O abuso sexual de crianças por padres americanos, que se
tornou um escândalo nacional depois de uma série de artigos publicados no
Boston Globe em 2002, está agora a entrar no seu 11º ano. Esta realidade
satânica, porém, é muito mais antiga. As recentes revelações do que se passou
na arquidiocese de Los Angeles exigem mais um esforço para explicar de forma
plausível esta instância particularmente repugnante daquilo a que Santo
Agostinho chamou o “mistério do mal”.
Antes de olharmos com mais atenção para uma tabela
surpreendente, um pouco de contexto.
Para quem não tem seguido as notícias, na passada
quinta-feira o arcebispo de Los Angeles, José Gomez, suspendeu de qualquer
“dever público ou administrativo” o seu antecessor, o reformado Cardeal Roger
Mahony e também um bispo-auxiliar no activo, Thomas Curry (as faculdades
sacerdotais dos dois, contudo, não foram suspensas). Documentos previamente
confidenciais mostram claramente que ambos os homens conspiraram – este é o termo
mais correcto – para evitar que padres reconhecidamente pedófilos fossem
detidos pelas autoridades.
Na sua declaração oficial sobre os documentos relativos aos
abusos, o Arcebispo Gomez, um homem bom e corajoso que enfrenta muitos outros
desafios numa arquidiocese pejada de caos e dissidência, disse: “Estes
ficheiros constituem leitura brutal e dolorosa. O comportamento descrito neles é
terrivelmente triste e malévolo. Não há desculpas para o que aconteceu a estas
crianças. Os sacerdotes envolvidos tinham a obrigação de serem os seus pais
espirituais, e falharam”.
Ainda não falou de forma tão directa sobre o envolvimento do
Cardeal e do bispo – o tipo de envolvimento que levou o Cardeal Bernard Law
permanentemente a Roma, mesmo antes daquilo que teria certamente sido um
humilhante julgamento na praça pública dos seus próprios falhanços em impedir
vários monstros predadores. Mas o gesto de Gomez diz-nos tudo o que temos de
saber até que os documentos sejam examinados com mais atenção.
A reacção do Cardeal Mahony também nos diz algo, algo que
preferíamos não saber. Ele defendeu-se, dizendo: “Nada no meu historial ou na
minha formação me preparou para lidar com este grave problema”. Certo, isso é
verdade em relação a muitas pessoas, e é verdade que o ambiente naquela altura
era diferente, não só para católicos, com líderes religiosos e autoridades a
agir com uma espécie de acordo silencioso para evitar escândalos envolvendo
clero de qualquer tipo.
Mas Mahony não se ficou por aqui. Ele foi mais longe e
respondeu com uma carta aberta a Gomez: “Quando foste recebido formalmente como
arcebispo a 26 de Maio de 2010 começaste a tomar conhecimento de tudo o que se
tinha feito para proteger os jovens e as crianças ao longo dos anos (...)
Tornaste-te Arcebispo oficial no dia 1 de Março de 2011 e estiveste
pessoalmente envolvido na auditoria de cumprimento de 2012 – que concluiu que
estávamos em total cumprimento... Nenhuma vez ao longo de todos estes anos
levantaste qualquer questão sobre as nossas políticas, práticas ou
procedimentos ao lidar com abusos de menores praticados por clero.”
Tecnicamente, tudo isto deve ser verdade. Mas é uma típica análise
legal da situação – e não o tipo de auto-avaliação moral que esperaríamos – por
parte de um membro da hierarquia que se encontra em maus lençóis precisamente
por causa deste tipo de autodefesa racional.
Há anos que os católicos de esquerda têm clamado contra a
“cultura clerical” que permitiu os encobrimentos, e até certo ponto é uma
acusação justificada – embora não da forma que tentam usá-la para desacreditar
o próprio princípio de um episcopado católico com autoridade.
À direita tem havido várias tentativas de culpar toda esta
confusão na revolução cultural dos anos 60 e na entrada descontrolada de
homossexuais para o sacerdócio. Também aqui há alguma verdade, mas está longe
de ser toda a história.
Esta tabela é retirada de um site da Arquidiocese de Los
Angeles onde se publicaram todos os documentos que tinham sobre os casos de
abusos. O forte aumento de casos entre 1968 e os anos 80 não é surpreendente e
parece confirmar a tese dos conservadores de que o afrouxamento moral também se
fez acompanhar de um aumento de agressões contra crianças.
Mas devemos notar que a tabela também confirma a justificação
do Cardeal de que ele conseguiu diminuir acentuadamente os casos de abusos –
ainda por cima nos mesmos anos em que as denúncias teriam sido muito mais
fáceis de registar e comprovar.
Aquilo que me surpreende é o grande aumento no fim dos anos
50, os anos antes do Vaticano II. Alguns estudos alegam que até 10% dos alunos
do Seminário de São João, em Camarillo, Califórnia, onde estudou o Cardeal
Mahony, acabaram por se envolver em casos de abusos sexuais. Estamos perante
provas da cultura clerical pré-conciliar, ou será outra coisa?
Tenho falado com algumas pessoas que trabalham com este tipo
de problemas há anos e muitos consideram que temos subestimado a influência cultural
do optimismo americano pós-Segunda Guerra Mundial. O sucesso que os católicos
americanos sempre procuraram e que na Igreja se traduziu em largos números de
vocações de todos os géneros, poderá ter levado a uma profunda complacência e
ao falhanço na supervisão dos homens que entravam para os seminários, muito
antes das confusões que se seguiram ao Concílio.
Isto contraria a noção usual de que a paz e a riqueza
facilitam a virtude – mas essa é uma noção americana, não é nem católica nem
filosófica. Os casos relatados nos anos 50, apesar de altos, poderão ser
menores que a realidade uma vez que um grande número de vítimas poderá já ter
morrido ou acharem que são demasiado velhos para querer revisitar experiências
dolorosas de há meio século.
Não há uma única explicação para mal deste tipo e a este
grau. Mas seria errado ignorar esta lição. A complacência é uma tentação
perene.
Poderemos estar diante de uma confirmação do versículo dos
salmos: “O homem que vive na opulência e não reflecte é semelhante aos animais
que são abatidos.”
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did
Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora
disponível em capa mole da Encounter Books.
(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 04 de Fevereiro
2013 em www.thecatholicthing.org)
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Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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