Monday 13 October 2014

“Os desejos homossexuais não definem que és”

Publicamos aqui as respostas, na íntegra, de Rimont, de 25 anos e membro da Courage no Brasil. As respostas foram enviadas por escrito. Alguma da linguagem foi “aportuguesada” e fiz emendas de pontuação, mas não cortei qualquer resposta.

A notícia respectiva pode ser lida aqui.

Está a decorrer em Lisboa um encontro de associações homossexuais católicas. Ouviram falar nesse encontro?
Não soubemos do evento. Além da distância geográfica óbvia, pesou neste desconhecimento, provavelmente, a natureza do encontro, que se dirige às pessoas que tomaram outras resoluções diante da fé católica e os desafios da atracção pelo mesmo sexo (AMS).

Nós, membros do apostolado Coragem, fiéis ao que nos pede a Santa Madre Igreja no Catecismo e em tantos outros documentos, optamos por viver castamente e buscar a santidade, tal como nos pede também Nosso Senhor Jesus Cristo e tal como viveram os santos homens e mulheres que nos inspiram até hoje e por nós intercedem no Céu.

A associação brasileira que participa chama-se “Diversidade Católica”. Que comentário lhes merece essa associação?
Desconhecemos o trabalho em detalhes. O que conhecemos é a unidade em Cristo e Sua Igreja. A diversidade da Igreja existe apenas enquanto permanece ligada à mesma raiz que é Cristo e não há outra forma de mostrar esse vínculo senão pela fidelidade ao que nos ensinou Jesus, Nosso Senhor, e que foi transmitido pelos Apóstolos e seus sucessores ao longo dos séculos.

Elementos que diferem entre si apenas pela negação e pelo protesto em favor de novidades desordenadas não podem naturalmente coexistir e formar uma unidade orgânica - se fosse possível, seria como um corpo cujos membros se repelem entre si, pois não aceitam os comandos da Cabeça.

A verdadeira e justa diferença só encontra sua vitalidade na obediência e na humildade, mesmo quando são virtudes difíceis de se praticar - o que, aliás, as torna ainda mais heróicas e meritórias.

Acreditamos que Deus tem, com respeito a cada um de nós, um amor particular e infinito, um caminho de santidade próprio e a cruz correspondente, que não falta a ninguém. Assim, todos nos identificamos uns com os outros porque nos vemos irmãos na mesma fé e filhos do mesmo Pai do Céu, fiéis ao mesmo propósito de conversão e santidade, o que não nos impede de ver também as diferenças dos dons, que colocamos a serviço de Deus e do próximo, e das cruzes, que carregamos cotidianamente a exemplo de Nosso Senhor. Essa é, assim cremos, uma autêntica diversidade católica.

Há ideia de quantas pessoas a Courage acompanha no Brasil? Há quanto tempo existe no vosso país?
Acompanhamos directamente cerca de cinquenta pessoas, actualmente, e outras centenas indirectamente, por meio das publicações na Internet. Acreditamos, porém, que conseguimos falar a outras mais, devido às várias ferramentas de compartilhamento disponíveis no mundo virtual. Muitos irmãos e muitas irmãs, que carregam a mesma cruz, devem-nos acompanhar em silêncio, lendo nossos textos e ouvindo nossas palestras, talvez esperando que algum dia demos a grata notícia que começaremos um grupo na sua paróquia.

Somos poucos e temos algumas limitações que as obrigações de estado nos impõem, mas estamos disponíveis sempre para acolher, mesmo que simplesmente pelo correio electrónico. Buscamos responder a todos que nos escrevem e fazer um acompanhamento mais próximo, se for o caso - pois há os que nos escrevem apenas para saber do apostolado; informação que damos com muito gosto.

O nosso serviço começou há pouco tempo, desde 2009, e cresce a cada dia, graças ao Bom Deus.

A Courage encoraja os seus membros a viver uma vida de castidade no celibato. Isto é difícil para qualquer pessoa solteira… há uma dificuldade acrescida quando se tem atracção por pessoas do mesmo sexo?
Nosso director, Pe. Paul Check, gosta de citar que a castidade, como qualquer virtude, é uma força da alma. A própria etimologia da palavra nos sugere: uirtus que, em latim, significa a força viril.

