A Europa está dividida sobre o que fazer em relação à
crise dos refugiados que nos batem à porta a pedir uma oportunidade de vida.
Dos refugiados que vêm de contextos de tal forma desesperados que estão
dispostos a arriscar a vida só para tentar ter uma vida melhor.
Temos aqui vários dramas.
Em primeiro lugar há o drama dos que tentam fazer as
viagens intermináveis por terra, ou mais curtas e letais por mar. Não é uma
crise que se compreenda com números, é uma crise que se conta com vidas e
histórias individuais. Cada refugiado que é retirado morto do Mediterrâneo ou
do porão de um navio, é uma pessoa profundamente amada e desejada por Deus, uma
pessoa com potencial para o bem e para o mal, para a grandeza; amada por um pai
e por uma mãe, que ama profundamente os seus filhos, que brincou em criança,
que correu e fez asneiras, que chorou um primeiro coração despedaçado. São
homens e são mulheres e estão a morrer para tentar ter um pedaço desta vida que
nós vivemos e que ainda nos atrevemos a dizer que é de crise.
Há ainda o drama dos países e das realidades de origem,
que é um drama pintado em tons de guerra e de violência, razão da fuga.
Mas o drama que mais me aflige – já que os outros sempre
os teremos connosco – é o drama de que nós somos personagens. Com estas vagas
de pessoas a bater-nos à porta, a suplicar pelas suas vidas para entrar, que
haja sequer um debate sobre como agir e se devemos abrir a porta ou não revela
uma fraqueza moral da Europa de tal forma profunda que nos deve entristecer e
chocar.
Deixem-me colocar isto na primeira pessoa, para não andar
apenas pelo reino das teorias, que são tão fáceis… O meu avô inglês combateu na
Segunda Guerra Mundial. Perdeu dois irmãos no conflito. Casou em Londres ao som
de rockets V2 e teve o copo-de-água num hotel cuja parede tinha sido destruída
na véspera.
O meu avô português era piloto da força aérea e durante a
guerra foi para Inglaterra receber formação de jactos que Portugal ia comprar
aos britânicos. Durante pelo menos uma das sessões de formação o instrutor
inglês detectou aviões alemães e informou os seus formandos portugueses de que
tinha de os atacar. Eles, contra todas as convenções e ordens, juntaram-se a
ele.
Tenho como um dos maiores orgulhos do meu património
familiar o facto de, numa altura em que a Europa se dividia entre o mais puro
do mal e aqueles que resistiam, ambos os meus avôs não só estavam do lado certo
como foram à luta. Ambos, certamente, agiram com base na sua educação e nos
valores cristãos que sempre os animaram.
Eu sou também herdeiro desses valores. Num outro tempo,
noutras circunstâncias, mas são valores que transpõem todos os tempos e todas
as circunstâncias. A verdade é assim mesmo.
Portanto digo em nome próprio, a quem é de direita ou de
esquerda, a quem é conservador ou liberal, a quem é ateu ou crente, a quem é
católico ou protestante… Enquanto houver um homem ou mulher a bater desesperado
à nossa porta e esta não se abrir, devíamos cobrir a cara de vergonha e lavar a
boca antes de reivindicar uma cultura e valores cristãos.
Sim, eu ponho esta questão em termos religiosos porque é
isso que sinto. Esta crise é uma prova ao nosso Cristianismo. E choca-me que
aqueles que alertam para o perigo de uma “invasão” de estrangeiros para a
cultura e civilização da Europa não percebam, pobres almas, que são eles mesmos
o mais visível sinal da morte dessa mesma civilização.
Deixem-nos entrar.
Por amor do Santo Deus, do Senhor dos Céus e da Terra, do
Cristo que foi refugiado no Egipto, deixem-nos entrar!
Filipe d'Avillez
Bravo
ReplyDeleteSubstituiria na frase 'esta crise é uma prova ao nosso Cristianismo' a palavra cristianismo por humanidade.
ReplyDeleteBom texto.
Escrevi sobre o mesmo tema hoje no meu blog.
http://a-uva-passa.blogspot.pt/2015/09/ha-sempre-licoes-tirar.html
Já agora, qual é o seu comentário sobre o facto de eles recusarem e deitarem fora comida e água, porque é fornecida por elementos identificados com uma cruz?
ReplyDeleteO meu comentário é que devíamos todos exercer uma saudável dose de cepticismo antes de acreditar nas coisas que vimos no Facebook.
Deletehttp://www.rtp.pt/noticias/mundo/autor-esclarece-video-de-migrantes-a-recusar-ajuda-da-cruz-vermelha_n854607