Pe. Mark A. Pilon |
Passo
a apresentar um pouco de história revisionista, claramente inventada, mas que
vale a pena contemplar nos dias que correm.
Suponhamos
que do início da década de 30 até 1945 a Alemanha tinha-se mantido uma
democracia, em vez de se transformar numa ditadura de partido único, como foi
com o Terceiro Reich. Suponhamos ainda que muitos representantes
democraticamente eleitos de partidos liberais e conservadores tinham juntado
forças com os Nazis de Hitler no que diz respeito às políticas antissemitas.
Por fim, imaginemos que mesmo alguns deputados católicos da oposição tinham
votado em conjunto com o Partido Nazi para levar a cabo a chamada “solução
final” para a questão judaica e que tinham apoiado publicamente a sua
implementação. Suponha, por agora, que tudo isto eram factos históricos.
Vamos
então um bocado mais longe. Imagine que os bispos alemães não tinham tomado
qualquer acção disciplinar contra esses políticos católicos, seja de que
partido fossem, quer excomungando-os, quer negando-lhes os sacramentos.
(Sabendo hoje que estas medidas já foram aplicadas pelos bispos alemães nos
nossos dias apenas por não se pagar o chamado imposto da Igreja ou para com
católicos que não se registam como tal com o Governo). Mas imaginemos que
naqueles dias negros não se tinha feito nada do género e imaginemos ainda que
as sondagens mostravam cada vez mais católicos alemães confusos sobre estas questões
moralmente graves ou decididamente a favor das medidas racistas e genocidas.
Como
é que acha que um historiador julgaria esses bispos e esses líderes religiosos?
Alguém acreditaria que os bispos alemães tinham desempenhado fielmente o seu
papel de proteger a fé dos seus rebanhos – incluindo dos políticos católicos –
sem pressionar os católicos no parlamento para defender as vítimas inocentes,
fazendo tudo o que estivesse ao seu alcance para impedir as atrocidades do
Governo? Será que a Igreja local teria, mais tarde, que se arrepender e pedir
perdão, mais até do que os papas têm feito nos últimos anos em reconhecimento
de erros do passado?
Talvez
se considerasse que os leigos católicos tinham sido apanhados pelos tempos e
pela mentalidade tão sagazmente difundida pela máquina de propaganda Nazi. E
poderia ser considerada uma atenuante o facto de terem ficado naturalmente
confusos com o facto de verem os políticos católicos a evitar serem disciplinados
pelos líderes eclesiais e a receber publicamente a comunhão e outros
sacramentos, enquanto se continuavam a apelidar de católicos fiéis e alinhados
com a Igreja.
Mas
voltemos à nossa realidade e ao nosso mundo actual. Durante os últimos 50 anos
os leigos católicos na América ouviram os seus bispos a condenar muito claramente
o crime monstruoso do aborto. Mas ao mesmo tempo têm visto políticos católicos
a apoiar abertamente o chamado direito ao aborto e a combater as medidas para o
restringir – com alguns até a defender os horrores da Planned Parenthood, sobre
a qual vários bispos já falaram, mas pouco mais. Entretanto estes políticos
continuam a apelidar-se de católicos e a receber a comunhão publicamente, por
vezes das mãos dos próprios bispos.
Ao
longo deste tempo mais de 55 milhões de seres humanos foram chacinados, o que
supera até as terríveis monstruosidades do Terceiro Reich. Entretanto, mais de
metade da população católica deste país passou a apoiar o direito ao aborto.
Devemos acreditar que não existe ligação entre este distanciamento em massa da
verdade e prática moral do Catolicismo e a recusa dos bispos em disciplinar os
políticos católicos?
Na
verdade, a maioria dos políticos pró-aborto, católicos ou não católicos, são
vistos frequentemente a receber homenagens de instituições católicas.
Universidades que se dizem católicas contratam professores que divergem
publicamente do ensinamento moral católico e, mais uma vez, os leigos não vêem
qualquer acção disciplinar. Não surpreende, por isso, que exista muita confusão,
sobretudo entre jovens, acerca do ensinamento católico relativo ao aborto e ao
casamento. Será que os bispos vão assumir a responsabilidade por esta perda de
fé católica em questões tais como o aborto, o casamento, a eutanásia e outros
temas morais que se deve à ausência de censura pública de políticos católicos
ou de instituições cujos funcionários apoiam estes desvaneios morais?
Como
é que a história vai julgar esta geração de líderes da Igreja quando a
carnificina chegar finalmente ao fim? Como é que as gerações futuras de
católicos julgarão os líderes espirituais desta geração se olharem para trás e
virem que nenhum político católico foi alguma vez disciplinado por apoiar e
votar favoravelmente não só o aborto como a perversão do casamento? Os mesmos
políticos católicos que apoiaram o direito a acabar com vidas humanas inocentes
estão agora a apoiar o direito ao casamento homossexual e até a pedir à Igreja
que mude os seus ensinamentos. A seguir virá, sem dúvida, a eutanásia,
disfarçada de misericórdia.
Até
parece que a democracia se tornou um absoluto que supera tudo. Se o aborto é
imposto democraticamente, ou legalizado por juízes que trabalham num
enquadramento democrático, então os líderes da Igreja ficam como que paralisados
quando toca a disciplinar os seus próprios fiéis políticos ou juízes. Se agem
no contexto de uma democracia, têm carta branca, é isso? Não podemos dar a
ideia de estar a minar a democracia disciplinando sequer católicos que votam
pelo direito a matar os inocentes?
Um
abortista católico está automaticamente excomungado, mas com o político
católico que vota de forma a permitir que o abortista possa exercer o seu
trabalho, não se passa nada? Se o juiz [do Supremo Tribunal] Anthony Kennedy
atropelar o ensinamento católico com uma decisão bizarra no caso Obergefell
[que legalizou o casamento homossexual nos EUA], com ele também não se passa nada.
Os políticos e os juízes católicos não podem ser beliscados pela disciplina
católica, porque agem a coberto da democracia e da separação entre a Igreja e o
Estado e tudo isso. Por isso o juiz Kennedy continua a ser tratado como homem
honrado e – mais ainda – pode continuar a afirmar-se um bom católico sem demais
consequências.
Questiono-me
se um futuro Papa terá de pedir perdão por toda esta hesitação da parte dos
bispos de exercer a sua liderança através da disciplina pública, e não só por
palavras, mas cobrindo-se de saco e sentando-se em cinzas, penitenciando-se pela
fraca resposta dos líderes da Igreja enquanto dezenas de milhões de novos e
velhos pagavam o preço dessa inacção com as suas próprias vidas.
O
padre Mark A. Pilon, sacerdote da Diocese de Arlington, Virginia, é doutorado
em Teologia Sagrada pela Universidade de Santa Croce, em Roma. Foi professor de
Teologia Sistemática no Seminário de Mount St. Mary e colaborou com a revista
Triumph. É ainda professor aposentado e convidado no Notre Dame Graduate School
of Christendom College. Escreve regularmente em littlemoretracts.wordpress.com
(Publicado
pela primeira vez na quarta-feira, 19 de Agosto de 2015 em The Catholic Thing)
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