Transcrição integral das respostas do juiz Pedro Vaz Patto
às questões sobre o 40º aniversário do caso Roe v. Wade. Ver
reportagem aqui.
Que semelhança há
entre o processo de legalização do aborto nos EUA e em Portugal?
Uma primeira diferença que é bom sublinhar é que nos EUA a
legalização resultou de uma decisão judicial. Não conheço mais nenhum país em
que tenha sido assim.
Noutros países, como Portugal, a decisão partiu sempre de
uma iniciativa legislativa e penso que é assim que deve ser, uma decisão desta
importância não pode depender de uma decisão judicial. Os tribunais têm toda a
legitimidade para interpretar a lei, mas não para criar leis novas, acho que
aqui há uma diferença que é aquilo a que se chama activismo judicial, os juízes
vão para além daquilo que seria a sua competência e legitimidade.
Por outro lado, o fundamento da decisão do tribunal
americano é o chamado direito à privacidade, um direito consagrado na
Constituição do Tribunal americano e na constituição de muitos outros países.
Esse direito já tinha sido invocado num outro caso célebre,
mas esse relativo à aquisição de contraceptivos e utilização de contraceptivos,
mas há aqui uma diferença substancial. Em relação aos contraceptivos não
abortivos nós podemos de facto invocar o direito à privacidade, mas invocar o
direito à privacidade no caso do aborto significa negar pura e simplesmente
qualquer estatuto jurídico ou qualquer forma de protecção à vida na fase
pré-Natal.
O Tribunal Constitucional português, quando se pronunciou
sobre esta questão, para controlar as decisões tomadas pela Assembleia da
República, partiu sempre de um princípio distinto, de que a vida humana, e a
protecção constitucional da vida humana, artigo 24º da Constituição Portuguesa,
que determina que a vida humana é inviolável, uma expressão categórica e que
aparentemente não permite excepções, é também a vida intra-uterina. O Tribunal
Constitucional sempre partiu deste princípio e avaliou a legislação sobre o
aborto sempre à luz deste princípio, de que a vida do embrião tem protecção
constitucional, deve é ser compatibilizada, deve haver uma ponderação de
valores entre esse valor constitucional e outros, incluindo o direito à autodeterminação
da mulher.
Depois podemos questionar se realmente a legislação que foi
sucessivamente aprovada, designadamente a lei em vigor, correspondem a um
equilíbrio razoável e justo entre estes vários valores constitucionais, porque
à luz deste princípio da concordância prática nenhum destes valores deve ser
sacrificado em absoluto. O que se pode questionar é se a legislação em vigor
não deixa sem protecção a vida intra-uterina. De facto as decisões do Tribunal Constitucional
foram controversas, tanto que houve sempre votos de vencido.
Mas o Supremo
Tribunal americano toma alguma posição sobre a vida intra-uterina?
O tribunal americano diz que como não havia consenso nessa
matéria. Mas é uma neutralidade aparente, porque aqui está-se a fazer uma opção
no sentido de não reconhecer que a vida começa na concepção. Se em 1973, do
ponto de vista científico, era questionável ignorar a vida humana pré-natal,
muito mais é hoje. Neste período muito se descobriu no sentido de conhecimento
da vida pré-natal e cada vez mais se conhece e cada vez mais é difícil
sustentar que não se trata de vida humana.
Tanto assim é que é curioso que uma reportagem da revista americana Time, num dos últimos números, vinha pôr em relevo o facto de hoje a
adesão da opinião pública a estes princípios subjacentes ao Roe v. Wade é hoje
das mais baixas. Podemos até pôr em causa que a maioria das pessoas se reveja
nessa decisão. Mesmo que as pessoas aceitem alguma forma de legalização do aborto,
a maioria entende que deve haver limitações e não aceitam esta liberalização
completa e absoluta que deriva da decisão do Supremo Tribunal americano.
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