De facto, a castidade não é uma dificuldade, nem acrescenta um fardo, mas ela é o motor que nos põe em marcha para praticar mais livremente e perfeitamente o amor que nos ensina Nosso Senhor. Muitas vezes nos queixamos que a vida é difícil e fazemos isso enquanto apontamos os obstáculos ou o grande número de tarefas. Porém nós nos esquecemos frequentemente que a dificuldade não nos fala sobre a complexidade e as exigências das nossas tarefas, mas, sim, da nossa fraqueza em atendê-las.

Eis que Deus nos dá a castidade para nos fortalecer e, se houver alguma dúvida sobre as nossas capacidades naturais, Ele nos oferece, ainda, a Sua graça, em abundância. "Pedi e recebereis", diz o Senhor.

Ora, o sexo e os desejos sexuais trazem consigo muitos desafios, especialmente: o desafio de amar alguém do sexo oposto dentro de uma aliança para a vida inteira, com aquela obediente e responsável abertura à vida dos filhos que Deus enviar.

Semelhantemente, no que toca à situação da pessoa com AMS, os desafios mais decisivos não se resumem à libido, como muitos fazem parecer. A moderação do apetite sexual se consegue com as ferramentas que Igreja sempre indicou: fuga das ocasiões de pecado, oração, recebimento dos sacramentos e jejum. Resta, contudo, o desafio de sair das atitudes de vitimismo e de isolamento. É necessário amar assim como Cristo nos pede para fazer. Por isso, o apostolado Coragem insiste na recomendação da Igreja e dos santos, como São Francisco de Sales e Santo Afonso Maria de Ligório, de que a pessoa precisa se abrir ao próximo, sair de si mesmo, cultivar as amizades espirituais e castas.

Para esse desafio também, Deus nos ajuda e, cremos, o apostolado Coragem é um dos meios dos quais Ele se vale para fazer isso.

Alguns activistas homossexuais dizem que esta recomendação de celibato pode levar a danos psicológicos, frustração, repressão de sentimentos… Como comentam?
O celibato não é a frustração de um desejo, mas a recondução dele ao seu propósito original, nem é sua repressão, mas sua moderação, para que se expresse ordenadamente, segundo o seu fim próprio.

A conversa de que pessoas celibatárias degeneram-se até a loucura é bem antiga. Não é estranha também sua associação com a frieza, o distanciamento emocional, o farisaísmo e atitudes semelhantes.

Entretanto, qualquer um que conheça um convento de freiras – eu, ao menos, conheço alguns muito bons – conhece também como as irmãs cultivam um grave senso de realidade – melhor que o de muitos experimentados na vida –, são muito afectuosas e conservam sempre, não importa a idade, um brilho jovial nos olhos, próprio da pureza mantida desde a mais tenra idade. Qualquer um que tenha bons amigos monges - até mesmo um monge budista, quem sabe – pode ter a mesma impressão com respeito a eles.

Como diz o padre Groeschel, morto recentemente, em seu livro "Courage to be chaste", o problema existe no irrealismo com que alguns buscam a castidade, ou quando tentam negar sua realidade sexual e afectiva, ou quando tentam abraçá-la sem a prudência necessária. O segredo, como nos ensina o padre, é viver castamente, enquanto admitimos sem máscaras as nossas fraquezas, trabalhamos para cultivar as castas amizades e progredimos alegremente no amor cristão, buscando lidar criativamente com os desafios que aparecerem. Ao invés de uma prisão de regras, o celibato é, na verdade, libertador. Ele nos ensina que podemos amar e sermos amados, independentemente da atracção pelo mesmo sexo e seus desafios.

Pe. Groeschel
O que pensam da forma como a Igreja acolhe as pessoas com atracção pelo mesmo sexo? Que recomendariam à hierarquia?
A Igreja, enquanto Corpo Místico de Cristo, é perfeita na sua acolhida. Pessoalmente, quando eu me vi aos 14 anos sendo amado por Jesus e pela multidão dos santos e dos anjos, fiquei muitíssimo tocado e soube que não havia nenhum outro lugar que me acolheria daquele jeito.

O que preocupa, porém, leigos e padres, muito provavelmente também os leitores, é o testemunho do cristão que está na comunidade paroquial. Sejamos claros e coloquemo-nos todos no lugar desse cristão, pois somos ele. Nós já gastamos muito tempo apontando o dedo para os outros, denunciando suas atitudes enquanto mostramos nossos elevados princípios. A hora é de exame de consciência e conversão.

