Austin Ruse |
A antevisão de uma luta desse género, e do que se lhe poderá
seguir, é provavelmente uma das razões pelas quais as pessoas continuam a
dizer-se a favor do Roe v Wade [caso cuja decisão, pelo Supremo Tribunal,
permitiu o aborto livre nos EUA] nas sondagens, mesmo que acreditem que o
actual sistema seja, por uma ou outra razão, injusto
Podem ter a certeza de que os pró-aborto usarão todos os
argumentos possíveis perante o Supremo Tribunal e perante o país. Nesse arsenal
incluirão aquilo que consideram serem normas internacionais. Vão argumentar que
o mundo é pró-escolha e apontarão para certas leis e documentos para o provar.
Citarão também as leis de outros países, em particular da Europa.
Invocarão decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem, tratados das Nações Unidas e conclusões das comissões dos tratados.
Citarão documentos não vinculativos tais como aqueles que saíram da Conferência
do Cairo sobre População e Desenvolvimento. É mesmo possível que ouçamos falar
dos “Protocolos de Maputo”, um documento da União Africana que é o único
tratado internacional que apela explicitamente ao aborto legal.
Um caso recentemente decidido pelo Tribunal Interamericano
dos Direitos Humanos revela exactamente como é que estas coisas funcionam e
permite-nos antever o nosso futuro.
A semana passada esse tribunal aboliu uma lei da Costa Rica
que proíbe a fertilização in vitro (FIV). Piero Tozzi, da Aliança pela Defesa
da Liberdade, explica que o tribunal decidiu que “tais restrições violam os
direitos à privacidade, autonomia pessoal e ‘saúde sexual e reprodutiva’ ao
abrigo da Convenção Americana dos Direitos Humanos (CAHR), conhecida como o
Pacto de San José”. Ele explica que o tribunal decidiu ainda que “um embrião
humano não possui o estatuto legal de ‘pessoa’” e que a vida começa não na
concepção mas sim na altura da implantação, isto apesar de a CAHR ser o único
tratado internacional que protege, explicitamente, o direito à vida “desde a concepção”.
A antevisão do nosso próprio futuro está no facto de o
tribunal citar um grande número de documentos estrangeiros, incluindo o
Programa de Acção do Cairo, a Plataforma de Acção de Pequim, relatórios da
Organização Mundial de Saúde e observações gerais de um órgão de supervisão de
um tratado das Nações Unidas.
Esta tem sido a estratégia adoptada há muito tempo pelo
lobby internacional do aborto: criar um corpo de decisões legais ou
quasi-legais que os tribunais possam usar para abolir ou manter leis que
regulam o aborto. O tribunal pode usar estas referências para sustentar a
existência de um alegado consenso em favor de – neste caso – a FIV, mas também,
de forma mais abrangente, os “direitos reprodutivos” que incluem o direito ao
aborto.
O problema aqui é que nenhuma destas referências pode na
verdade ser usada para sustentar tal conclusão. Os documentos de Cairo e de
Pequim são não-vinculativos, por isso não podem, honestamente, representar
qualquer consenso sobre FIV, aborto ou qualquer outro assunto. Os órgãos
supervisores dos tratados das Nações Unidas não têm qualquer autoridade para
vincular os Estados ao quer que seja. Mesmo assim juízes sem respeito pela lei,
isto é, juízes que se representam a si mesmos e não a lei, fazem aquilo que bem
entendem.
Juízes do Supremo Tribunal dos EUA |
É aqui que está o problema para nós. Podemos ter a certeza
absoluta que os defensores do aborto irão usar estes mesmos documentos quando,
um dia, o Supremo Tribunal ouvir de novo o caso Roe v Wade. Também alguns dos
juízes os citarão, quer seja uma maioria, se a decisão for mantida, ou uma
minoria, se for abolida.
O Supremo Tribunal já revelou uma predisposição neste
sentido. Os juízes citaram a Convenção dos Direitos da Criança, um tratado que
os EUA nunca ratificaram, quando aboliram a pena de morte para crimes cometidos
antes da maioridade. No mesmo caso o Tribunal citou a Convenção Internacional
dos direitos Civis e Políticos, um tratado que ratificámos, mas referiram-se a
uma secção, que trata da pena de morte, que rejeitámos formalmente na ratificação.
Quando o tribunal decretou que as relações homossexuais eram
constitucionais o juiz Kennedy citou decisões do Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem. Nessa mesma decisão ele citou também uma carta “amicus curiae”
submetida por Mary Robinson, anterior responsável das Nações Unidas pelos
Direitos Humanos, que afirmava que o direito internacional em vigor obrigava à
revogação de leis contra actos homossexuais.
O actual Supremo Tribunal poderá muito bem continuar a
seguir esta linha. Scalia e Thomas já se opuseram publicamente à utilização de
direito estrangeiro e internacional no sistema americano e tanto Roberts como
Alito rejeitaram-no também nas audiências no Senado. Mas a maioria do tribunal
– Kennedy, Sotomayor, Breyer, Ginsburg e Kagan – não têm qualquer problema com
essa prática.
O caso da Costa Rica não terá qualquer impacto directo nos
EUA. Não assinámos o Pacto de San José e já temos as leis mais liberais
possíveis no que diz respeito à FIV, aliás, não temos quaisquer
regulamentações. Mas o caso terá, isso sim, um impacto nas leis da FIV na
América Latina e, eventualmente, terá um profundo impacto no aborto legal em
todo o continente.
Podem ter a certeza, contudo, que o recurso ao direito
estrangeiro e organizações internacionais será notado com aprovação pelos
suspeitos do costume no Supremo Tribunal.
O caso costa-riquenho mostra em grande detalhe aquilo que
Robert Bork descreveu num dos seus últimos e mais importantes livros, Coercing
Virtue: The Worldwide Rule of Judges, isto é, como os juízes, que ele
apelida de “olímpios”, olham para nós do alto, deturpam a lei e impõem-nos as
suas deturpações.
É assustador e de lamentar que os nossos próprios juízes do
Supremo Tribunal pensem que têm mais em comum com os juízes do Tribunal
Interamericano do que com o seu próprio povo ou com os fundadores do país.
Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human
Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma
instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais
internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem
necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.
(Publicado pela primeira vez em www.thecatholicthing.com na Sexta-feira, 28 de Dezembro de 2012)
© 2012 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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