Pe. Bevil Bramwell |
Estas últimas semanas têm sido terrivelmente tristes. Primeiro,
houve os eventos horríveis em Paris, depois a destruição de igrejas no Níger, a
morte de 2000 pessoas na Nigéria e comunidades religiosas atacadas no Médio
Oriente. E isso foi só o início. Esta semana 21 cristãos coptas, trabalhadores
egípcios na Líbia, foram decapitados por o que parece ser um novo ramo do
Estado Islâmico e ainda ontem mais de 40 pessoas foram queimadas vivas pelo
Estado Islâmico propriamente dito no Norte do Iraque.
Temos dificuldade em saber onde procurar respostas sobre
o que fazer em relação a esta matança. Parte do problema é o facto de, no
Ocidente, estarmos confusos sobre aquilo em que realmente acreditamos. Mas
talvez as aberrações a que estamos a assistir nos forcem a pensar mais claramente
sobre aquilo que defendemos, e porquê.
Numa entrevista com a “Meet the Press”, por exemplo, o
editor sobrevivente da “Charlie Hebdo”, Gerard Biard, descreveu da seguinte
forma a mais recente caricatura de Maomé naquela revista: “É o símbolo da
liberdade de expressão, da liberdade religiosa, de democracia e secularismo”.
Com todo o respeito pela sua tristeza e pelo seu
sofrimento, é incrível como aquilo que ele diz – e que muitos dos nossos
conterrâneos dizem também – está dependente de definições idiossincráticas de
liberdade, expressão, religião, democracia e secularismo. Tudo abstracções
desenraizadas. Estamos a falar de liberdade jurídica, ou liberdade moral?
Liberdade em relação a pessoas concretas? O que é que Biard entende por
religião? E nós?
Mas existe uma referência autoritária. O documento Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, diz o seguinte: “Mas é só na liberdade
que o homem se pode converter ao bem. Os homens de hoje apreciam grandemente e
procuram com ardor esta liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém,
fomentam-na dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer
seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade. A liberdade verdadeira é um
sinal privilegiado da imagem divina no homem.”
Bastam estas frases para que as palavras de Biard se
dissolvam. Por exemplo, que “liberdade” é esta que humilha a religião de outra
pessoa, não de uma maneira útil que possa servir para remediar aberrações, mas
em termos ordinários e sexuais? Em tantos contextos, hoje, há certamente um bem
maior a procurar. Quão baixo temos de descer para arranjar emprego, encontrar
clientes, divertirmo-nos ou fazer programas de televisão?
Depois, temos a própria natureza da expressão. A Carta
aos Efésios diz claramente: “Nenhuma palavra desagradável saia da vossa boca,
mas apenas a que for boa, que edifique, sempre que necessário, para que seja
uma graça para aqueles que a escutam.”
Eis a chave que explica porque é que precisamos de
liberdade de expressão: Boa expressão. A expressão que procura o bem é composta
por palavras edificantes. Isto é liberdade enquanto espaço para procurar o bem,
que é Deus. Esta liberdade expressa a imagem divina em nós mesmos e reconhece a
imagem divina nos outros.
Adão e Eva exercem a sua liberdade... |
Para além disto, não são só os indivíduos que têm
direitos, as comunidades humanas também têm. As comunidades precisam de pessoas
que procurem activamente o bem – e não apenas o seu bem. Precisam de pessoas
que vejam os outros como imagem de Deus e, por isso, como merecedores de um
respeito que ultrapassa todas as outras considerações. Não é esta a verdadeira
base da democracia? Os pais fundadores da América, todos eles, pensavam que
sim.
O principal problema com a maioria das versões actuais de
liberdade é o facto de assentarem numa visão do homem como não-relacional. Isto
é, não têm respeito pelo facto de que cada pessoa humana existe em relação a
outras. (E, no fim de contas, em relação a Deus, não como uma opção extra para
aqueles que escolhem não ser “progressistas”, mas como parte essencial daquilo
que somos.) A consideração subjacente para muitos dos nossos contemporâneos é de
que o homem é uma entidade fechada, auto-sustentável e não um sujeito de
relações.
O respeito pela “Liberdade de expressão, liberdade
religiosa, de democracia e secularismo”, devia significar o respeito por todas
as relações envolvidas nesses assuntos. Não o fazer é uma forma de violência.
Não é, claramente, a violência brutal dos jihadistas, mas é uma violência à
qual nos habituámos, por causa da nossa cegueira. A expressão – seja falada,
escrita ou desenhada – pode ser uma forma de violência na medida em que viola a
integridade e dignidade de outra pessoa enquanto imagem do divino.
A essência de uma sociedade individualista passa por
evitar, deliberadamente, os valores comuns e altivos, garantindo que estes
nunca se desenvolvam. Na melhor das hipóteses, as palavras abstractas tornam-se
caixas vazias nas quais as elites podem enfiar os seus próprios significados.
Podem ser arbitrários e contraditórios porque não precisam de respeitar os
direitos e os deveres das relações.
Hoje existem muitas formas de ofender as relações
humanas. Pascal disse que, tendo perdido a nossa natureza humana através do
pecado, qualquer coisa se pode tornar nossa natureza. Mas será que o
individualismo, sem qualquer restrição de natureza relacional, é o tipo de
natureza que queremos promover actualmente?
(Publicado pela primeira vez no quarta-feira, 18 de Fevereiro
2015 em The Catholic Thing)
Bevil Brawwell é sacerdote dos Oblatos de Maria Imaculada
e professor de Teologia na Catholic Distance University. Recebeu um
doutoramento de Boston College e trabalha no campo da Eclesiologia.
© 2015
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