Anthony Esolen |
Ultimamente tenho pensado em casamentos e processos de
nulidade e na instrução do Senhor de que devíamos sair em busca da ovelha
perdida no deserto, longe das outras 99. Creio profundamente nessa instrução,
porque essa ovelha era eu.
Mas o que acontece se for devido à nossa negligência e desobediência
que a ovelha se perde? Será que o pastor vai em busca da ovelha perdida só
porque isso é mais fácil do que cuidar do aprisco que deixou degradar-se?
Vemo-lo a cantarolar pelo prado enquanto o lobo se aproxima? E quando regressa
com a ovelha perdida dá-se ao trabalho de contar as que permanecem? Repara
sequer no sangue e nas entranhas que mancham as paredes em ruínas?
Um rapaz tinha uma mãe e um pai. Eles tinham prometido
amar-se um ao outro e serem fiéis até que a morte, e só a morte, os separasse.
Não eram mentalmente débeis, sabiam o que significavam as palavras daquela
promessa. E o rapaz era feliz.
Depois apareceu o Pai das Nuances, que sussurrou ao
marido que as palavras são só palavras, não são coisas, e que as palavras estão
sujeitas a interpretação, e que uma palavra proferida com total confiança num
contexto poderia não ter o mesmo significado quando o contexto mudasse. E tinha
mudado, porque a mulher era agora mais velha e os seus hábitos femininos que em
tempos tinham fascinado o marido, agora não passavam de alfinetadas e
beliscões. Por isso ele começou a deixar o seu olhar resvalar e o seu coração
endureceu.
“Mulher”, disse, “vou levar a minha metade dos bens, que
me pertence”. E ela não pôde fazer nada, por causa das leis do país onde
viviam. Por isso ele vendeu a casa, a casa que o rapaz tanto amava, e levou
metade dos bens e viajou para um país distante. Mas não foi sozinho. Levou
outra mulher com ele.
E o rapaz amava o seu pai, porque era seu pai; e
odiava-o, porque os tinha abandonado. E não havia quem o conseguisse consolar. Os
seus professores chegaram ao ponto de lhe dizer que tinha sorte, porque agora
tinha duas mães em vez de uma e duas casas também. Em breve teria também dois
pais, porque a sua mãe desanimou.
Ela foi ter com um padre e disse: “Vê como o meu marido
nos deixou a sangrar na berma da estrada”. Mas o padre não podia fazer nada por
ela, incentivou-a a perdoar o marido e sugeriu que se juntasse a um grupo da paróquia
para adultos solteiros. Foi ter com um escriba, perito na lei, e disse: “Vê
como o meu marido quebrou os seus votos, agora estamos em sofrimento”, mas o
escriba sorriu e disse que ela devia estar satisfeita com o que tinha recebido,
que era bem generoso.
E por isso desanimou. E um dia quando ela e o seu filho
estavam no Templo, juntamente com outros, em oração, ouviu as palavras daquele
que disse, “Então eles já não serão dois, mas uma só carne. E por isso não
separe o homem o que Deus uniu”.
E então o padre disse que as palavras não passam de
palavras, e que as palavras estão sujeitas a interpretação, e que uma palavra
proferida num contexto não tem de significar o mesmo quando o contexto mudar. E
tinha mudado, porque o padre incentivou os fiéis a abrirem as suas mentes e
aceitar os fornicadores, os sodomitas e os adúlteros no meio deles. E o rapaz
ouviu tudo, e passou a acreditar que tudo aquilo não passava de uma mentira.
Era suposto dizer que gostava de visitar o seu pai e a
mulher que tinha ajudado a estragar a sua juventude, mas era mentira. Era
suposto dizer que acreditava nas palavras de Jesus, mas pelos vistos ninguém
acreditava nelas, em vez disso mentiam continuamente. A sua mãe passou a viver
com outro homem, sem se dar ao trabalho de casar, porque ninguém acreditava que
existia ligação entre o casamento e o acto conjugal, por isso deitavam-se no
seu pecado como se nada fosse, continuamente. Era suposto ele amar aquele
homem, e de certa forma amava, mas também era suposto fingir que tudo tinha
acabado da melhor maneira, o que também era mentira.
"Por isso embriagou-se..." |
Quando o seu corpo estava preparado para a fornicação,
também ele estava. Tornou-se especialista no acto de dizer, com o seu corpo,
“sou teu para sempre”, quando na verdade “para sempre” queria dizer apenas “até
ficar farto de ti”, o que por vezes acontecia pouco tempo depois, outras vezes
esgotava-se no próprio acto. Mas as raparigas mentiam também, por isso não
devemos sentir muita pena por elas.
Então um dia o seu pai regressou com a madrasta e as
pessoas foram instruídas a celebrar, porque ele tinha regressado. Não tinha
regressado à sua mulher, e não procurou recompensar o seu filho pela sua
tristeza, abandono e perda de fé. Não disse “trata-me como um dos teus
empregados, porque pequei contra Deus e contra ti”, disse: “Vinde e festejai
comigo, porque regressei!”
E o bispo gordo disse ao rapaz: “É bom que vás festejar
com o teu pai, porque ele regressou”.
Por isso o rapaz foi para o banquete e embriagou-se.
Afastou da memória as muitas vezes que tinha chorado de noite, porque o seu pai
não estava lá. Afastou da memória aquele primeiro dia em que percebeu que
ninguém dizia a verdade. Afastou da sua imaginação aquele Jesus que disse: “Deixai
vir a mim as criancinhas”.
Pendurou uma mó à volta do seu coração. Não perdoou,
porque toda a gente lhe dizia que não havia nada a perdoar. Por isso embriagou-se.
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Os
seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten
Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 30 de Setembro
de 2015 em The
Catholic Thing)
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