Wednesday 29 September 2021

Maria e os Protestantes

Casey Chalk
Quando eu andava num seminário protestante pensava que tinha boas razões para não venerar nem rezar por intercessão de Maria. A mãe de Jesus, por mais santa que fosse, só o era por causa de Cristo e, por isso, qualquer honra que lhe fosse dirigida distraía necessariamente da honra única e sem paralelo que era devida ao Senhor. Essa era certamente a opinião dos reformadores. João Calvino escreveu no seu Institutas da Religião Cristã que “quem se refugia na intercessão dos santos rouba a Cristo a honra da mediação”. Foi só depois de ler a Introdução à Mariologia, de Manfred Hauke, que compreendi que o que está em causa no que diz respeito a Nossa Senhora é bastante mais do que evitar “idolatria”.

Os primeiros reformadores revoltaram-se contra a Igreja Católica em primeiro lugar por causa da salvação. Enquanto a Igreja ensinava que a cooperação do homem era necessária para a sua salvação, Lutero, Calvino e Zwingli, entre outros, rejeitaram isto como incompatível com as doutrinas da graça e da soberania de Deus. A salvação deve ser inteiramente obra de Cristo, diziam, avançando as doutrinas protestante da Sola Fide (apenas a fé) e Sola Gratia (apenas a graça). Como escreveu Lutero em Do Cativeiro Babilónico da Igreja, “diante de Deus todas as obras se medem apenas pela fé”.

Não obstante, a primeira geração de reformadores mantinha uma visão de Maria que chocaria a maioria dos protestantes contemporâneos. Martinho Lutero continuou a acreditar na virgindade perpétua de Maria e na sua imaculada concepção. Calvino estava disposto a aceitar a sua virgindade perpétua como sendo pelo menos possível e criticou outros protestantes por rejeitarem simplesmente a doutrina católica. Pode-se especular sobre se a retenção de certas concepções de Maria por parte destes reformadores era motivada mais por resquícios da sua própria educação ou pela sua leitura das Escrituras.

Com o passar dos anos a estrelinha de Nossa Senhora foi-se apagando por entre os protestantes, até ao ponto em que qualquer referência positiva motiva acusações de “romanismo”. Foi certamente essa a corrente de protestantismo em que eu fui educado, primeiro enquanto evangélico e depois como seminarista calvinista. A veneração de Maria, ou de qualquer outro santo, ensombrava a adoração e a honra devidas exclusivamente a Cristo (embora, ironicamente, a reverência pelos próprios reformadores, como Lutero e Calvino, pudesse ser bastante efusiva).

O teólogo reformado “neo-ortodoxo” Karl Barth, porém, oferece-nos um bom exemplo das suspeitas protestantes em relação à veneração mariana. Em Dogmática Ecclesial escreve:

O dogma mariano não é mais nem menos que o dogma normativo central e crítico da Igreja Católica Romana. O dogma a partir do qual todas as suas outras posições importantes podem ser avaliadas, e em relação à qual se sustentam ou caem. A “mãe de deus” do dogma mariano católico romano é, simplesmente, o princípio, tipo e essência da criatura humana a colaborar, como uma serva (ministerialiter), com a sua própria redenção, com base na graça preveniente, e nessa medida é o princípio, tipo e essência da Igreja.


Trata-se de uma afirmação assinalável pelo Barth. É verdade que os teólogos e o clero católicos discordariam da sua descrição do Catolicismo, preferindo colocar a Encarnação e a Ressurreição no centro da dogmática católica. Mas a observação de Barth sobre a relação entre Maria e a soteriologia contém algumas perspetivas valiosas, ainda que incompletas.

O plano providencial de Deus requeria o “fiat” de Maria. O seu “sim” na Anunciação é necessário, e é dado: “Eis aqui a serva do Senhor; seja feito segundo a sua palavra” (Lucas 1,38). Hauke explica que “Maria, a virgem Mãe do Salvador, estava intimamente ligada às obras da salvação. Deus quis que a Encarnação dependesse do ‘sim’ desta mulher, que assim se torna profundamente parte do mistério da Aliança”. Sem o consentimento de Maria, não há messias.

Em Maria vemos ainda um modelo de perfeição para seguirmos. Também nós somos escolhidos por Deus, seja através do baptismo na infância, seja através do posterior reconhecimento de que Cristo nos chama a si e à sua Igreja. Mas a nossa colaboração é necessária. Podemos rejeitar as promessas baptismais feitas em nosso nome pelos nossos pais. Podemos rejeitar as suas abordagens noutras fases da nossa vida, seja por ignorância deliberada, seja por desobediência explícita. Mesmo para os fiéis, esta é uma batalha que tem de ser travada todos os dias, à medida que se apresentam novas tentações e provas.

Cristo nosso Senhor declarou que a desobediência aos seus mandamentos e a rejeição do nosso chamamento enquanto cristãos pode resultar na nossa condenação eterna (Mateus 25, 1-46). São Paulo diz, em larga medida, o mesmo. “Como colaboradores de Deus, insistimos convosco para não receberem em vão a graça de Deus” (2 Coríntios 6, 1). Claro que esta participação na nossa própria salvação não é alcançada apenas através da força de vontade, como ensinavam os hereges pelagianos, mas pela graça de Deus que opera no início, meio e fim de todas as nossas acções.

Não obstante, Barth tem razão quando descreve o ensinamento católico que eleva Maria para a posição de “tipo e essência da natureza humana” a colaborar com a sua própria redenção. Os católicos procuram imitar Maria na submissão total à sua vontade divina. Hauke explica: “Maria é como o ponto fulcral em que as verdades centrais da fé católica se tornam visíveis”.

Isto clarifica a gradual rejeição protestante dos dogmas marianos. Na medida em que a mariologia ilumina a colaboração humana na nossa salvação, viola os princípios protestantes da Sola Fide e da Sola Gratia. A mariologia torna-se assim, nas palavras de Barth, “um tumor, isto é, uma construção enferma do pensamento teológico. Os tumores devem ser extirpados”. Para o protestantismo a devoção mariana não é apenas uma distração idolátrica da adoração devida a Deus, mas algo que vicia a economia da salvação.

O testemunho de Maria, como ensina a Igreja, recorda-nos que as nossas vontades não estão de tal forma entorpecidas pela morte que precisamos da graça irresistível (outra doutrina reformada), mas que se mantêm suficientemente intactas para podermos responder com fé e amor às abordagens da graça divina. Para os protestantes os dogmas marianos são mais do que uma simples distração, são um ataque ao cerne do protestantismo e, por isso, um obstáculo sério à conversão.

Mas, como eu descobri depois da minha própria conversão, Maria – a quem muitos católicos rezam por mim – é uma verdadeira ajuda na remoção de obstáculos.


Casey Chalk escreve para a Crisis MagazineThe American Conservative e a New Oxford ReviewÉ licenciado em história e ensino pela Universidade de Virgínia em tem um mestrado em Teologia da Cristendom College.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 16 de setembro, de 2021)

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