O mandamento já nos foi dado: "Amar ao próximo como a si mesmo". Então, como eu tenho acolhido meu irmão, minha irmã, em Cristo, na comunidade? Seja ele quem for, tenha ele feito o que for. Eu o escuto? Eu o aconselho a se aproximar de Deus? Busco compreendê-lo? Adianto-me em ver e atender suas necessidades, se isto estiver ao meu alcance? Ajudo-o a fazer um exame de consciência, que o desperte para o mal que esteja eventualmente fazendo a si mesmo ou a outros? Mostro com acções concretas que estou próximo e que não lhe virarei as costas, nem o abandonarei de uma hora para outra?

Se cada um se dedicar a este exame de consciência, fizer novo propósito de amar como Cristo nos pede e agir, creio que não haverá nenhuma recomendação a acrescentar a quem quer que seja e sobre o assunto que for.

O que resta dizer, na verdade, é um pedido. Que os bispos e os presbíteros nos ajudem a levar este trabalho do apostolado Coragem para as várias dioceses, paróquias e comunidades. Qualquer católico pode, com a sua amizade, ajudar uma pessoa que tenha AMS, porém o apostolado possui o programa e as ferramentas apropriados para atender às questões que nem sempre alguém com AMS se sente à vontade para partilhar com quem não passa pelo mesmo. A especificidade do nosso serviço só tem a somar e contribuir com as comunidades.

Pode contar-nos um pouco da sua experiência pessoal? Sempre foi católica, ou converteu-se? Sempre teve esta forma de viver a sua orientação sexual? A sua família acompanha e apoia, ou não sabe sequer? No caso de ter amigos homossexuais que não optam por esta via, como é que reagem à sua opção?
Eu nasci numa família católica, porém o meu pai e a minha mãe tornaram-se espíritas depois de um tempo e eu não tive formação religiosa na infância.

No meu coração, notei sempre um chamado à vida com Deus. Mais tarde, minha imaginação juvenil tacteou muitas crenças confusas em espíritos, magia e realidades ocultas, à procura desse Alguém que me via tal como eu era. Isto era-me muito caro, pois eu notava em mim a atracção pelo mesmo sexo desde os cinco anos. Não era algo erotizado, mas tornou-se depois, com o tempo.

Aos catorze anos, dentro de um processo de toda família de retornar à fé Católica, participei num retiro espiritual, organizado por jovens da minha paróquia, e lá eu ouvi pela primeira vez e aceitei que Jesus Cristo é o Senhor, meu Salvador, Aquele que sempre esteve comigo e me amou infinitamente.

Quando li o Evangelho segundo São Mateus pela primeira vez, lágrimas caíam copiosamente dos meus olhos e um desejo ardente queimava no meu peito, dizendo-me que naquelas páginas estava uma palavra verdadeira, que fazia ressonância total com todas as aspirações da minha alma.

Foi quando eu me converti à fé Católica, que decidi abrir-me com os meus pais sobre a minha situação. Contei-lhes tudo depois daquele retiro. Graças ao Bom Deus, eles me acolheram e apoiaram-me. Conversaram comigo sobre suas adolescências e seus namoros, seus desafios e como se conheceram e se casaram. Os meus pais casaram-se virgens, os dois. Comemoram 26 anos de matrimónio este ano. Eles me ajudaram a procurar ajuda, primeiro psicológica e, depois, pastoral.

A psicóloga ajudou-me muito. Contrariamente ao que devem pensar agora os leitores – suspeito –, eu não fui fazer terapia reparativa. Nunca passou pela minha cabeça seriamente a ideia de superar a AMS. De algum modo que não sei explicar, eu via que, no máximo, eu aprenderia a lidar com ela, conhecer suas raízes e tratá-las, na expectativa de que, pelo menos, a forma de eu me relacionar comigo mesmo e com os outros melhorasse. Os padres com quem conversei me ajudaram no mesmo sentido.

No site do apostolado, eu falo mais da minha história. Basta procurar por "testemunho de Rimont".

