Randall Smith |
Talvez seja por me ter convertido em adulto, mas não estou
tão chocado como a maioria das pessoas pela resignação de Bento XVI. Na verdade
é o choque delas que me choca mais.
O Papa Bento XVI limitou-se a enfrentar um problema que nós,
na América, nos temos recusado a enfrentar. Apesar de dizermos que conseguimos
alargar o tempo médio de vida, o que de facto conseguimos foi anular muitas das
coisas que matam a maioria das pessoas antes de chegarem aos oitenta ou noventa
anos.
Por isso, em vez de morrer rapidamente de pneumonia,
tuberculose ou AVC, como acontecia no passado, hoje os idosos vão vivendo,
embora com capacidades cada vez mais reduzidas, por muitos anos. Por um lado
isto é uma bênção, mas por outro é um desafio.
Quando se estabeleceu pela primeira vez o sistema de
Segurança Social a idade a partir da qual se começava a receber subsídios era
65, porque os homens naquela altura morriam por volta dos 63. A Segurança
Social era entendida como uma “rede de segurança” para apanhar aqueles que
viviam até bem depois da reforma e da “garantia natural” da produtividade
humana. A intenção nunca foi de criar um subsídio de reforma por 25 anos, que é
aquilo em que se tem tornado. A nossa incapacidade de lidar com este facto
conduziu à quase bancarrota do sistema.
Da mesma forma, não sabemos bem o que fazer com as nomeações
vitalícias para o Supremo Tribunal. O que é que se faz quando um juiz se recusa
a partir, apesar de já estar demasiado velho para desempenhar a sua função?
Consta que nos últimos anos do juiz Marshal os seus colegas concordaram que não
o deixariam ser o voto decisivo em casos importantes para que mais tarde esses
votos não pudessem ser considerados “ilegítimos” por causa das suas capacidades
diminuídas.
A veracidade do boato é-me indiferente, o que quero dizer é
que temos um problema que nos recusamos a enfrentar. Os cargos vitalícios
faziam sentido quando os seus ocupantes morriam no espaço de meses depois de
terem sido atingidos por uma maleita mortal. Agora, graças a Deus, temos a
capacidade de viver até mais tarde, gozando longos anos com os nossos netos, e
sobrevivendo como pilares de sabedoria para a sociedade. Mas isso não significa
que seremos todos capazes de desempenhar as funções inerentes aos nossos
ofícios (sendo que “officium” é latim para “dever”).
Lembro-me, quando era mais novo de ouvir falar de
importantes cardeais a morrer em plenas funções aos 65 ou 68 anos. Hoje em dia
pede-se aos bispos que apresentem as suas resignações aos 75. E os cardeais,
independentemente da sua idade ou sabedoria (penso por exemplo nos últimos anos
do Cardeal Dulles), não podem votar no Conclave depois dos 80 anos. Esta
política sempre me pareceu prudente. É evidente que nalguns casos, como do
Cardeal Dulles, perdemos votos importantes, mas há outros que provavelmente
deviam ser dispensados dessa obrigação. Será o Papa a única figura eclesiástica
que está isenta das dificuldades do envelhecimento? É evidente que não.
Os fiéis estão habituados a ter os seus “antigos” bispos e
arcebispos a circular pela diocese, a celebrar missas e a aparecer em público,
fazendo discursos. Alguns deles, como o meu amado bispo emérito John D’Arcy,
que morreu recentemente, estão também a combater os efeitos debilitantes de
doenças como o cancro. Homens destes merecem ser dispensados da atenção
constante dos media e têm direito a alguma paz enquanto entram no processo de
morrer. Porque sejamos honestos: é isso que lhes espera – e a nós também.
Na Idade Média os sábios escreviam tratados sobre a ars
moriendi, a “arte” de morrer e morrer bem. Não tinha nada a ver com as doses
certas de veneno a tomar, era sobre como preparar-se a si e aos seus durante os
últimos meses e dias de vida para poder enfrentar o Criador face a face.
Não se tratava de uma preparação que pudesse ser alcançada
durante um seminário de fim-de-semana ou um churrasco. Era preciso oração,
muita oração, um ofício no qual não há profissionais e no qual poucos são
peritos. Os monges não precisam de reforma. Mas para pessoas que vivem o tipo
de “vida activa” de que tanto nos orgulhamos, e que tiveram poucos momentos na
vida para acalmar a mente e ficar na presença de Deus, a velhice era o tempo
ideal para se habituarem à prática.
Em contraste, no mundo moderno, adoptamos a frase que Dylan
Thomas escreveu ao seu pai, no seu leito da morte: “Rage, rage against the
dying of light. / Do not go gentle into that good night”. Em vez de acompanhar
os nossos idosos, com amor, no seu processo de morte, insistimos que se
comportem como “yuppies” produtivos, ou então escondemo-los para que morram
sozinhos e longe da vista. A nossa é uma cultura verdadeiramente cruel.
O Papa está no processo de morrer, e tudo o que algumas
pessoas conseguem fazer é pensar sobre como a sua partida para uma vida de
oração e preparação para esse momento vai afectar a política deste reino
efémero que julgamos ser tão importante.
Bento XVI serviu-nos bem e sabiamente. Aguardo ansiosamente
mais um ou dois livros, se for esse o seu desejo e o de Deus. Que possa
retirar-se e descansar em paz. E que os católicos de todo o mundo se virem
novamente para aquele que é o seu protector em tempos de dificuldade: Deus:
Pai, Filho e Espírito Santo, que continuará a guiar a sua Igreja, como sempre
fez.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St.
Thomas, Houston.
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Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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