Wednesday, 4 February 2015

Tornar o Islão “Tão banal como o Catolicismo”

Estive em tempos em Istanbul para falar numa conferência sobre “O Diálogo das Civilizações”. Os turcos sabem, ou pelo menos sabiam antes da recente onda de islamização, que se algum dia chegar o “choque” das civilizações previsto por Huntington, serão apanhados no meio.

Tinha outras cidades para visitar e por isso não pude estar numa sessão organizada para os participantes que não falavam turco, em que espectadores enviavam perguntas e comentários por fax. O primeiro comentário surgiu da máquina e dizia: “Vocês são todos infiéis e hão-de morrer esta noite”

Isto foi-me contado por um colega britânico, com muita experiência no Médio Oriente. Nenhum dos participantes ficou surpreendido. Sabiam que este é o tipo de coisa que sabe na região, mesmo na Turquia semi-secular de Ataturk.

Seguindo o exemplo do nosso presidente Obama, não quero culpar “todos os muçulmanos por coisas que membros de outras religiões também fazem” e, para dizer a verdade, já fui ameaçado fisicamente, presumivelmente por um cristão liberal, depois de ter aparecido num programa de televisão. É um dos riscos de ser comentador.

Mas penso muitas vezes naquele episódio da Turquia, quando acontecem coisas como o recente massacre em Paris. Nessas alturas os comentários dividem-se rapidamente em dois grupos. Uma é a facção que diz que os radicais são “uma pequena minoria” e o Islão é uma “religião de paz”. A outra acusa correctamente a primeira de mentir, mas depois tende a adoptar uma condenação vaga e geral do Islão.

A verdade é que há muitos muçulmanos que abominam este tipo de violência. Conheci vários: Em Washington, na Turquia e noutros lados. Alguns falam muito abertamente sobre isto e a imprensa não lhes dá tanta atenção como devia.

Mas não deixa de ser verdade que a “pequena minoria” de que estamos sempre a ouvir falar, para apaziguar os nossos medos e proclamar a nossa própria tolerância, traduz-se em dezenas, ou mesmo centenas de milhões de potenciais terroristas em todo o mundo. Lembram-se das imagens de crianças no Médio Oriente a dançar nas ruas depois do ataque às Torres Gémeas? E em vários países do Ocidente existe uma torrente regular de ameaças e intimidação islâmicas, que raramente são notícia, como aquela minha experiência na Turquia.

As ameaças não surpreendem, uma vez que estudos revelam que grande parte dos muçulmanos apoia o Islão radical, em particular entre os jovens: 42% em França, 35% no Reino Unido e, mesmo na América, 26% acreditam que os atentados suicidas são justificados. Esperemos que com o passar dos anos se tornem mais tolerantes.

Entretanto podemos falar quanto quisermos da “pequena minoria” e da “religião da paz”. (A afirmação de que “Isto não tem nada a ver com o Islão” é uma colossal mentira que nem merece ser levada a sério). A realidade, pelo menos para o futuro próximo, é de que estamos a lidar – ou no caso dos nossos líderes, a não lidar –, com uma realidade que continuará a inspirar violência a um nível global.

Já houve um sem fim de comentários sobre o massacre de Paris, mas também estes não têm sido particularmente iluminadores. O Charlie Hebdo é mais do que uma revista “satírica”, é radicalmente anarquista, com mais do que uma gota do tipo de autoritarismo que frequentemente acompanha a anarquia. 

Tem um particular ódio à religião. Nas palavras de um editor, o seu objectivo era tornar o Islão “tão banal como o Catolicismo”. Na noite escura do anarquismo, toda as religiões são igualmente negras. Mas a verdade é que não são.

Manifestação contra o terrorismo em França
Os muçulmanos radicais não temem ser gozados. Uma prova da falta de seriedade do Charlie Hebdo é a sua crença de que as parvoíces que publicava faziam alguma diferença para o Islão militante. O Charlie Hebdo não é uma voz corajosa da dissidência. No fundo não faz mal a ninguém, nem aos políticos franceses (que, esses sim, temem ser gozados), porque não passa do tipo de coisa que os adolescentes adoram mas que os adultos se limitam a ignorar.

Entre os seus vários vícios e estupidezes, porém, a redacção do Charlie Hebdo tinha uma grande virtude: Não se deixavam intimidar pelo Islão radical. Mesmo depois de serem incendiados em 2011. Ao contrário dos nossos meios de comunicação, eles não cederam à pressão islamita, nem mesmo sob a pretensão da sensibilidade para com a religião.

A França está dividida sobre como lidar com o Islão. Durante anos doutrinou as crianças contra o “racismo”, como se ser seguidor de Maomé nos desse um ADN diferente. Porquê? A única resposta verdadeira é de que era mais fácil para os políticos usar um termo aceite universalmente como negativo do que percorrer o caminho mais complicado de lidar com um problema religioso. Agora estão finalmente a mudar de tom.

Este exemplo é indicativo: O prédio de um amigo parisiense foi apanhado no meio de um motim muçulmano há uns anos. Estes acontecem com mais frequência do que nos chega. Por vezes os supermercados são saqueados, mas a autocensura da imprensa suprime estas notícias para não alimentar a “islamofobia”. O meu amigo, um católico ortodoxo, politicamente liberal, que trabalhou durante algumas décadas para uma caridade católica em Paris, sentiu-se dividido, mas não pôde deixar de condenar o motim. A polícia permitiu que as lojas fossem pilhadas, propriedades destruídas, estradas bloqueadas, etc. Os seus próprios filhos, que tinham frequentado escolas católicas, disseram-lhe que não podia dizer essas coisas dessas, que era “racista”.

Mas ele não está sozinho. A Frente Nacional francesa, normalmente descrita como sendo de “extrema-direita”, teve 25% dos votos (o maior bloco em França), nas últimas eleições europeias. Isto não é, a meu ver, porque as suas posições por vezes ignóbeis se tornaram de repente mais populares. Tal como a Charlie Hebdo, a Frente Nacional diz, por vezes, a verdade, mesmo que de forma pouco apetecível, mas diz abertamente coisas que muitos já concluíram com base na sua experiência diária. Suprimir a “islamofobia”, infelizmente para os franceses, só serviu para tornar os muçulmanos ainda mais temidos e impopulares.

Há outras reacções possíveis, embora pouco praticadas. Uma ex-aluna, que viveu e trabalhou em países muçulmanos, escreveu-me de Paris para dizer que se sente mais vulnerável em França agora do que em qualquer altura antes. Mas também disse isto: “A reacção ao ataque foi interessantíssima. Os padres franceses têm sido objecto de muita da venenosa ridicularização da Charlie Hebdo. Muita desta tem sido de tom pessoal, de mau gosto e brejeiro… Esta noite um grupo de padres com quem estive rezou pelas vítimas e pelas suas famílias. Estas orações foram para os perseguidores, feitas pelos mesmos homens que tinham sido perseguidos. Questiono-me quantas mesquitas pelo mundo fora teriam feito o mesmo.”

Pois, é a banalidade do Catolicismo.


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em capa mole da Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 30 de Janeiro de 2015)

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