Estava na missa com a minha mulher na Igreja de St. Peter,
no Missouri, na época de Natal, e o celebrante estava a ler uma carta do
arcebispo local. Enquanto o fazia a senhora ao nosso lado abanava furiosamente
a cabeça. Era só uma saudação de Natal, mas levou esta mulher a desaprovar
desta forma pública.
A carta era do então Arcebispo de Saint Louis, Raymond
Burke, hoje Cardeal Burke, responsável pela Signatura Apostólica, o supremo
tribunal da Igreja Católica.
O Cardeal Burke passou por tempos difíceis em St. Louis.
Quando foi anunciado que se ia embora os católicos dissidentes festejaram
aquilo que pensavam ser um castigo – mas esses festejos tornaram-se tristeza e
até fúria quando se soube que afinal se tratava de uma promoção.
No pouco tempo que lá esteve, Burke enfrentou o que todos os
bispos têm enfrentado nos últimos anos. Fechou escolas e fundiu paróquias. Os
mesmos católicos que usam contracepção culpam sempre o bispo quando não existem
católicos suficientes para manter as escolas e as paróquias abertas.
Também teve de pagar dos cofres da Igreja pelos crimes praticados
por padres homossexuais, mas aquilo que mais ofendeu muitos dos fiéis da
diocese foi a disputa que teve com a Igreja Católica polaca.
Cem anos antes a paróquia tinha recebido um estatuto quase
independente por parte da Igreja. Tinha uma administração independente e era
dona da sua propriedade. O antecessor de Burke, Arcebispo Justin Rigali, tentou
controlá-los e mais tarde Burke também tentou. Chegou a retirar os padres
diocesanos que cuidavam da paróquia, mas esta rapidamente arranjou um de outra
diocese, sem autorização, que acabou por ser excomungado pelo seu bispo.
A paróquia tornou-se um ponto de encontro para dissidentes
de St. Louis e de todo o país. Afinal de contas, aqui estava uma paróquia que
estava a resistir aos chefões e a safar-se. Então Burke excomungou o conselho
paroquial.
O Cardeal também enfureceu muitos dissidentes quando –
seguindo a dica de Ratzinger – excomungou umas senhoras que tinham sido
“ordenadas” padres – uma chegou a afirmar-se bispa. A sua carta de excomunhão é
uma obra prima de direito canónico e parece um documento de outra era. Quase
que se ouve o barulho dos candelabros a tombar enquanto os cismáticos são
expulsos da Igreja.
Edward Peters, especialista em direito canónico, descreveu-a
assim:
Gostaria de dizer que a excomunhão, por parte do Arcebispo
Raymond Burke, de três mulheres que participaram recentemente numa
pseudo-ordenação em St. Louis é uma ilustração perfeita de como os manuais
ensinam que deve ser aplicada uma excomunhão (não-judicial) na Igreja de hoje. Mas não posso. Porquê? Porque
a atenção prestada aos detalhes jurídicos e as provisões pastorais extendidas
às pessoas encarregadas ao seu cuidado excedem de tal forma aquilo que vem nos
manuais, que são os manuais que deviam estar a seguir o seu exemplo, e não o
contrário.
Nem toda a gente era contra o Arcebispo Burke, nem por
sombras. Muitos dos fiéis de Saint Louis ainda têm saudades dele e têm-no na
mais alta estima. Quem gostava mais dele e, provavelmente, sentem mais saudades
são os seminaristas.
O Cardeal Arcebispo Raymond Burke |
O seminário de St. Louis estava repleto de aspirantes de
todo o país que queriam estar perto de Burke, e ele queria estar perto deles
também. Diz-se que passava muito mais tempo do que é habitual com os seus
seminaristas e regularmente tinha tempo para cada um em particular.
Um alto funcionário do Vaticano disse-me que quando tinha
sido aluno no Colégio Norte Americano, em Roma, o então bispo Burke teve
cuidado especial para dar atenção a padres de dioceses pequenas que poderiam
estar sozinhos. Levava-os a jantar fora e zelava pelas suas necessidades
espirituais.
Eu e a minha mulher também o conhecemos assim, como um
pastor gentil, generoso e calmo.
No nosso primeiro ano de casados a minha mulher teve três abortos espontâneos. Como eu sou de St. Louis e ambos fazemos trabalho pró-vida, o
Arcebispo sabia quem éramos e das nossas dificuldades. Nesse ano convidou-nos a
visitá-lo por altura do Natal. Disse que nos queria abençoar com um pedaço do
vestido de noiva de Santa Gianna Molla.
Encontrámo-nos com ele na residência episcopal, perto da Basílica
de St. Louis, provavelmente a mais bonita Igreja dos Estados Unidos. Recebeu-nos
atenciosamente e falámos durante algum tempo sobre o nosso casamento, a nossa
vontade de ter filhos e as nossas dificuldades. Ele contou-nos da sua grande
devoção a Santa Gianna, elevada aos altares por João Paulo Magno – e que ela
nos poderia ajudar.
Molla era médica e morreu depois de dar à luz em 1962, tendo
recusado abortar ou fazer tratamento médico que teria morto o seu bebé. Disse
repetidamente aos seus médicos para escolherem a vida do bebé acima da sua.
O Arcebispo fez-nos ajoelhar e abençoou-nos com um bocado do
vestido de noiva de Santa Gianna. Depois sorriu e disse: “É a oitava vez que
faço isto. Resultou oito vezes”, enquanto irradiava uma intensidade que só
podia vir de bem lá no fundo. Ele queria emprestar-nos a relíquia para levarmos
e venerarmos em casa, mas infelizmente era a única que tinha com ele, todas as
outras tinham sido já emprestadas.
Acontece que naquele momento a Cathy estava grávida de duas
semanas com a nossa primeira filha, Lucy. Nunca mais sofremos abortos. A Lucy
foi a primeira das nossas bebés Gianna Molla. A nossa segunda filha chama-se
Gianna-Marie.
No Natal seguinte levámos a Lucy, com seis meses, a conhecer
o Arcebispo Burke, e temos as mais fantásticas fotografias do nosso pequeno bebé
nos grandes mas carinhosos braços de um pastor que tem todos os dons –
eclesiais, espirituais e temporais – para ser Bispo de Roma. Oremus.
Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human
Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma
instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais
internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem
necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.
(Publicado pela primeira vez em www.thecatholicthing.com na Sexta-feira, 11 de Março de 2013)
© 2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte:info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
Mais um possivel optimo Papa.
ReplyDeleteDeus te abençoe, Filipe, por estas tuas esforçadas contribuições para uma mais forte comunhão de fé e de esperança entre nós, católicos portugueses - que nos sentimos, talvez, algo abandonados de conforto e de força pelos nossos distantes pastores.
ReplyDeleteFC