Publicamos aqui as respostas, na íntegra, de Rimont, de
25 anos e membro da Courage no Brasil. As respostas foram enviadas por escrito.
Alguma da linguagem foi “aportuguesada” e fiz emendas de pontuação, mas não
cortei qualquer resposta.
A notícia respectiva pode ser
lida aqui.
Está a decorrer em
Lisboa um encontro de associações homossexuais católicas. Ouviram falar nesse
encontro?
Não soubemos do evento. Além da distância geográfica
óbvia, pesou neste desconhecimento, provavelmente, a natureza do encontro, que
se dirige às pessoas que tomaram outras resoluções diante da fé católica e os
desafios da atracção pelo mesmo sexo (AMS).
Nós, membros do apostolado Coragem, fiéis ao que nos pede
a Santa Madre Igreja no Catecismo e em tantos outros documentos, optamos por
viver castamente e buscar a santidade, tal como nos pede também Nosso Senhor
Jesus Cristo e tal como viveram os santos homens e mulheres que nos inspiram
até hoje e por nós intercedem no Céu.
A associação
brasileira que participa chama-se “Diversidade Católica”. Que comentário lhes
merece essa associação?
Desconhecemos o trabalho em detalhes. O que conhecemos é
a unidade em Cristo e Sua Igreja. A diversidade da Igreja existe apenas
enquanto permanece ligada à mesma raiz que é Cristo e não há outra forma de
mostrar esse vínculo senão pela fidelidade ao que nos ensinou Jesus, Nosso
Senhor, e que foi transmitido pelos Apóstolos e seus sucessores ao longo dos
séculos.
Elementos que diferem entre si apenas pela negação e pelo
protesto em favor de novidades desordenadas não podem naturalmente coexistir e
formar uma unidade orgânica - se fosse possível, seria como um corpo cujos
membros se repelem entre si, pois não aceitam os comandos da Cabeça.
A verdadeira e justa diferença só encontra sua vitalidade
na obediência e na humildade, mesmo quando são virtudes difíceis de se praticar
- o que, aliás, as torna ainda mais heróicas e meritórias.
Acreditamos que Deus tem, com respeito a cada um de nós,
um amor particular e infinito, um caminho de santidade próprio e a cruz
correspondente, que não falta a ninguém. Assim, todos nos identificamos uns com
os outros porque nos vemos irmãos na mesma fé e filhos do mesmo Pai do Céu,
fiéis ao mesmo propósito de conversão e santidade, o que não nos impede de ver
também as diferenças dos dons, que colocamos a serviço de Deus e do próximo, e
das cruzes, que carregamos cotidianamente a exemplo de Nosso Senhor. Essa é,
assim cremos, uma autêntica diversidade católica.
Há ideia de
quantas pessoas a Courage acompanha no Brasil? Há quanto tempo existe no vosso
país?
Acompanhamos directamente cerca de cinquenta pessoas, actualmente,
e outras centenas indirectamente, por meio das publicações na Internet.
Acreditamos, porém, que conseguimos falar a outras mais, devido às várias
ferramentas de compartilhamento disponíveis no mundo virtual. Muitos irmãos e
muitas irmãs, que carregam a mesma cruz, devem-nos acompanhar em silêncio,
lendo nossos textos e ouvindo nossas palestras, talvez esperando que algum dia
demos a grata notícia que começaremos um grupo na sua paróquia.
Somos poucos e temos algumas limitações que as obrigações
de estado nos impõem, mas estamos disponíveis sempre para acolher, mesmo que
simplesmente pelo correio electrónico. Buscamos responder a todos que nos
escrevem e fazer um acompanhamento mais próximo, se for o caso - pois há os que
nos escrevem apenas para saber do apostolado; informação que damos com muito
gosto.
O nosso serviço começou há pouco tempo, desde 2009, e
cresce a cada dia, graças ao Bom Deus.
A Courage encoraja
os seus membros a viver uma vida de castidade no celibato. Isto é difícil para
qualquer pessoa solteira… há uma dificuldade acrescida quando se tem atracção
por pessoas do mesmo sexo?
Nosso director, Pe. Paul Check, gosta de citar que a
castidade, como qualquer virtude, é uma força da alma. A própria etimologia da
palavra nos sugere: uirtus que, em latim, significa a força viril.
