Wednesday, 5 August 2015

Obcecado com os vídeos da Planned Parenthood

Os quatro vídeos clandestinos sobre a Planned Parenthood que foram divulgados até ao momento [agora cinco] chocaram toda a gente na América que ainda é capaz de se chocar. Os oito ou dez que ainda aí vêm poderão revelar horrores ainda maiores e é por isso que a StemExpress (uma empresa que utiliza os bebés desmembrados que compra à PP para fazer “pesquisa”) e a National Abortion Federation (que por alguma razão está preocupada com a revelação de imagens das suas reuniões) se apressaram a conseguir que uns juízes simpatizantes da Califórnia bloqueassem a libertação de mais vídeos.

A nossa classe política, tanto republicanos como democratas, está a fazer aquilo que faz melhor: nada. A Planned Parenthood contratou uma empresa de Relações Públicas que tem estado subtilmente a ameaçar grupos de media – que na maior parte não têm grande interesse em olhar de perto para a questão, nem mesmo para perceber para onde vai o dinheiro. Resumindo, a não ser que um grande número de pessoas como nós desperte e faça algo, mesmo este horror nacional poderá passar sem que mude grande coisa. Espero que pelo menos alguns governos estaduais comecem a fazer investigações. Rapidamente.

Mas para além da mera revolta e frustração, há uma parte da história da PP que me tem interessado. Sabemos que os políticos e a gerência da PP têm, por várias razões, feito pactos com o demónio. Mas o que me persegue é que os funcionários das clínicas – à primeira vista pessoas normais e não monstros imorais ou aparelhos partidários – que se têm tornado literalmente cegos ao que estão a fazer. Se o corpo deliberadamente esquartejado de um bebé, exposto debaixo do seu nariz, não os enche de terror, então o que é que lhes aconteceu? Como é que vasculham esses restos mortais para encontrar pulmões, corações, fígados, e não reagem às mãozinhas, pés e – sem dúvida – caras de bebés que lá se encontram?

Podemos simplesmente denunciar estes trabalhadores como seres frios e amorais, mas isso é não ver o problema real: Como é que pessoas que são em tudo como nós chegam a um ponto em que fazem coisas destas? Durante muito tempo os defensores do aborto afirmaram que os fetos ou “produtos de concepção” eram basicamente conjuntos de células que se eliminavam com a mesma facilidade com que se elimina uma verruga. Depois chegaram as ecografias (na verdade as ecografias já existiam quando o Supremo Tribunal nos deu Roe v. Wade em 1973, mas a verdadeira ciência nunca desempenhou um grande papel no debate sobre o aborto). Agora as ecografias são tão comuns que é preciso fazer um grande esforço para não compreender que aquilo que está dentro de um útero parece muito – porque é – um bebé. Não se arranja corações, pulmões, fígados – órgãos humanos – de um aglomerado de células.

Temos dificuldade em explicar isto, por isso procuramos comparações históricas como os guardas dos campos de concentração nazis e dos gulags soviéticos. Mas a América criou estes horrores e tornou-se apática a elas, tudo em tempo de paz, numa altura em que pensávamos que nos estávamos a tornar mais humanos, com melhores oportunidades para as mulheres, maiores liberdades debaixo de um regime nominalmente controlado por nós. Foram precisas alterações graduais ao nível do pensamento e da visão para nos conduzir a esta cegueira. Há grandes quantidades de americanos que aceitam hoje em dia – sem pensar duas vezes – a justiça e até mesmo a bondade do aborto, da mesma forma que em tempos absorviam, inconscientemente, a fé e a moral cristã.

Não é a primeira vez que uma geração inteira perde a razão. Mas agora a verdade é tão grotesca e tão palpável que pensamos nas declarações de Jefferson sobre a escravatura. “Tremo pelo meu país quando penso que Deus é justo e que a sua justiça não pode dormir para sempre”.

Not for sale
Tudo isto vem reforçar a ideia de que algo está a correr terrivelmente mal na América. Nos anos 70, que foi quando os “sixties” começaram verdadeiramente a causar estragos, atravessámos um período de caos, incompetência e torpeza moral semelhante. Durante uns anos a coisa serenou, mas agora voltou com mais força ainda. Os afro-americanos estão justamente furiosos com os maus tratos sofridos às mãos da polícia, mas essa é apenas parte de uma disfunção maior que já nos submergiu a todos. E parece que as soluções políticas à disposição apenas servirão para atenuar a queda.

Mas não podemos, NÃO PODEMOS, virar as costas. Fala-se muito, hoje em dia, da “Opção Beneditina”, uma retirada desta sociedade má de forma a preservar algumas virtudes e preparar o caminho para um futuro melhor. É verdade que precisamos de nos distanciar um pouco da sociedade para manter alguma sanidade. Mas se não fosse a constante pressão pública sobre grupos como o Planned Parenthood, as coisas ainda podiam piorar, muito rapidamente.

O Papa Francisco pediu-nos, e bem, para “fazer barulho”. Foi isso que as mulheres de Buenos Aires fizeram durante anos para protestar contra os “desaparecimentos” durante a “guerra suja” da Argentina. Temos – cada um de nós – que aumentar a parada, desafiar os amigos relutantes a prestar atenção, obrigar quem queira olhar para o lado a enfrentar a realidade. Não pode haver baldas. Uma sociedade que permite a existência – financiando com dinheiro público – de uma entidade como a Planned Parenthood, abriu as portas aos bárbaros. O nosso Presidente, que é adepto desta barbárie, pediu que Deus abençoe a Planned Parenthood.

Nisto eu não concordo com a posição do Papa. No início do seu pontificado afirmou que os pró-vidas não podem continuar a “insistir e obcecar-se” com estas questões. Confesso – e fá-lo-ei formalmente se necessário – que estou obcecado com estas recentes revelações, de uma forma como nunca estive com nada que tenha a ver com o aborto. As obsessões podem ser patológicas, mas uma pessoa que esteja obcecada com o tráfego de pessoas ou com a pobreza global, como o Papa e o Vaticano parecem estar, poderá estar apenas a responder proporcionalmente a um grande mal.

Os conquistadores espanhóis de Cortéz não eram propriamente cristãos exemplares, mas quando viram homens e mulheres sacrificados aos deuses Aztecas – com corações arrancados vivos e cadáveres lançados pelos degraus das pirâmides de Tenochtitlan (actual Cidade do México), os soldados não viraram costas, como se não tivesse nada a ver com eles. Era preciso pôr fim àquilo e por isso eles agiram, embora fossem apenas 500 numa cidade com perto de 300.000 pessoas.

“Insistir” que não sacrifiquemos os nossos filhos aos Baals e Molochs ou quaisquer outros deuses obscuros não é errado. É simplesmente aquilo que nós cristãos – e qualquer pessoa de boa vontade – devemos fazer.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em capa mole da Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na segunda-feira, 3 de Agosto de 2015)

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