Hadley Arkes |
Um antigo aluno meu, Geoff O’Connell, e a sua mulher Cindy,
acabam de celebrar o seu 40º aniversário de casamento. Casaram num subúrbio de
Washington num Sábado, 20 de Janeiro de 1973, o mesmo dia da segunda
inauguração de Richard Nixon.
Esses dois eventos estão ligados, na minha memória, a outro
que foi revelado ao mundo dois dias mais tarde: que o Supremo Tribunal tinha
proclamado nada menos que um novo “direito constitucional” ao aborto.
Estava em Washington para o casamento e na Segunda de manhã
voltava de comboio para a Nova Inglaterra. Foi quando mudei de comboio na Penn
Station, em Nova Iorque, que vi a notícia dramática nos vespertinos. Notícia
transmitida ao mundo no primeiro dia de trabalho depois da inauguração.
Mais tarde viríamos a saber que tal não foi coincidência. O
juiz Burger tinha avisado o Presidente Nixon para o facto de a decisão estar a
caminho, mas comprometera-se a esperar até depois da eleição para que a questão
do aborto não entrasse no debate e Nixon não tivesse que responder a ela e
tomar uma posição.
A semana passada a Marcha Pela Vida reuniu pela 39ª vez para
marcar o macabro aniversário de Roe. Mas desta vez reuniu sem o espírito
animador da sua fundadora, a temível Nellie Gray. Também já partiram outras das
figuras de proa do movimento pró-vida que participaram nas primeiras marchas:
Henry Hyde, Dr. Mildred Jefferson, Dr. Joseph Stanton... é grande a lista dos
heróis que foram entretanto vítimas daquilo a que Lincoln chamou “a silenciosa
artilharia do tempo”.
Contudo, a Marcha foi tão animada como sempre, irradiando
convicção e esperança. A multidão foi, novamente, enorme, apesar de o tempo em
meados de Janeiro em Washington ser sempre do pior. Alguns já ponderaram
alterar a Marcha para a Primavera, com tempo mais simpático para a celebração da
vida. Mas para muitos dos nossos a Marcha ganha mais significado precisamente
quando é mais difícil de efectuar.
Só a convicção explica a presença de tanta gente hoje em
dia, porque é difícil imaginar uma Marcha a ter lugar numa conjuntura mais
desfavorável. Nos primeiros anos havia sempre a esperança de passar uma emenda
constitucional para revogar Roe e, se isso não resultasse, anular o seu efeito
com a passagem da Human Life Bill.
Mas o Governo actual, e o seu aparelho regulador, estão nas
mãos de um partido que olha o aborto não como uma liberdade pessoal mas como um
bem público, a financiar com dinheiro dos contribuintes e a fazer valer com
todas as instâncias da lei. Mesmo o público em geral já atingiu um novo patamar
emocional: 1,2 milhões de seres humanos inocentes são mortos todos os anos por
abortos sem causar revolta ou sequer alguma comoção. Mais e mais o público vê a
situação como algo que é melhor manter longe da vista, mais um daqueles factos
da vida com os quais temos que aprender a viver.
Em 2007 um bloco de cinco juízes conservadores no Supremo
Tribunal sustentou a lei federal que bania os abortos por nascimento parcial*.
O juiz Kennedy não estava disposto a revogar o Roe v. Wade de uma só penada,
mas parecia estar disposto a juntar-se aos seus quatro colegas conservadores na
defesa de restrições particulares ao aborto que fossem aprovadas pelos Estados.
Desde então essas restrições têm-se multiplicado: leis que
obrigam a ver uma ecografia da criança antes de abortar, a ministrar uma anestesia
à criança prestes a ser desmembrada ou envenenada, a observar um período de
reflexão ou a efectuar abortos no terceiro trimestre em hospitais com cuidados
intensivos para bebés prematuros.
No passado os defensores do aborto teriam ido instantaneamente
para tribunal para resistir a qualquer uma destas medidas. Mas de uma forma que
parece confirmar a intenção dos juízes, os estrategas do outro lado têm optado
por viver com as restrições aplicadas em Estados como o Alabama, Idaho e
Indiana em vez de recorrer ao Supremo Tribunal enquanto esses cinco juízes lá
permanecerem.
Mais vale esperar, pensam, até ao juiz Kennedy se reformar,
ou até ao Presidente Obama poder substituir um dos cinco juízes. E se dentro de
quatro anos Obama não puder ser substituído por um presidente pró-vida, que
possa fazer nomeações para o tribunal, então este estreito caminho judicial
poderá fechar-se.
Mas a história não acaba aqui. O falecido Joe Stanton, de
Boston, costumava dizer que mesmo que só conseguíssemos salvar uma ou duas
vidas, estes enormes esforços do movimento pró-vida teriam valido a pena. Todos
os dias activistas conversam com mulheres que se dirigem a clínicas de aborto
para pararem, conversarem, reconsiderarem.
E todos os dias, incrivelmente, esses pedidos sinceros
resultam. Há mulheres que mudam de ideias, há vidas que são salvas. Mesmo
enfrentados com derrotas políticas, os nossos militantes não desistem de tentar
salvar vidas, uma de cada vez. Este é um retrato fiel da dificuldade da nossa
situação, mas é também o nosso consolo – e a base da nossa esperança que perdura.
*O aborto por nascimento parcial é uma forma de aborto
tardio, já de bebés viáveis. Consiste em fazer o parto a começar pelos pés e
perfurar o crânio do feto antes da saída da cabeça. Legalmente, até à cabeça
sair não se pode considerar o bebé nascido.
Aqui
pode-se ver um vídeo com ilustrações sobre a prática, que actualmente é
ilegal mas que já foi permitida nos EUA ao abrigo de Roe v. Wade.
Hadley
Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont
Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais
recente livro é Constitutional Illusions &
Anchoring Truths: The Touchstone of the Natural Law.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 29 de Janeiro
de 2013 em http://www.thecatholicthing.org/)
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