Pe. