Eu sou do tempo em que os sínodos eram chatos...
Lembro-me de vários sínodos da Igreja ao longo da última
década e a única coisa que todos tiveram em comum é que eram aparentemente
inúteis e profundamente maçadores.
Claro que para os bispos que neles participavam havia de
haver alguma utilidade, nem que fosse pelo facto de estarem juntos e
conhecerem-se melhor, aprofundando este ou aquele tema, mas quem é que se
lembra, sinceramente, de algo de novo ou de marcante que tenha saído do sínodo
sobre a Eucaristia?
Mas depois veio o Papa Francisco e o sínodo para a
família e algo me diz que nada vai ser igual.
De positivo, por isso, temos esta animação toda, para
começar. Temos verdadeiras trocas de ideias, temos bispos “à pancada”, como
acontecia antigamente nos concílios ecuménicos decisivos. Temos um modelo em
que, a confiar no que o Papa tem dito, aquilo que sai do sínodo vai mesmo ser
tido em linha de conta para qualquer decisão final.
Em relação à temática tivemos vários meses com a Igreja a
aprofundar temas que nos tocam a todos, porque a família é verdadeiramente a
célula base da sociedade e quando está mal é esta que sofre.
Mas nem tudo foi bom. É natural haver diferenças de
opinião e até discussões, mas é um bocado triste ver que mesmo entre os
sucessores dos apóstolos há politiquices e manhas. Eu até acredito que seja
inevitável, que seja sempre assim, até certo ponto, mas quando fica exposto
custa mais. A leitura do relatório intercalar, com o cardeal Peter Erdo a ter
de assumir a autoria de um texto com o qual claramente estava em profundo
desacordo; o facto de se ter produzido um documento que, a julgar não só pelas
palavras de vários bispos mas também pela votação final, não traduzia
minimamente a opinião dos padres conciliares... tudo isso custa a ver.
Porque não se podem esquecer, os nossos bispos, que muita
gente ficou com esperanças de que este sínodo se traduzisse numa alteração das
regras em relação a questões que são para elas feridas em aberto. Não estou
agora a ajuizar se essas mudanças seriam benéficas ou não, apenas que havia
muita gente a quem foi dada esperança que afinal era infundada. Isso conduz a
desilusão e a revolta.
Mas talvez uma das coisas mais lamentáveis a que assistimos
foi o extremar total de posições, entre liberais e conservadores. Se me parece,
sinceramente, que muitas das “manobras” a que me referi acima foram levadas a
cabo pelos liberais, também não foi bonito ver a reacção dos defensores do
status quo. Um caso extremo foi em relação ao Cardeal Kasper, figura de proa da
“mudança”, que fez umas declarações muito parvas sobre os africanos, mas que
não eram muito mais do que isso, parvas, e acabou por ser acusado de tudo,
incluindo “racismo e xenofobia”. O triunfalismo nesses dias dos que durante
tanto tempo tinham vivido com o medo de que a sua linha vencesse no sínodo era
palpável, e desagradável.
O discurso
final do Papa foi, neste sentido, absolutamente brilhante e é talvez o
texto com que mais me identifico em todo este processo.
A proposta do Kasper, de haver casos em que as pessoas em
uniões irregulares pudessem comungar, nunca me convenceu inteiramente. Não que
eu seja frontalmente contra a ideia, (como foi evidente quando
escrevi este texto, que deu uma longa discussão e desembocou
neste), mas porque o seu raciocínio nunca me pareceu suficientemente
sólido. Havia coisas vagas que simplesmente deixava no ar e não conseguia
tranquilizar quem dizia que na prática o sistema iria fragilizar a ideia da
indissolubilidade do casamento.
Pior foi a campanha em que depois se lançou, dando
entrevistas atrás de entrevistas, mas reagindo como que ofendido quando o
“outro lado” ripostava; alegando que falava em nome do Papa (mesmo que ele
saiba que o Papa concorda com ele, o Papa tem boca para falar e não precisa da
sua ajuda)... foi-me desencantando cada vez mais e penso que ele acaba por ser
o maior derrotado de toda esta situação, o que é pena, porque a história de um
sínodo não devia ter de ser contada através de vencedores e derrotados.
Foram duas semanas muito intensas, para quem viveu este
sínodo de perto. No meu caso a acompanhar conferências de imprensa na net, a
seguir ao máximo o que se escrevia nas redes sociais, nos órgãos de comunicação
especializados, etc. E a verdade é que ao fim destes dias todos, em que todos
falavam só de rupturas, uniões irregulares, casos dramáticos e complexos,
comecei, talvez tenhamos começado todos, a perder a perspectiva daquilo que
estava verdadeiramente em causa.
Por isso é que tenho a agradecer à minha cunhada e ao meu
cunhado terem marcado o casamento para o dia 18 de Outubro. Certamente não
faziam ideia quando agendaram, mas o facto de eu ter passado o sábado a festejar
o seu casamento e não a acompanhar a recta final do sínodo fez-me mais bem do
que se possa imaginar.
Sentado naquela igreja, a ver uma assembleia repleta de
pessoas com perfeita noção do que se estava a passar; a responder em uníssono
na celebração; com música sacra variada mas sempre belíssima (apesar de me
terem colocado no coro); com cinco sacerdotes à volta do altar, sinal de que
estávamos a assistir ao final de uma caminhada que foi feita sempre em Igreja;
com uma festa a seguir que foi divertidíssima, sem excessos, com uma diversão
sempre saudável e um entrosamento perfeito entre gerações.
Olhar para aqueles dois noivos, um homem e uma mulher,
como Deus quis, a jurar fidelidade e amor para toda a vida, como Deus quis,
unidos não só por um amor multifacetado mas também por uma profunda fé; Sabendo
que estávamos diante de duas pessoas que têm a mais perfeita noção daquilo que
estão a fazer; Sabendo que embora nada esteja garantido nesta vida, ninguém
hesitaria em dizer que acreditamos que sim, este casamento é até que a morte os
separe; Sabendo que há desejo de ter filhos, amor à vida e generosidade para a
acolher.
Enquanto dançava na pista com a minha filha de seis anos,
encantada com tudo aquilo, eu pensava nas duas semanas que se passaram e dizia
para mim: “Deus queira que os bispos que lá estão possam viver experiências
destas. Deus queira que aqueles que estão a falar do casamento não saibam só o
que são os casos perdidos, complexos, nulos ou irremediáveis. Deus queira que
eles tenham sempre presente que quando se fala de casamento é disto que se
fala. Porque se assim for, estamos bem. Mas se não for, então algo está mal.”
Sim, eu lembro-me de quando os sínodos eram maçadores e
chatos. E ainda bem que já não são! Mas mais do que isso, obrigado, Nena e Peu,
por terem salvo o sínodo para mim e por terem mostrado a todos os vossos
convidados o que Deus quer para os seus filhos tão amados.
"O discurso final do Papa foi, neste sentido, absolutamente brilhante e é talvez o texto com que mais me identifico em todo este processo." - concordo totalmente.
ReplyDeleteO discurso do Papa veio trazer a seriedade, paciência, e esperança - e só podia ter chegado no encerramento. Mas foi com imensa surpresa que assisti a pessoas fora do sínodo, a comentar, tudo e mais alguma coisa (mesmo de fonte oficial) não terem esperado pela encerramento do primeiro sínodo (de dois) sobre a família na igreja para realmente ajudar ao aprofundamento das primeiras conclusões. O relatório "intercalar" era útil, mas tornou-se inútil por ter sido mal utilizado pela imprensa, padres, leigos, etc.