Eu tenho amigos que aderiram às práticas homossexuais e alguns estão em relacionamentos. Não me abro com eles sobre o assunto e isso porque eles não têm o mesmo propósito de vida. Amo-os e respeito-os. Sei que eles não compreendem uma decisão como a minha, mas não os culpo, pois julgam de acordo com o que sabem da realidade. Vejo as suas dificuldades e rezo por eles, sempre. Noto também como sofrem por razões que ignoram, mas que eu vejo claramente hoje, graças à fé. Busco não os confrontar sobre o assunto, pois, antes de lhes falar sobre moral, eu tento apresenta-los ao Jesus que os ama.

Tudo começou para mim no encontro com a pessoa de Nosso Senhor. Amparado nas catequeses de Bento XVI e Francisco, estou persuadido que será assim com eles, também.

Que mensagem tem para quem vive actualmente o dilema de tentar conciliar a sua orientação sexual com a sua fé?
Ao meu irmão e à minha irmã de cruz, eu dirijo as seguintes palavras. Eu sei que é difícil. Você não está sozinho.

Andamos neste mundo à procura de alguém que nos veja, nos escute e entenda. Sentimos a falta da proximidade de um amigo que nos enxergue além das máscaras, mesmo aquelas que colocamos com a desculpa de "sermos livres" ou "nós mesmos".

Como você, eu já chorei muitas vezes, no quarto, antes de dormir, abafando os soluços com o travesseiro, porque eu me sentia muito sozinho. Nada me doía mais do que esse isolamento, nem mesmo os xingamentos de "viado", "bixa", "maricas".

Eu vivi assim por nove anos, até que eu conheci Jesus e Seu amor por mim.

Não sei como posso descrever isto. Em meu coração eu ouvia uma voz que me dizia para amar o próximo e Jesus me disse o mesmo nos Evangelhos. Em meu coração eu ouvia uma voz que me dizia estar próximo de mim e Jesus me disse o mesmo no Apocalipse: "Eis que eu estou à porta e bato. Quem abrir, eu entrarei e nós cearemos juntos". Eu queria conhecer alguém que me acolhesse e me amasse, independentemente dos meu erros do passado, e eu vi aquele homem, Jesus de Nazaré, chamar a Levi, o cobrador de impostos, e dizer-lhe "Hoje eu vou a sua casa". E Jesus foi. E ele esteve entre pecadores públicos, como um médico perto dos enfermos. Ele não os repeliu, não os rejeitou, mas amou e apostou neles, que eles podiam mudar de vida e ser pessoas melhores.

Ele entregou-se na cruz por mim, por eles e por você, deixando jorrar o sangue até Lhe secar as medulas. Fez para pagar o preço das nossas almas e fê-lo gratuitamente.

Nunca ninguém nos amará assim, nem é possível que alguém assim nos proponha algo que nos faça mal, ou que nos afaste de si. Assim, Ele nos deixou um caminho de amor que exige a castidade, também para nós que temos este espinho na carne. Tantas vezes pensei - creio que você também - que seria mais feliz se não o tivesse. Talvez eu conseguisse ser uma pessoa melhor. Mas eu enganei-me. Os sofrimentos que me afligiam antes, trazem-me hoje o consolo da presença e união com o Senhor. Cristo abraçou a cruz e Ele nos pede para abraçar, também, junto com ele.

Pe. Paul Check
"Basta-te a minha graça", disse Ele a São Paulo. Ele está connosco. Jesus não nos propõe com a castidade nada que seja contra nossa natureza, nada que nos violenta. Pelo contrário, Ele nos propõe algo que atende ao mais profundo dos nossos anseios. Amar!
Para isso, não tenha medo. As pessoas não vão saber mais sobre você, se algum dia você lhes contar sobre a AMS. Isso não fará diferença, pois os desejos homossexuais não definem quem você é.

Então não tema que as pessoas se aproximem, não tema se aproximar delas, não tema servir os mais necessitados e amar o Cristo presente neles. Deixe seu coração se alargar com generosidade e não desista de investir na prática do bem e da virtude. O isolamento não é o melhor jeito de lidar com a AMS, nem a fuga para as práticas homossexuais.

Coragem! Ame como Cristo ama. Seus irmãos e irmãs no Brasil rezam por você.

Escreva-nos, que estamos aqui para ajudar também. Mais uma vez: você não está sozinho. Nos corações de Jesus e Maria. Um abraço fraterno.

Leia também a entrevista feita a George Day, do apostolado Courage, no Reino Unido
Leia também a entrevista feita à irmã Maria Vaz Pinto

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