Randall Smith |
Recentemente uma das minhas alunas estava a ler um livro
que dizia que a fé é “uma luz espiritual que ilumina a mente” e que “vemos
através dessa luz”. Perguntou-me o que é que isso queria dizer. O que é uma
“luz espiritual” e como é que pode “iluminar a mente?”. “Sei que ‘luz’ é apenas
uma metáfora, mas não deixa de me parecer um pouco vago. Do que é que o autor
está a falar?”
Consideremos o seguinte caso, disse-lhe. Digamos que há
uma jovem rapariga que sofre de depressão crónica e que, desde muito nova, tem
problemas com a sua imagem corporal. Ela pensa que é gorda e feia, mas não é.
Na verdade, é capaz até de ser demasiado magra para o seu bem, mas é até
bastante atraente.
Agora digamos que esta jovem mulher recebe ajuda de um
bom psicólogo e/ou que responde da melhor forma ao amor de um pai, de uma amigo
ou do seu marido. E digamos que depois desta alteração na sua disposição, quando
se olha ao espelho, já não se vê como gorda e feia, apesar de o seu índice de
massa corporal estar exactamente na mesma. Por alguma razão ela agora já
acredita, ao contrário de antes, no seu marido, ou na sua mãe ou nos amigos,
quando estes lhe dizem “não és gorda, és linda”. Antes até lhe custava ouvir
tais palavras.
Como é que descreveríamos esta nova visão que a jovem
passou a ter de si mesma, e de si em relação ao mundo? Que tal uma espécie de
“luz espiritual” que lhe “iluminou a mente?”
Porquê esta descrição? Porque antes ela estava convencida
na sua mente que era gorda e feia. Ninguém lhe poderia demonstrar o contrário.
Por isso a mudança não foi puramente intelectual. Ninguém lhe deu novas provas;
ninguém lhe mostrou fotografias que antes não tinha visto. A mudança aconteceu
nalgum lado dentro dela que não apenas o intelecto. Não foi apenas uma mudança
na sua mente; foi uma mudança em toda uma atitude para consigo mesma e em
relação a outras pessoas e ao mundo.
Onde antes tinha existido uma espécie de desespero porque
as coisas nunca seriam diferentes, agora existe uma esperança. Não se trata de
um sonho ilusório e impossível (como eu dizer, por exemplo, que um dia seria
capaz de jogar no NBA), mas uma esperança baseada numa nova percepção da
realidade das coisas como verdadeiramente são. Não dizemos apenas que ela “espera”
que não seja gorda. Não, ela vê a verdade de que não é gorda, coisa que antes
não era capaz de ver, nem de imaginar. Podemos dizer, por isso, que esta nova
“luz espiritual” lhe “iluminou” a mente, de forma a que ela consegue agora ver
com os seus olhos e compreender com a sua mente a sua verdadeira imagem e o seu
verdadeiro valor, que antes estavam abafados por uma ilusão.
Poderá ser que esta nova capacidade de se ver a si mesma
e ao mundo se tornou possível porque finalmente acreditou no amor de um amigo,
ou do seu marido, ou por alguma razão que ela provavelmente não consegue
explicar. Ou talvez se trate de algo para além da “razão”, pelo menos de acordo
com o que ela considerava “razoável”. E esta nova “visão” de si mesma e do
mundo, que se tornou possível por ter dito finalmente que “sim” ao amor, também
abriu as portas a uma nova esperança e à capacidade para amar de forma mais
completa. Na verdade, se calhar ela simplesmente disse a si mesma: “Prefiro
dizer que sim à realidade do amor e a tudo o que isso promete em vez de dizer
que não e permanecer presa na triste realidade que me convenci a mim mesma que
é a única que poderia possivelmente existir.”
Seria bom se, quando lidamos com jovens deste tipo que se
convenceram de que são feias, pudéssemos simplesmente fornecer-lhes provas no
sentido contrário. Mas por alguma razão, na maior parte das vezes, o “sim” da
fé, esperança e amor precisam de vir primeiro. Este tipo de pessoa não começa
por ver a verdade e depois decide, com base em critérios racionais, a amar-se a
si mesmos e aos outros. Primeiro têm de aceitar a realidade do amor e depois
deixá-lo desabrochar num novo tipo de esperança que lhes permite ver a
realidade como ela é verdadeiramente.
Se duvida que o amor torna possível uma visão mais
verdadeira e clara da realidade – sobretudo da realidade das pessoas – do que
teria sido possível de outra forma, então é porque não passou tempo suficiente
a ouvir mães a falar dos seus filhos. Sobretudo, digamos, a mãe de um filho com
Trissomia XXI. Tanto quanto consigo ver (não sendo uma daquelas pessoas que se
baba por bebés), se não pudesse ver com os olhos de um amor que é capaz de
olhar para além das evidências e com uma esperança por possibilidades que ainda
não estão presentes (ou que nem parecem muito prováveis), aquela mãe não
estaria a apostar a sua vida no futuro destas crianças.
Mas é isso mesmo que as mães fazem, todos os dias.
O que é que elas vêem nestas crianças que eu não vejo?
Provavelmente o mesmo que os santos vêem no mundo e nas outras pessoas que o
resto da humanidade não vê: A graça amorosa de Deus em acção, tornando
possíveis realidades que mal podemos conceber e que na maior parte das vezes
nem conseguimos imaginar.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
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