Os quatro vídeos clandestinos sobre a Planned Parenthood
que foram divulgados até ao momento [agora cinco] chocaram toda a gente na
América que ainda é capaz de se chocar. Os oito ou dez que ainda aí vêm poderão
revelar horrores ainda maiores e é por isso que a StemExpress (uma empresa que
utiliza os bebés desmembrados que compra à PP para fazer “pesquisa”) e a
National Abortion Federation (que por alguma razão está preocupada com a
revelação de imagens das suas reuniões) se apressaram a conseguir que uns
juízes simpatizantes da Califórnia bloqueassem a libertação de mais vídeos.
A nossa classe política, tanto republicanos como
democratas, está a fazer aquilo que faz melhor: nada. A Planned Parenthood
contratou uma empresa de Relações Públicas que tem estado subtilmente a ameaçar
grupos de media – que na maior parte não têm grande interesse em olhar de perto
para a questão, nem mesmo para perceber para onde vai o dinheiro. Resumindo, a
não ser que um grande número de pessoas como nós desperte e faça algo, mesmo
este horror nacional poderá passar sem que mude grande coisa. Espero que pelo menos
alguns governos estaduais comecem a fazer investigações. Rapidamente.
Mas para além da mera revolta e frustração, há uma parte
da história da PP que me tem interessado. Sabemos que os políticos e a gerência
da PP têm, por várias razões, feito pactos com o demónio. Mas o que me persegue
é que os funcionários das clínicas – à primeira vista pessoas normais e não
monstros imorais ou aparelhos partidários – que se têm tornado literalmente
cegos ao que estão a fazer. Se o corpo deliberadamente esquartejado de um bebé,
exposto debaixo do seu nariz, não os enche de terror, então o que é que lhes
aconteceu? Como é que vasculham esses restos mortais para encontrar pulmões,
corações, fígados, e não reagem às mãozinhas, pés e – sem dúvida – caras de
bebés que lá se encontram?
Podemos simplesmente denunciar estes trabalhadores como
seres frios e amorais, mas isso é não ver o problema real: Como é que pessoas
que são em tudo como nós chegam a um ponto em que fazem coisas destas? Durante
muito tempo os defensores do aborto afirmaram que os fetos ou “produtos de
concepção” eram basicamente conjuntos de células que se eliminavam com a mesma
facilidade com que se elimina uma verruga. Depois chegaram as ecografias (na
verdade as ecografias já existiam quando o Supremo Tribunal nos deu Roe v. Wade
em 1973, mas a verdadeira ciência nunca desempenhou um grande papel no debate
sobre o aborto). Agora as ecografias são tão comuns que é preciso fazer um
grande esforço para não compreender que aquilo que está dentro de um útero
parece muito – porque é – um bebé. Não se arranja corações, pulmões, fígados –
órgãos humanos – de um aglomerado de células.
Temos dificuldade em explicar isto, por isso procuramos
comparações históricas como os guardas dos campos de concentração nazis e dos
gulags soviéticos. Mas a América criou estes horrores e tornou-se apática a
elas, tudo em tempo de paz, numa altura em que pensávamos que nos estávamos a
tornar mais humanos, com melhores oportunidades para as mulheres, maiores
liberdades debaixo de um regime nominalmente controlado por nós. Foram precisas
alterações graduais ao nível do pensamento e da visão para nos conduzir a esta
cegueira. Há grandes quantidades de americanos que aceitam hoje em dia – sem
pensar duas vezes – a justiça e até mesmo a bondade do aborto, da mesma forma
que em tempos absorviam, inconscientemente, a fé e a moral cristã.
Não é a primeira vez que uma geração inteira perde a
razão. Mas agora a verdade é tão grotesca e tão palpável que pensamos nas
declarações de Jefferson sobre a escravatura. “Tremo pelo meu país quando penso
que Deus é justo e que a sua justiça não pode dormir para sempre”.
Not for sale |
Tudo isto vem reforçar a ideia de que algo está a correr
terrivelmente mal na América. Nos anos 70, que foi quando os “sixties”
começaram verdadeiramente a causar estragos, atravessámos um período de caos,
incompetência e torpeza moral semelhante. Durante uns anos a coisa serenou, mas
agora voltou com mais força ainda. Os afro-americanos estão justamente furiosos
com os maus tratos sofridos às mãos da polícia, mas essa é apenas parte de uma
disfunção maior que já nos submergiu a todos. E parece que as soluções
políticas à disposição apenas servirão para atenuar a queda.
Mas não podemos, NÃO PODEMOS, virar as costas. Fala-se
muito, hoje em dia, da “Opção Beneditina”, uma retirada desta sociedade má de
forma a preservar algumas virtudes e preparar o caminho para um futuro melhor.
É verdade que precisamos de nos distanciar um pouco da sociedade para manter
alguma sanidade. Mas se não fosse a constante pressão pública sobre grupos como
o Planned Parenthood, as coisas ainda podiam piorar, muito rapidamente.
O Papa Francisco pediu-nos, e bem, para “fazer barulho”. Foi
isso que as mulheres de Buenos Aires fizeram durante anos para protestar contra
os “desaparecimentos” durante a “guerra suja” da Argentina. Temos – cada um de
nós – que aumentar a parada, desafiar os amigos relutantes a prestar atenção,
obrigar quem queira olhar para o lado a enfrentar a realidade. Não pode haver
baldas. Uma sociedade que permite a existência – financiando com dinheiro
público – de uma entidade como a Planned Parenthood, abriu as portas aos
bárbaros. O nosso Presidente, que é adepto desta barbárie, pediu que Deus abençoe
a Planned Parenthood.
Nisto eu não concordo com a posição do Papa. No início do
seu pontificado afirmou que os pró-vidas não podem continuar a “insistir e
obcecar-se” com estas questões. Confesso – e fá-lo-ei formalmente se necessário
– que estou obcecado com estas recentes revelações, de uma forma como nunca
estive com nada que tenha a ver com o aborto. As obsessões podem ser
patológicas, mas uma pessoa que esteja obcecada com o tráfego de pessoas ou com
a pobreza global, como o Papa e o Vaticano parecem estar, poderá estar apenas a
responder proporcionalmente a um grande mal.
Os conquistadores espanhóis de Cortéz não eram
propriamente cristãos exemplares, mas quando viram homens e mulheres
sacrificados aos deuses Aztecas – com corações arrancados vivos e cadáveres
lançados pelos degraus das pirâmides de Tenochtitlan (actual Cidade do México),
os soldados não viraram costas, como se não tivesse nada a ver com eles. Era
preciso pôr fim àquilo e por isso eles agiram, embora fossem apenas 500 numa
cidade com perto de 300.000 pessoas.
“Insistir” que não sacrifiquemos os nossos filhos aos
Baals e Molochs ou quaisquer outros deuses obscuros não é errado. É
simplesmente aquilo que nós cristãos – e qualquer pessoa de boa vontade –
devemos fazer.
Robert Royal é editor de The
Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O
seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em
capa mole da Encounter Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 3 de Agosto de 2015)
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