De facto, a castidade não é uma dificuldade, nem
acrescenta um fardo, mas ela é o motor que nos põe em marcha para praticar mais
livremente e perfeitamente o amor que nos ensina Nosso Senhor. Muitas vezes nos
queixamos que a vida é difícil e fazemos isso enquanto apontamos os obstáculos
ou o grande número de tarefas. Porém nós nos esquecemos frequentemente que a
dificuldade não nos fala sobre a complexidade e as exigências das nossas
tarefas, mas, sim, da nossa fraqueza em atendê-las.
Eis que Deus nos dá a castidade para nos fortalecer e, se
houver alguma dúvida sobre as nossas capacidades naturais, Ele nos oferece,
ainda, a Sua graça, em abundância. "Pedi e recebereis", diz o Senhor.
Ora, o sexo e os desejos sexuais trazem consigo muitos
desafios, especialmente: o desafio de amar alguém do sexo oposto dentro de uma
aliança para a vida inteira, com aquela obediente e responsável abertura à vida
dos filhos que Deus enviar.
Semelhantemente, no que toca à situação da pessoa com
AMS, os desafios mais decisivos não se resumem à libido, como muitos fazem
parecer. A moderação do apetite sexual se consegue com as ferramentas que
Igreja sempre indicou: fuga das ocasiões de pecado, oração, recebimento dos
sacramentos e jejum. Resta, contudo, o desafio de sair das atitudes de
vitimismo e de isolamento. É necessário amar assim como Cristo nos pede para
fazer. Por isso, o apostolado Coragem insiste na recomendação da Igreja e dos
santos, como São Francisco de Sales e Santo Afonso Maria de Ligório, de que a
pessoa precisa se abrir ao próximo, sair de si mesmo, cultivar as amizades
espirituais e castas.
Para esse desafio também, Deus nos ajuda e, cremos, o
apostolado Coragem é um dos meios dos quais Ele se vale para fazer isso.
Alguns activistas
homossexuais dizem que esta recomendação de celibato pode levar a danos
psicológicos, frustração, repressão de sentimentos… Como comentam?
O celibato não é a frustração de um desejo, mas a
recondução dele ao seu propósito original, nem é sua repressão, mas sua
moderação, para que se expresse ordenadamente, segundo o seu fim próprio.
A conversa de que pessoas celibatárias degeneram-se até a
loucura é bem antiga. Não é estranha também sua associação com a frieza, o
distanciamento emocional, o farisaísmo e atitudes semelhantes.
Entretanto, qualquer um que conheça um convento de
freiras – eu, ao menos, conheço alguns muito bons – conhece também como as
irmãs cultivam um grave senso de realidade – melhor que o de muitos
experimentados na vida –, são muito afectuosas e conservam sempre, não importa
a idade, um brilho jovial nos olhos, próprio da pureza mantida desde a mais
tenra idade. Qualquer um que tenha bons amigos monges - até mesmo um monge
budista, quem sabe – pode ter a mesma impressão com respeito a eles.
Como diz o padre Groeschel, morto recentemente, em seu
livro "Courage to be chaste", o problema existe no irrealismo com que
alguns buscam a castidade, ou quando tentam negar sua realidade sexual e afectiva,
ou quando tentam abraçá-la sem a prudência necessária. O segredo, como nos
ensina o padre, é viver castamente, enquanto admitimos sem máscaras as nossas
fraquezas, trabalhamos para cultivar as castas amizades e progredimos
alegremente no amor cristão, buscando lidar criativamente com os desafios que
aparecerem. Ao invés de uma prisão de regras, o celibato é, na verdade,
libertador. Ele nos ensina que podemos amar e sermos amados, independentemente
da atracção pelo mesmo sexo e seus desafios.
Pe. Groeschel |
A Igreja, enquanto Corpo Místico de Cristo, é perfeita na
sua acolhida. Pessoalmente, quando eu me vi aos 14 anos sendo amado por Jesus e
pela multidão dos santos e dos anjos, fiquei muitíssimo tocado e soube que não
havia nenhum outro lugar que me acolheria daquele jeito.
O que preocupa, porém, leigos e padres, muito
provavelmente também os leitores, é o testemunho do cristão que está na
comunidade paroquial. Sejamos claros e coloquemo-nos todos no lugar desse
cristão, pois somos ele. Nós já gastamos muito tempo apontando o dedo para os
outros, denunciando suas atitudes enquanto mostramos nossos elevados
princípios. A hora é de exame de consciência e conversão.
