Pe. Paul Scalia |
Resumindo, celebrámos no domingo o título que o Senhor
propositadamente evitou. Quando as multidões o queriam tornar Rei, retirou-se
(Jo 6,15). Quando Pôncio Pilatos lhe perguntou diretamente, deu uma resposta
evasiva, “Tu dizes que eu sou Rei” (Jo. 18,37). Embora hoje o proclamemos Rei
do Universo, na sua vida terrena ele procurou esconder a sua realeza e ser
apenas “o Filho do Homem”.
As pessoas sempre adoraram histórias de reis escondidos.
Há algo de inspirador e esperançoso na história de um homem obscuro e humilde
em cujas veias corre sangue real. Vemo-lo primeiro na história do Rei David,
que é o menor da sua família, mas é escolhido por Deus, ungido e elevado ao
trono de Israel. E temos Artur, o Rei desconhecido que é o único que pode
retirar a espada da pedra. O Aragorn, de Tolkien, esconde a sua linhagem real
até que chega a altura de reclamar a coroa de Gondor. E por aí fora.
Mas tudo isto são apenas sugestões e ecos do verdadeiro
Rei escondido. Jesus vem a este mundo possuindo todo o poder, mas exercendo
nenhum. No seu nascimento a sua realeza nem é reconhecida pelo seu próprio
povo; a novidade tem de ser trazida por magos vindos do Oriente. Mesmo quando
Jesus começa a sua vida pública, o Batista anuncia-o de forma críptica como “um
entre vós que não reconheceis” (Jo. 1,26).
Ao contrário de outros, contudo, o estado humilde deste
Rei não é uma ficção nem um entrave. Ele torna-se verdadeiramente um connosco,
seus súbditos – partilhando as nossas humildes alegrias e profundas tristezas,
sendo igual a nós em tudo menos no pecado. Esconde a sua autoridade divina
debaixo da nossa humanidade frágil, como Rei e parente.
E mais, o Senhor continua a estar presente desta forma
escondida entre nós. Vem ao nosso encontro envergando, nas palavras de Madre
Teresa, o “penoso disfarce do pobre”. Como ouvimos no Evangelho de domingo, “Em
verdade vos digo, tudo o que fizestes ao mais pequeno dos meus irmãos, a mim o
fizestes” (Mt. 25,40).
Pela pobreza da Encarnação, o Filho de Deus uniu-se de
forma particular aos pobres. “nosso Senhor Jesus Cristo (…) sendo rico, se fez
pobre por amor de vocês” (2 Cor. 8,9). Assim, ele pode dizer sem ter de
qualificar, “A mim o fizestes” – querendo com isso evocar não uma unidade moral
mas uma identificação pessoal com os pobres. Neles o Rei mantém a sua presença
escondida entre nós.
Nosso Senhor esconde a sua realeza não porque nos quer
enganar, mas para purificar o nosso entendimento. Ele afastou-se das multidões
porque elas não teriam compreendido a sua realeza e respondeu de forma
enigmática a Pilatos porque o governante não tinha a capacidade de entender a
verdade. Primeiro tinham de aprender que aquilo que pensavam que constituía
realeza afinal não a era. O Cristo Rei vem de forma escondida para purificar as
nossas ideias mundanas, para limpar as nossas mentes de conceitos terrenos como
governo, autoridade e poder.
Para além desta purificação, o Rei escondido ensina-nos a
verdade. De facto, os disfarces do Rei não escondem, antes revelam. Ao vir a
nós na fraqueza, nos pobres e nos vulneráveis, Ele ensina-nos sobre o Reino e
sobre a verdadeira Realeza. Dele aprendemos que servir é reinar; que a
autoridade está ordenada para o serviço; que o poder está ordenado para a
misericórdia e que a verdade triunfa sobre a força.
O que nos traz até ao propósito desta festa. Longe de ser
uma relíquia da Igreja antiga ou medieval, ela foi estabelecida em 1925 – numa
altura em que as monarquias estavam a desaparecer e, o que é mais importante,
que o pensamento cristão estava a ser expulso da sociedade. Os governos ateus
que surgiam pelo mundo rejeitavam qualquer limite ao seu poder. Pio XI, que
passou a maior parte do seu pontificado a lidar com estes governos hostis, pretendia
que esta festa fosse uma defesa dos direitos de Cristo Rei na praça pública. A
ideia era servir de contrapeso àqueles que queriam separar a governação da
verdade e, por isso, passar por cima dos fracos.
O Evangelho de domingo apresenta a vinda do Rei no final
dos tempos. Mas as suas palavras – a mim o fizestes – indicam que Ele já cá
está. De facto, Ele está presente agora – não nos poderosos e ricos, mas nos
fracos e vulneráveis, em todos os que estão expostos ao exercício do poder sem
justiça e da força sem verdade.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 22 de novembro
de 2020 em The
Catholic Thing)
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