Anthony Esolen |
Ao longo dos últimos meses tenho feito algo que, tanto quanto
sei, mais ninguém nos Estados Unidos está a fazer. Tenho estado a aprender
galês através da leitura do Novo Testamento.
Isso não faz de mim excepcional. As pessoas fazem coisas
estranhas a toda a hora; ser peculiar de uma maneira ou de outra é perfeitamente
banal. Mas quando tentamos lidar com as palavras de Cristo uma a uma, como
quebra-cabeças, apesar de se saber o que dizem os versículos, compreendemos que
expressões como comum ou pouco comum não se colocam em relação a Jesus.
Não é como se Jesus estivesse no vértice de um espectro de
mestres do mundo antigo. Ele ensina “com autoridade”, como as pessoas referiam,
espantadas e até confusas. Não se submete a qualquer profeta ou rei, nem a
Moisés. Não tenta convencer as pessoas a levar um estilo de vida benigno, como
Buda, nem abraça as tradições do cavalheirismo, como Confúcio.
Somos chamados a imitar Jesus, mas Jesus nunca nos imita.
Ele conhece o coração do homem, diz São João, e é em tudo semelhante a nós
excepto no pecado, diz São Paulo. Compadece-se das nossas fraquezas, diz o
autor da Epístola aos Hebreus, mas seria quase blasfemo atribuir a Jesus um
elogio, chamando-o invulgarmente perceptivo. Seria como dizer que a luz é
invulgarmente iluminadora, ou que a beleza é invulgarmente atraente.
No fundo estou a dizer que não há ninguém na história do
mundo a quem Jesus se assemelha; embora muitos santos, pela graça de Deus,
tenham vindo a assemelhar-se a Jesus. O Senhor é singular. Como são as grandes
coisas que lhe são associadas. Não há nada no mundo antigo como os Evangelhos –
e isso inclui a tontice dos evangelhos falsos, tão inconsistentes e derivados.
Não há nada no mundo que se assemelhe à Pessoa ou aos
eventos que eles descrevem. As grandes epístolas de São Paulo são únicas. A transformação
de pessoas normais em santos, prontos a espalhar a Boa Nova, única; as pessoas
em que se transformaram, únicas; mesmo o Sudário de Turim é único – não há
qualquer artefacto antigo que se assemelhe, nem que se aproxime.
Por isso aqui estou, a ler os Evangelhos devagarinho, em
galês, e sinto-me compelido a meditar sobre palavras pelas quais passo a correr
em inglês. “Quando deres esmola”, diz Jesus, “não anuncies isso com trombetas,
como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem honrados
pelos outros. Eu te garanto que eles já receberam sua plena recompensa. Mas
quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que está a fazer a
direita” (Mt. 6, 2-3)
Se atentarmos bem nestas palavras experimentaremos o choque
de algo totalmente inesperado mas que, quando expresso, se nos apresenta, caso
tenhamos presente toda a sabedoria da lei e dos profetas, como o cumprimento de
todo o Antigo Testamento, embora ninguém no Antigo Testamento diga algo
parecido.
E os pagãos antigos? Aristóteles louvava a virtude da
magnificência, a prática de boas obras visíveis, sobretudo através da
generosidade pública, porque ele partia do princípio que todos os homens
desejam a honra. O autarca mais labrego da parvónia procura imitar Júlio César
– encontrando a sua cidade feita de tijolo quer deixá-la, se não em mármore,
pelo menos em ardósia reluzente, como novos passeios; e quer que isso seja
conhecido, de preferência com direito a placa comemorativa num local público.
A Bíblia em Galês |
Mas aqui está Jesus a dizer “Na wyped dy law aswy pa beth a
wna dy law ddehau”, “Que a tua mão esquerda não saiba o que está a fazer a
direita”. Nunca ninguém disse nada assim.
Façamos aqui uma pausa. Não partamos do princípio que
estamos diante de uma metáfora peculiar que diz respeito a uma sabedoria também
fora do comum. Partamos do princípio que este Jesus singular, ao dizer esta
coisa nunca dita, o fez de uma forma também singular. Assim não estaremos a
reduzir a metáfora a algo parecido com senso comum “cristão”.
Aí não diremos, “Jesus recomenda que sejamos discretos
quando damos esmola”. Afinal de contas há formas de ganhar a admiração dos
homens de forma discreta, duplicando a aura de prazer, gozando não só da glória
da generosidade como também do conhecimento de que os beneficiários não nos
podem acusar de orgulho.
Não, se a esquerda não deve saber o que faz a direita, então
devemos esconder as nossas boas acções do público mais babado e mais lisonjeiro
que existe – nós mesmos. Mas como é que isto é possível? Acusamos os discípulos
de serem lentos a compreender Jesus, e é verdade, foram-no. E nós, somos mais
lestos? Não tinham eles razão para serem lentos? Como nos podemos esconder de
nós mesmos? Como podemos não saber o que sabemos?
Nem eu sei a resposta a esta pergunta, mas Jesus dá-nos uma
pista sobre onde se encontra a solução. “O vosso Pai”, diz ele, “que vê o que
está oculto, recompensar-vos-á”. Devemos ser, explica Jesus, como aquele Pai
que faz chover sobre justos e injustos, no mistério da sua sabedoria e
solicitude.
Este é o Pai que conhece os recantos do coração. É o Deus
que deseja habitar esses recantos, para retirar o coração de pedra, mesmo que
se trate de mármore resplandecente, e substituí-la por um coração de carne, um
coração que bate com a sua vida.
Se é para gozarmos de uma recompensa, o que pode ser melhor
que Deus? Por isso Jesus não está simplesmente a alertar para os perigos da
ostentação. Ele está a convidar-nos a render-nos ao Pai, para não permanecermos
no nosso conhecimento ignorante e na nossa generosidade alienante. Chama-se a
isto nascer de novo. E que é isso? Seremos capazes de dar mais um ou dois
passos para além disso?
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence
College. O seu mais
recente livro é: Ten
Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 13 de Março
2013 em http://www.thecatholicthing.org/)
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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