Transcrição
integral da entrevista à irmã Maria Vaz Pinto, sobre o seu trabalho de
acompanhamento espiritual de pessoas homossexuais. Pode ler
a entrevista, conforme foi publicada, aqui.
Há quanto tempo acompanha
pastoralmente homossexuais?
Eu
não trabalho propriamente numa “pastoral dos homossexuais”. Faço um trabalho
pastoral com jovens ou adultos onde aparecem pessoas que são homossexuais.
A
primeira vez que alguém me contou que temia ser homossexual, foi há uns 14-15
anos e a primeira vez que acompanhei uma pessoa homossexual foi há cerca de 10
anos.
O seu trabalho é
especificamente com mulheres, ou também com homens?
O meu trabalho pastoral é com todas as pessoas, homens e
mulheres. No entanto, é verdade que para um acompanhamento espiritual me
procuram mais mulheres que homens. Talvez pela simples razão de que uma mulher
se pode sentir mais à vontade, para falar da sua intimidade, com outra mulher.
Quais diria
serem as principais questões entre os homossexuais?
A
primeira questão que me põem é a possibilidade do amor de Deus: “Deus, e os
outros, podem gostar de mim ‘assim’? E a luta interior que esta dúvida causa: “Mas
foi Deus que me criou ‘assim’!...” Depois, vem a questão da aceitação pessoal: “Como
é que aquilo que define melhor uma pessoa, a sua capacidade de amar, em mim
está ‘errado’”?
A proposta da
Igreja para estes casos é de uma vida casta. Na prática, considera que é útil
ou fácil fazer esta proposta às pessoas com quem trabalha?
Diria
que é necessário fazer essa proposta por fidelidade à Igreja.
Também
diria que não é fácil, sobretudo quando a pessoa não se sente capaz ou chamada
a viver uma vida de celibato, ou já escolheu uma vida sexual activa.
Aí
aparecem muitas vezes os problemas de pertença ou de experiência de exclusão da
Igreja: “Como é que a Igreja pode pedir a todas as pessoas homossexuais que
sejam celibatárias? Eu não me sinto chamado a ser celibatário… Então, não posso
pertencer à Igreja? Não posso aceder aos sacramentos? Não tenho lugar nela?”
O facto de ser
celibatária permite-lhe transmitir essa ideia com outra credibilidade?
O
facto de ser celibatária permite-me dizer às pessoas – a qualquer pessoa – que
é possível amar plenamente sendo celibatária, e acho que pode ajudar a
relativizar ou dissociar a ideia de que para ser feliz é necessário ser casado
ou ter uma vida sexual activa.
Para os casos em
que a pessoa diz que não pode, ou não quer, viver em castidade, que abordagem
procura?
Procuro
fazer caminho com a pessoa a partir do “lugar” em que ela está; ajudá-la a
encontrar-se com o amor de Deus e, desde aí, “responder-Lhe” com uma vida de
amor e serviço aos outros. Se a pessoa, conhecendo a orientação da Igreja, em
consciência e no pleno uso da sua liberdade, vê que não pode, ou não quer,
viver o celibato que a Igreja lhe propõe, procuro ajudá-la a viver uma relação
estável, um “amor até ao fim”, em fidelidade, generosidade e entrega totais.
Existe revolta
entre estas pessoas para com a Igreja?
Em
algumas, sim, mas não em todas.
Algumas,
sentem-se excluídas ou muito culpabilizadas por não poderem viver o que a
Igreja propõe e, por isso, revoltam-se e zangam-se muito. Essas, geralmente,
afastam-se da Igreja e chegam mesmo a cortar a relação com Deus.
Outras
vivem o seu sentimento de pertença à Igreja com luta e sofrimento mas não com
revolta, esperando que a Igreja, um dia, possa reconhecer a condição
homossexual como uma possibilidade antropológica e não como perversão ou
pecado.
Na sua
experiência, os homossexuais defendem o casamento entre pessoas do mesmo sexo
ou a adopção por homossexuais e consideram que quem se opõe a estas questões é
homofóbico?
Eu
não generalizaria: Nem todas pensam dessa maneira.
Algumas
vivem fielmente a proposta da Igreja e, por isso, o casamento e a adopção estão
fora do seu mundo de possibilidades. Por outro lado, muitas das que desejam
para si o casamento e adopção, fizeram um longo caminho até chegar aí e
reconhecem, por isso, que as outras pessoas também têm direito a fazer esse
caminho de aceitação e respeito, que leva tempo. No entanto, parece-me que, a
todas, lhes custará muito não poderem viver o amor como as pessoas
heterossexuais o vivem.
Certamente
haverá muitos homossexuais que sentem um conflito interior entre a sua fé e a
sua orientação sexual. Que mensagem tem para eles?
Que
não duvidem nunca do amor infinito de Deus por eles, tal como são e como estão.
Que
procurem com seriedade a sua verdade mais profunda, sem se deixarem influenciar
por correntes, amizades ou relações casuais, que os arrastem para onde não
querem ir ou os levem a fingir ser outra coisa diferente daquilo que são.
Que
sejam fieis a essa verdade que vão descobrindo de si próprios e ao caminho que
Deus vai fazendo com e em cada um e cada uma.
Que
não se deixem prender pelo egoísmo numa autocomplacência vitimista nem numa
agressividade castigadora, mas que se abram aos outros, generosamente, numa
vida de amor, entrega e serviço.
E para as
famílias de pessoas que são homossexuais? Como é que uma família cristã devia
reagir num caso destes?
Às
famílias eu diria que, antes de ser um ou uma “homossexual”, o seu familiar é filho
ou filha, irmão ou irmã, primo ou prima, sobrinho ou sobrinha… E que, ainda
antes disso, é uma pessoa humana cheia de dignidade, filho ou filha de Deus. E
que, assim como Deus nos ama tal como somos, não há outro caminho para nós
senão o do amor incondicional.
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