Estive em tempos em Istanbul para falar numa conferência
sobre “O Diálogo das Civilizações”. Os turcos sabem, ou pelo menos sabiam antes
da recente onda de islamização, que se algum dia chegar o “choque” das
civilizações previsto por Huntington, serão apanhados no meio.
Tinha outras cidades para visitar e por isso não pude
estar numa sessão organizada para os participantes que não falavam turco, em
que espectadores enviavam perguntas e comentários por fax. O primeiro
comentário surgiu da máquina e dizia: “Vocês são todos infiéis e hão-de morrer
esta noite”
Isto foi-me contado por um colega britânico, com muita
experiência no Médio Oriente. Nenhum dos participantes ficou surpreendido.
Sabiam que este é o tipo de coisa que sabe na região, mesmo na Turquia
semi-secular de Ataturk.
Seguindo o exemplo do nosso presidente Obama, não quero
culpar “todos os muçulmanos por coisas que membros de outras religiões também
fazem” e, para dizer a verdade, já fui ameaçado fisicamente, presumivelmente
por um cristão liberal, depois de ter aparecido num programa de televisão. É um
dos riscos de ser comentador.
Mas penso muitas vezes naquele episódio da Turquia,
quando acontecem coisas como o recente massacre em Paris. Nessas alturas os
comentários dividem-se rapidamente em dois grupos. Uma é a facção que diz que
os radicais são “uma pequena minoria” e o Islão é uma “religião de paz”. A
outra acusa correctamente a primeira de mentir, mas depois tende a adoptar uma
condenação vaga e geral do Islão.
A verdade é que há muitos muçulmanos que abominam este
tipo de violência. Conheci vários: Em Washington, na Turquia e noutros lados.
Alguns falam muito abertamente sobre isto e a imprensa não lhes dá tanta
atenção como devia.
Mas não deixa de ser verdade que a “pequena minoria” de
que estamos sempre a ouvir falar, para apaziguar os nossos medos e proclamar a
nossa própria tolerância, traduz-se em dezenas, ou mesmo centenas de milhões de
potenciais terroristas em todo o mundo. Lembram-se das imagens de crianças no
Médio Oriente a dançar nas ruas depois do ataque às Torres Gémeas? E em vários
países do Ocidente existe uma torrente regular de ameaças e intimidação
islâmicas, que raramente são notícia, como aquela minha experiência na Turquia.
As ameaças não surpreendem, uma vez que estudos revelam
que grande parte dos muçulmanos apoia o Islão radical, em particular entre os
jovens: 42% em França, 35% no Reino Unido e, mesmo na América, 26% acreditam
que os atentados suicidas são justificados. Esperemos que com o passar dos anos
se tornem mais tolerantes.
Entretanto podemos falar quanto quisermos da “pequena
minoria” e da “religião da paz”. (A afirmação de que “Isto não tem nada a ver com o Islão” é uma colossal mentira que nem merece ser levada a sério). A realidade, pelo menos para o futuro
próximo, é de que estamos a lidar – ou no caso dos nossos líderes, a não lidar –,
com uma realidade que continuará a inspirar violência a um nível global.
Já houve um sem fim de comentários sobre o massacre de
Paris, mas também estes não têm sido particularmente iluminadores. O Charlie
Hebdo é mais do que uma revista “satírica”, é radicalmente anarquista, com mais
do que uma gota do tipo de autoritarismo que frequentemente acompanha a
anarquia.
Tem um particular ódio à religião. Nas palavras de um
editor, o seu objectivo era tornar o Islão “tão banal como o Catolicismo”. Na
noite escura do anarquismo, toda as religiões são igualmente negras. Mas a
verdade é que não são.
Manifestação contra o terrorismo em França |
Os muçulmanos radicais não temem ser gozados. Uma prova
da falta de seriedade do Charlie Hebdo é a sua crença de que as parvoíces que
publicava faziam alguma diferença para o Islão militante. O Charlie Hebdo não é
uma voz corajosa da dissidência. No fundo não faz mal a ninguém, nem aos
políticos franceses (que, esses sim, temem ser gozados), porque não passa do
tipo de coisa que os adolescentes adoram mas que os adultos se limitam a
ignorar.
Entre os seus vários vícios e estupidezes, porém, a redacção
do Charlie Hebdo tinha uma grande virtude: Não se deixavam intimidar pelo Islão
radical. Mesmo depois de serem incendiados em 2011. Ao contrário dos nossos
meios de comunicação, eles não cederam à pressão islamita, nem mesmo sob a
pretensão da sensibilidade para com a religião.
A França está dividida sobre como lidar com o Islão.
Durante anos doutrinou as crianças contra o “racismo”, como se ser seguidor de
Maomé nos desse um ADN diferente. Porquê? A única resposta verdadeira é de que
era mais fácil para os políticos usar um termo aceite universalmente como
negativo do que percorrer o caminho mais complicado de lidar com um problema
religioso. Agora estão finalmente a mudar de tom.
Este exemplo é indicativo: O prédio de um amigo
parisiense foi apanhado no meio de um motim muçulmano há uns anos. Estes
acontecem com mais frequência do que nos chega. Por vezes os supermercados são
saqueados, mas a autocensura da imprensa suprime estas notícias para não
alimentar a “islamofobia”. O meu amigo, um católico ortodoxo, politicamente
liberal, que trabalhou durante algumas décadas para uma caridade católica em
Paris, sentiu-se dividido, mas não pôde deixar de condenar o motim. A polícia
permitiu que as lojas fossem pilhadas, propriedades destruídas, estradas
bloqueadas, etc. Os seus próprios filhos, que tinham frequentado escolas
católicas, disseram-lhe que não podia dizer essas coisas dessas, que era
“racista”.
Mas ele não está sozinho. A Frente Nacional francesa,
normalmente descrita como sendo de “extrema-direita”, teve 25% dos votos (o
maior bloco em França), nas últimas eleições europeias. Isto não é, a meu ver,
porque as suas posições por vezes ignóbeis se tornaram de repente mais
populares. Tal como a Charlie Hebdo, a Frente Nacional diz, por vezes, a
verdade, mesmo que de forma pouco apetecível, mas diz abertamente coisas que
muitos já concluíram com base na sua experiência diária. Suprimir a
“islamofobia”, infelizmente para os franceses, só serviu para tornar os
muçulmanos ainda mais temidos e impopulares.
Há outras reacções possíveis, embora pouco praticadas. Uma
ex-aluna, que viveu e trabalhou em países muçulmanos, escreveu-me de Paris para
dizer que se sente mais vulnerável em França agora do que em qualquer altura
antes. Mas também disse isto: “A reacção ao ataque foi interessantíssima. Os
padres franceses têm sido objecto de muita da venenosa ridicularização da
Charlie Hebdo. Muita desta tem sido de tom pessoal, de mau gosto e brejeiro…
Esta noite um grupo de padres com quem estive rezou pelas vítimas e pelas suas
famílias. Estas orações foram para os perseguidores, feitas pelos mesmos homens
que tinham sido perseguidos. Questiono-me quantas mesquitas pelo mundo fora
teriam feito o mesmo.”
Pois, é a banalidade do Catolicismo.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em capa mole da
Encounter Books.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 30 de Janeiro de 2015)
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