Pe. Mark Pilon |
Quando os homens fingem favorecer o Evangelho, mas vivem
no mal, não devemos encorajar a sua ilusão, mas obedecer às nossas
consciências, como fez João. O mundo pode chamar a isto falta de educação ou
zelo cego. Os professores falsos, ou os cristãos tímidos, poderão censurá-lo
como sendo falta de civismo; mas os inimigos mais poderosos não podem ir mais
longe do que aquilo que o Senhor permite. – Comentário de Matthew Henry a
Mateus 14,1
João Baptista seria bem-vindo na Igreja de hoje? Em
primeiro lugar, o seu estilo de vida era tão ascético que incomodaria
certamente muitas consciências, mesmo entre a hierarquia. Depois havia a
pregação, que incluiu uma condenação pública de Herodes Antipas por viver em
incesto com a mulher do seu meio-irmão Filipe. Essa tomada de posição seria
alvo de muita crítica, se não mesmo censura, nos dias de hoje.
A missão de João tinha basicamente duas vertentes. Era o
último dos profetas que anunciaria a presença do Messias. Mas primeiro tinha de
preparar o povo de Israel para acolher o Messias, que já estava entre eles,
através de uma chamada firme para o arrependimento do dos pecados. Esta última
parte da sua missão dirigia-se a uma nação inteira e não se dirigia a algum
pecado em particular, até confrontar Herodes. Foi aí que as coisas se tornaram
pessoais.
Herodes fazia parte de Israel, era Rei, nomeado pelo
imperador romano. Mas era um membro apenas parcialmente comprometido com a
religião judaica. Não era devoto, de todo, mas era bastante ecléctico.
Claramente preocupava-se com algumas práticas ou costumes judaicos, mas
claramente, também, não acreditava muito em doutrinas.
Tal como o seu pai, Herodes o Grande, não ia muito com a
conversa de um messias. Do resto das suas crenças, se as tinha, não sabemos
nada. Mas sabemos que era desprezado por todas as facções religiosas que tinham
de lidar com ele. Sabemos também, através dos historiadores, que metia o dedo
em práticas pagãs, ligadas aos deuses dos seus mestres, os romanos. Quando era
politicamente oportuno fazia o que era preciso do ponto de vista religioso,
tanto para os judeus como para os pagãos.
Mas João trata-o como correligionário judeu e não como
pagão. E João respeita-o ao ponto de lhe dizer para se arrepender e mudar de
vida, tal como fazia com outros judeus. Mais, porque Herodes fazia parte do
povo judeu, independentemente da forma morna como o fazia, e porque
desempenhava um papel importante para o povo, João não pode permitir que o seu
comportamento escandaloso (a sua união incestuosa com Herodíade) passe em
claro. Por isso denunciou-o, e custou-lhe a vida.
É difícil imaginar algo do género a passar-se hoje em
dia. Herodes faz lembrar muitos políticos católicos que praticam a sua religião
apenas na medida em que está de acordo com as suas ambições políticas. Quantos
políticos católicos prestam culto, hoje em dia, aos deuses contemporâneos dos
pagãos? Quantos “católicos” no congresso e noutras legislaturas e cargos de
responsabilidade, apoiam os “sacramentos” sagrados da religião secular; o
sacramento do aborto, há décadas, e o mais moderno sacramento do “casamento”
homossexual?
Simplesmente já não há ninguém como João Baptista entre
os líderes da Igreja actual que, por inerência dos seus cargos, receberam um
mandato profético de Cristo. Que político católico que trabalha abertamente
contra os ensinamentos morais de Cristo tem sido denunciado publicamente por
isso? Sei de apenas um caso nos últimos cinquenta e três anos, quando o
arcebispo Joseph Rummel, de Nova Orleans, excomungou o líder democrata Leander
Perez, em 1962, por se opor à integração racial das escolas.
O preço a pagar por denunciar os poderosos |
Desde essa altura tenho quase a certeza que não houve um
único caso. Suponho que estas traições políticas modernas, contribuindo para o
assassinato em massa e para a perversão do casamento, não merecem sequer uma
condenação pública, quanto mais uma excomunhão.
Devemos, talvez, acreditar que os bispos estão a
repreender estas pessoas em privado? Essa era a desculpa dada frequentemente a
pais de crianças abusadas por membros do clero: “O bispo está a tratar do
assunto discretamente, para evitar escândalo”. Mas depois foi-se a ver e
raramente isso correspondia à verdade.
O diálogo discreto nunca pode ser a resposta adequada a
uma situação de escândalo público grave. São João sabia que não podia apenas
falar com Herodes em privado, porque Herodes era um escândalo público. O
Arcebispo Rummel sabia que não bastava falar secretamente com Perez, embora o
tenha feito também, porque Perez era obstinado no seu comportamento
escandaloso.
Hoje os políticos semi-católicos são igualmente
persistentes no seu escândalo. Independentemente de os bispos terem falado com
eles em privado, chamando-os à conversão, não tem funcionado. O escândalo
público continua e os leigos ficam mais e mais confusos.
Não basta que os líderes da Igreja dialoguem com estes
políticos. As suas acções pedem arrependimento e esse arrependimento tem de ser
de natureza pública para que o escândalo público seja removido.
Enquanto ainda era cardeal, o Papa Bento XVI disse que o
principal dever de um bispo é de proteger a fé dos simples fiéis católicos.
Quando os políticos católicos defendem males graves na sociedade, pelas suas
acções, claramente estão a causar escândalo grave entre os fiéis. Quantos
católicos comuns, ao longo das últimas décadas, concluíram –
compreensivelmente, tendo em conta as acções dos seus pastores – que qualquer
pessoa pode ser um católico fiel e ainda assim defender o aborto na praça
pública e até na sua vida privada?
Não só nunca vêem os Herodes dos nossos dias censurados
pelos actuais guardiões da fé, mas vêem-nos mesmo a receber a Comunhão das suas
mãos. Que mais haviam de concluir?
Leander Perez acabou por regressar à Igreja antes de
morrer, o que significou que teve de rejeitar e arrepender-se do seu racismo.
Se o seu arcebispo o tivesse deixado passar como uma repreensão discreta temos
de pensar se esse arrependimento, necessário para a salvação, teria ocorrido.
Gosto de pensar que Perez ficará eternamente grato ao seu velho inimigo e que
hoje gozam juntos da beatitude, tal como Paulo e Estêvão.
O padre Mark A. Pilon, sacerdote da
Diocese de Arlington, Virginia, é doutorado em Teologia Sagrada pela
Universidade de Santa Croce, em Roma. Foi professor de Teologia Sistemática no
Seminário de Mount St. Mary e colaborou com a revista Triumph. É ainda professor
aposentado e convidado no Notre Dame Graduate School of Christendom College.
Escreve regularmente em littlemoretracts.wordpress.com
(Publicado pela primeira vez no sábado, 27 de Junho de 2015 em The Catholic Thing)
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