obrigavam os
trabalhadores escravos a vestir. Quem tivesse olhos na cara poderia ver que ela
estava fraca e esfomeada. Mas ninguém a veio ajudar.
A Edite estava a começar a pensar que mais valia morrer,
até que a Providência interveio. Como o seu sobrinho-neto, Roger Cohen,
explica, “A morte aproximava-se, mas um jovem antecipou-se. ‘Era muito bem
parecido’, recorda a Edith, e vigoroso”. De acordo com ela, o jovem rapaz
perguntou-lhe o que é que ela estava ali a fazer. Ela disse-lhe. Outro relato
diz que ele também perguntou o seu nome, mas quando ela lho disse desatou a
chorar, porque durante tantos anos tinha sido apenas um número.
O homem afastou-se, mas voltou com uma chávena de chá.
Enquanto ela bebia ele disse que também ia para Cracóvia e prometeu ajudar a
levá-la até lá. Ela estava desconfiada. Ele voltou ao sítio onde tinha ido
buscar o chá e voltou com pão e queijo. Isso ajudou, muito. O estranho, que
conhecia as linhas e os horários, sabia que o próximo comboio para Cracóvia
partia longe dali e tinha a sensação de que a Edith não tinha muito tempo.
“Tenta levantar-te”, disse ele. Mas ela não conseguia.
Por isso ele pegou nela e carregou-a mais de três quilómetros até à estação
certa. Mais uma vez encontrava-se numa carruagem de carvão. Estava lá outra
família judia escondida. O jovem entrou também. Colocou a sua capa à volta de
Edith e fez uma pequena fogueira dentro da carruagem, para proteger do inverno
gelado. Finalmente apresentou-se.
“O meu nome é Karol Wojtyla”.
Agora sem a capa, Edith e a família judaica conseguiam
ver que ele era um padre católico. Ou pelo menos assim lhes pareceu, por causa
da batina. Na verdade, era ainda seminarista.
Quando chegaram a Cracóvia o Karol saiu do comboio,
talvez para arranjar informação que pudesse ajudar a Edith a encontrar a
família. Quando regressou ela tinha partido. Um dos outros passageiros
tinha-lhe dito que fugisse, não fosse este padre querer metê-la num convento.
“Fugi”, disse ela, “porque as pessoas começaram a perguntar porque é que um
padre estava a viajar com uma menina judia”.
Ela recorda-se de se ter escondido atrás de um monte de
vasos de leite metálicos quando o homem que a tinha ajudado começou a chamar
por ela em polaco: “Edyta, Edyta!”
Como escreve o senhor Cohen:
Aqui estavam duas pessoas numa terra devastada, um católico de 24 anos e uma judia de 13. O futuro Papa já tinha perdido a sua mãe, o seu pai e o seu irmão. A Edith, embora ainda não o soubesse, já tinha perdido a mãe em Belzec, o pai em Maidaneck e a irmãzinha em Auschwitz. Não podiam estar mais sozinhos.
Naquele momento Edith Zierer fez aquilo que achou
necessário para preservar a vida e a sua fé. Mas nunca se esqueceu de Karol
Wojtyla.
Quando leu num jornal, em 1978, que este homem
extraordinário tinha sido eleito Papa, chorou. Escreveu-lhe várias vezes, mas
não recebeu qualquer resposta… Durante 20 anos. Mas em 1998 voltaram e
encontrar-se no Vaticano. Naquele encontro, de acordo com Cohen, o Papa pôs-lhe
a mão na cabeça e disse: “Volta, minha filha”, uma coisa estranha de se dizer
meio-século depois.
Talvez se estivesse a recordar dos seus gritos ansiosos
naquela estação em Cracóvia: “Edyta, Edyta! Volta, minha filha.” Ou talvez
estivesse a convidá-la a voltar a Roma para outra visita. Isso nunca aconteceu,
mas os dois voltaram a encontrar-se em 2000 no Yad Vashem, quando João Paulo
fez uma peregrinação a Jerusalém. “Ele era um espírito irmão no sentido mais
puro da palavra. Um homem capaz de salvar uma menina naquele estado, congelada,
esfomeada e cheia de piolhos, e levá-la até segurança”, disse ela, depois de
São João Paulo II morrer, em 2005. “Eu não teria sobrevivido se não fosse ele”.
Naquela visita a Yad Vashem o santo octogenário foi cumprimentar seis sobreviventes do Holocausto, uma das quais era a senhora Zierer. O Papa falou a cada um, até chegar a Edith. Então colocou uma mão sobre o seu ombro, enquanto conversavam. Ela diria depois que “não chorei no Vaticano, mas em Yad Vashem, desfiz-me em lágrimas”.
Edith morreu em 2014.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 7 de Dezembro de 2020 em The Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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