O mandamento já nos foi dado: "Amar ao próximo como
a si mesmo". Então, como eu tenho acolhido meu irmão, minha irmã, em
Cristo, na comunidade? Seja ele quem for, tenha ele feito o que for. Eu o
escuto? Eu o aconselho a se aproximar de Deus? Busco compreendê-lo? Adianto-me
em ver e atender suas necessidades, se isto estiver ao meu alcance? Ajudo-o a
fazer um exame de consciência, que o desperte para o mal que esteja
eventualmente fazendo a si mesmo ou a outros? Mostro com acções concretas que
estou próximo e que não lhe virarei as costas, nem o abandonarei de uma hora
para outra?
Se cada um se dedicar a este exame de consciência, fizer
novo propósito de amar como Cristo nos pede e agir, creio que não haverá
nenhuma recomendação a acrescentar a quem quer que seja e sobre o assunto que
for.
O que resta dizer, na verdade, é um pedido. Que os bispos
e os presbíteros nos ajudem a levar este trabalho do apostolado Coragem para as
várias dioceses, paróquias e comunidades. Qualquer católico pode, com a sua
amizade, ajudar uma pessoa que tenha AMS, porém o apostolado possui o programa
e as ferramentas apropriados para atender às questões que nem sempre alguém com
AMS se sente à vontade para partilhar com quem não passa pelo mesmo. A
especificidade do nosso serviço só tem a somar e contribuir com as comunidades.
Pode contar-nos um
pouco da sua experiência pessoal? Sempre foi católica, ou converteu-se? Sempre
teve esta forma de viver a sua orientação sexual? A sua família acompanha e
apoia, ou não sabe sequer? No caso de ter amigos homossexuais que não optam por
esta via, como é que reagem à sua opção?
Eu nasci numa família católica, porém o meu pai e a minha
mãe tornaram-se espíritas depois de um tempo e eu não tive formação religiosa
na infância.
No meu coração, notei sempre um chamado à vida com Deus.
Mais tarde, minha imaginação juvenil tacteou muitas crenças confusas em
espíritos, magia e realidades ocultas, à procura desse Alguém que me via tal
como eu era. Isto era-me muito caro, pois eu notava em mim a atracção pelo
mesmo sexo desde os cinco anos. Não era algo erotizado, mas tornou-se depois,
com o tempo.
Aos catorze anos, dentro de um processo de toda família
de retornar à fé Católica, participei num retiro espiritual, organizado por
jovens da minha paróquia, e lá eu ouvi pela primeira vez e aceitei que Jesus
Cristo é o Senhor, meu Salvador, Aquele que sempre esteve comigo e me amou
infinitamente.
Quando li o Evangelho segundo São Mateus pela primeira
vez, lágrimas caíam copiosamente dos meus olhos e um desejo ardente queimava no
meu peito, dizendo-me que naquelas páginas estava uma palavra verdadeira, que
fazia ressonância total com todas as aspirações da minha alma.
Foi quando eu me converti à fé Católica, que decidi abrir-me
com os meus pais sobre a minha situação. Contei-lhes tudo depois daquele
retiro. Graças ao Bom Deus, eles me acolheram e apoiaram-me. Conversaram comigo
sobre suas adolescências e seus namoros, seus desafios e como se conheceram e
se casaram. Os meus pais casaram-se virgens, os dois. Comemoram 26 anos de
matrimónio este ano. Eles me ajudaram a procurar ajuda, primeiro psicológica e,
depois, pastoral.
A psicóloga ajudou-me muito. Contrariamente ao que devem
pensar agora os leitores – suspeito –, eu não fui fazer terapia reparativa.
Nunca passou pela minha cabeça seriamente a ideia de superar a AMS. De algum
modo que não sei explicar, eu via que, no máximo, eu aprenderia a lidar com
ela, conhecer suas raízes e tratá-las, na expectativa de que, pelo menos, a
forma de eu me relacionar comigo mesmo e com os outros melhorasse. Os padres
com quem conversei me ajudaram no mesmo sentido.
No site do
apostolado, eu falo mais da minha história. Basta procurar por
"testemunho de Rimont".
