Francis J. Beckwith |
Embora os defensores da vida rejeitem esta opinião
pela forma como exclui os nascituros da classe de seres humanos merecedores de
protecção, a maioria dos pró-vida, bem como a maioria dos americanos, raramente
compreendem porque muitos académicos, incluindo defensores do aborto,
consideram que a decisão está muito mal argumentada. (Ver
este meu artigo de 2006 para uma análise mais extensa).
O pano de fundo para este caso foi o Griswold
v. Connecticut de 1965. Aí o Supremo Tribunal descobriu um direito à
utilização de contraceptivos por casais casados (e mais tarde por não casados
em Eisenstadt v.
Baird [1972]), com base no “direito à privacidade”. Embora este direito não
apareça na Constituição o Tribunal concluiu, numa decisão plural, que podia ser
inferida das “penumbras e emanações” de várias emendas no Bill of Rights [o
conjunto de emendas constitucionais].
Para os apoiantes do direito à escolha, daqui
decorria uma consequência evidente: sendo o aborto um exercício dos direitos
reprodutivos descobertos em Griswold, o direito à privacidade devia ser
alargado por forma a incluir um direito ao aborto. Contudo, não é assim tão
simples. Porque, contrariamente ao uso de contraceptivos, o aborto implica a
destruição do que aparenta ser um terceiro, a criança por nascer.
Uma vez que o aborto era banido nos vários estados
há muito tempo, com apenas alguns a passar leis mais permissivas nas décadas
que antecederam Roe, podia-se deduzir que a dada altura nas suas histórias
todos os Estados tinham decidido que o nascituro era merecedor das protecções
da lei.
Mas se fosse esse o caso então seria quase
impossível para o Tribunal pegar na argumentação de Griswold, que dizia
respeito a um acto sem consequências para terceiros, levado a cabo de forma
consensual por dois adultos, e aplicá-lo a um acto que resulta na morte de um
terceiro inocente.
O juiz Harry Blackmun, autor da opinião
maioritária de Roe, encontrou uma forma de ultrapassar este obstáculo. Ele deu
três razões para rejeitar a presença do nascituro nesta disputa:
(1) A Constituição, embora utilize várias vezes o
termo “pessoa”, nunca chega a definir o que é uma pessoa:
(2) Uma vez que as proibições ao aborto ao nível
estadual não tinham por objectivo proteger o nascituro, mas sim proteger a
mulher grávida de operações perigosas, elas já não serviam os seus propósitos,
uma vez que os abortos agora são relativamente seguros; e
(3) Uma vez que os peritos, como teólogos, médicos
e filósofos, discordam sobre quando começa a vida, o Tribunal não dará qualquer
opinião a esse respeito.
Embora a primeira razão invocada seja verdadeira,
não sustenta a conclusão. Pois isso significaria que a não ser que a
Constituição define uma palavra, não podemos saber o seu significado. O
princípio sobre o qual assenta este raciocínio – de que a Constituição deve
incluir no seu texto tudo o que é necessário para a sua interpretação –
significa que a Constituição é, literalmente, incompreensível, uma vez que
também não inclui as regras de gramática do inglês-americano setecentista.
Roe não os convence |
James
S. Witherspoon é o autor daquele que é provavelmente o mais rigoroso artigo
académico sobre a análise de Blackmun às leis estaduais. Depois de uma extensa
análise da aprovação destas leis no século XVIII, a história legislativa e o
ambiente político no qual foram aprovadas, ele conclui: “Que o objectivo primordial
das leis anti-aborto do século XIX era de proteger a vida de crianças nascituras
está claramente demonstrado pelos termos das leis em si”. (O melhor livro
académico sobre este assunto é do professor de direito Joseph W. Dellapenna, de
Villanova: Dispelling
the Myths of Abortion History).
O terceiro argumento confunde a questão científica
de quando começa a vida de um indivíduo humano com a questão filosófica de
quando é que essa vida humana individual se torna um sujeito moral. Porque
ninguém nega, seriamente o facto científico de que uma vida humana individual
começa na altura da concepção (opinião maioritária) ou pelo menos duas semanas
depois da concepção, muito antes do período em que a maioria dos abortos
ocorre.
Não existe, de facto, acordo sobre a questão filosófica.
Alguns, como os pró-vida, acreditam que um Ser Humano é um sujeito moral desde
que tem vida, mesmo antes de exibir as capacidades pessoais que acompanham a
maturidade. Outros acreditam que são essas capacidades pessoais – a capacidade
imediata de comunicar, possuir consciência de si, ter um plano de vida, etc. –
que dão a um ser humano valor moral.
Como já fiz notar nesta
página, bem como noutros
locais, este ponto de vista confunde o ser-se uma pessoa como com o agir
como uma pessoa. Independentemente disso, a existência de desacordo entre
peritos que Blackmun refere não deveria justificar um interesse estatal em
proibir o aborto, uma vez que seria do interesse do Estado acautelar a
existência de uma vida inocente no caso de haver desacordo sobre se o acto em
questão resulta, ou não, num homicídio injustificado?
Independentemente da sua popularidade em certos
círculos, a decisão Roe v. Wade tem por base fracas fundações de
jurisprudência.
(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 4 de Janeiro
de 2013 em http://www.thecatholicthing.org)
Francis
J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na
Universidade de Baylor. É
autor de Politics
for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George
e Susan McWilliams), A Second Look at
First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of
Hadley Arkes.
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