Hadley Arkes |
Estava de viagem quando um amigo me ligou a dar a
notícia. Um painel de juízes do 8º Circuito Federal tinha deliberado sobre um
projecto de lei do Dakota do Norte que proibia os abortos depois de haver
“batimentos cardíacos detectáveis” no nascituro. (Trata-se do caso MKB Management v. Stenehjam)
Esta era uma das iniciativas pró-vida mais promissoras
dos últimos tempos. Uma sondagem mostrava que 62% da população acredita que o
aborto não devia ser permitido depois de haver provas de batimentos cardíacos.
O que a maioria das pessoas não sabe é que com a tecnologia moderna isso é
possível tão cedo como as seis semanas e meia, ou sete ou oito. E já ouvi dizer
que com ecografias vaginais o batimento cardíaco pode ser detectado tão cedo
como cinco semanas depois da última menstruação, ou seja, 22 dias depois da
concepção. Isto é, mais ou menos na altura em que a mulher descobre que está
grávida.
Contudo, não é o batimento do coração que marca o início
da vida humana, essa é apenas parte do desenvolvimento de uma vida que já
existe, gerando e integrando o seu próprio crescimento. Em todo o caso, se o
teste dos batimentos cardíacos servisse como nova fasquia para o limite ao
aborto é escusado dizer que isso teria efeitos dramáticos sobre a sua prática
nos Estados Unidos.
Os três juízes federais que lidaram com o caso tinham
sido nomeados por George W. Bush e aproveitaram a ocasião para afirmar que
“existem boas razões para que o Supremo Tribunal reavalie a sua
jurisprudência”. Elencaram então uma longa lista dos efeitos negativos do
aborto sobre as mulheres que se submetem à intervenção: A ligação ao cancro da
mama, infecções crónicas da bexiga, cancro cervical, histerectomia precoce, já
para não falar da incidência de depressões sérias em muitos casos.
Mas o meu amigo, ao transmitir-me a notícia, não entendeu
bem a questão. Estes juízes, nomeados por Bush, que são claramente pró-vida,
estavam a lançar um apelo sincero para a revisão da decisão do Supremo Tribunal
que legalizou o aborto em todo o país, mas estavam a fazê-lo depois de explicar
que a jurisprudência actual do Supremo os obrigava a anular a lei que proibia
abortos depois de detectados batimentos cardíacos. Com essa decisão,
infelizmente, estes homens de grande reputação revelaram os principais pontos
de vazio moral daquilo que hoje em dia é conhecido como “jurisprudência
conservadora”.
O obstáculo é a questão da “viabilidade”. O Supremo
Tribunal decidiu que a viabilidade ocorre cerca das 24 semanas da gravidez.
Porém, há pouco tempo esse prazo era de 28 semanas. Nesta sua decisão, os
juízes conservadores tiveram a sagácia para perguntar: “Como é que se
compreende que o mesmo feto seria merecedor de protecção estatal num ano, mas no
ano seguinte não?”
O Supremo Tribunal, argumentam, “vinculou o interesse do
Estado pelos nascituros ao desenvolvimento da obstetrícia e não ao
desenvolvimento dos próprios nascituros”. Por outras palavras, a definição de
Ser Humano do tribunal depende da ciência da evolução da construção de
incubadoras.
Neste ponto vemos que os juízes tinham na mão um argumento
fulcral, mas não souberam o que fazer com ele. Insistem que a actual regra do
Supremo Tribunal deve ter precedência, mas claramente a regra das 24 semanas
não deriva do texto da Constituição, nem deriva da lógica inerente ao “direito
ao aborto”. E é evidente que não está apoiada nos manuais de embriologia. Por
que razão, então, devem os juízes ceder perante esse prazo que não tem qualquer
valor jurídico ou científico?
Na verdade, já que falamos de “viabilidade”, David Forte
tem dito que a existência de batimentos cardíacos é um dos indicadores mais
seguros de viabilidade. “Na ausência de um desenvolvimento externo inesperado,
uma vez que um feto chegou às cinco ou seis semanas e o coração começa a
funcionar, é quase certo que ele ou ela continuará a desenvolver-se até ao
fim”.
Nas litigações sobre o Obamacare os juízes liberais
estavam mais que dispostos a invocar os propósitos da lei, mesmo quando estes
contrariavam o texto da mesma. Os juízes conservadores podiam, neste caso, ter
invocado a regra da viabilidade mantendo a lei do Dakota do Norte como uma
medida que merecia verdadeiramente obrigar o Supremo Tribunal a reconsiderar as
provas e a lógica por detrás da sua posição sobre a mesma viabilidade.
Podiam até ter feito mais do que solicitar ao Supremo
Tribunal que revisitasse a sua jurisprudência, podiam tê-lo obrigado.
Certamente outro tribunal de recurso, noutro circuito, anularia uma lei
comparável, criando uma divisão entre os circuitos que obrigaria o Supremo a
pegar no assunto.
Cá para mim, estes juízes foram aprovados e nomeados com
base na promessa de respeitar as decisões do Supremo Tribunal sobre o aborto e
abjurando a tentação de se tornar – cruzes, credo! – activistas. Isto é,
prometeram purgar-se da imaginação e da coragem moral que são revelados todos
os dias pelos seus colegas liberais e abdicar da lógica e do raciocínio que
praticam noutras áreas das suas vidas.
Hadley
Arkes é Professor de Jurisprudência em Amherst College e director do Claremont
Center for the Jurisprudence of Natural Law, em Washington D.C. O seu mais
recente livro é Constitutional Illusions & Anchoring Truths: The Touchstone
of the Natural Law.
(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 28 de Julho
de 2015 em The Catholic Thing)
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