Eu tenho amigos que aderiram às práticas homossexuais e
alguns estão em relacionamentos. Não me abro com eles sobre o assunto e isso
porque eles não têm o mesmo propósito de vida. Amo-os e respeito-os. Sei que
eles não compreendem uma decisão como a minha, mas não os culpo, pois julgam de
acordo com o que sabem da realidade. Vejo as suas dificuldades e rezo por eles,
sempre. Noto também como sofrem por razões que ignoram, mas que eu vejo
claramente hoje, graças à fé. Busco não os confrontar sobre o assunto, pois,
antes de lhes falar sobre moral, eu tento apresenta-los ao Jesus que os ama.
Tudo começou para mim no encontro com a pessoa de Nosso
Senhor. Amparado nas catequeses de Bento XVI e Francisco, estou persuadido que
será assim com eles, também.
Que mensagem tem
para quem vive actualmente o dilema de tentar conciliar a sua orientação sexual
com a sua fé?
Ao meu irmão e à minha irmã de cruz, eu dirijo as
seguintes palavras. Eu sei que é difícil. Você não está sozinho.
Andamos neste mundo à procura de alguém que nos veja, nos
escute e entenda. Sentimos a falta da proximidade de um amigo que nos enxergue
além das máscaras, mesmo aquelas que colocamos com a desculpa de "sermos
livres" ou "nós mesmos".
Como você, eu já chorei muitas vezes, no quarto, antes de
dormir, abafando os soluços com o travesseiro, porque eu me sentia muito
sozinho. Nada me doía mais do que esse isolamento, nem mesmo os xingamentos de
"viado", "bixa", "maricas".
Eu vivi assim por nove anos, até que eu conheci Jesus e
Seu amor por mim.
Não sei como posso descrever isto. Em meu coração eu
ouvia uma voz que me dizia para amar o próximo e Jesus me disse o mesmo nos Evangelhos.
Em meu coração eu ouvia uma voz que me dizia estar próximo de mim e Jesus me
disse o mesmo no Apocalipse: "Eis que eu estou à porta e bato. Quem abrir,
eu entrarei e nós cearemos juntos". Eu queria conhecer alguém que me
acolhesse e me amasse, independentemente dos meu erros do passado, e eu vi
aquele homem, Jesus de Nazaré, chamar a Levi, o cobrador de impostos, e
dizer-lhe "Hoje eu vou a sua casa". E Jesus foi. E ele esteve entre
pecadores públicos, como um médico perto dos enfermos. Ele não os repeliu, não
os rejeitou, mas amou e apostou neles, que eles podiam mudar de vida e ser
pessoas melhores.
Ele entregou-se na cruz por mim, por eles e por você,
deixando jorrar o sangue até Lhe secar as medulas. Fez para pagar o preço das
nossas almas e fê-lo gratuitamente.
Nunca ninguém nos amará assim, nem é possível que alguém
assim nos proponha algo que nos faça mal, ou que nos afaste de si. Assim, Ele
nos deixou um caminho de amor que exige a castidade, também para nós que temos
este espinho na carne. Tantas vezes pensei - creio que você também - que seria
mais feliz se não o tivesse. Talvez eu conseguisse ser uma pessoa melhor. Mas
eu enganei-me. Os sofrimentos que me afligiam antes, trazem-me hoje o consolo
da presença e união com o Senhor. Cristo abraçou a cruz e Ele nos pede para
abraçar, também, junto com ele.
Pe. Paul Check |
"Basta-te a minha graça", disse Ele a São
Paulo. Ele está connosco. Jesus não nos propõe com a castidade nada que seja
contra nossa natureza, nada que nos violenta. Pelo contrário, Ele nos propõe
algo que atende ao mais profundo dos nossos anseios. Amar!
Para isso, não tenha medo. As pessoas não vão saber mais
sobre você, se algum dia você lhes contar sobre a AMS. Isso não fará diferença,
pois os desejos homossexuais não definem quem você é.
Então não tema que as pessoas se aproximem, não tema se
aproximar delas, não tema servir os mais necessitados e amar o Cristo presente
neles. Deixe seu coração se alargar com generosidade e não desista de investir
na prática do bem e da virtude. O isolamento não é o melhor jeito de lidar com
a AMS, nem a fuga para as práticas homossexuais.
Coragem! Ame como Cristo ama. Seus irmãos e irmãs no
Brasil rezam por você.
Escreva-nos, que estamos aqui para ajudar também. Mais
uma vez: você não está sozinho. Nos corações de Jesus e Maria. Um abraço
fraterno.
Leia
também a entrevista feita a George Day, do apostolado Courage, no Reino UnidoLeia também a entrevista feita à irmã Maria Vaz Pinto
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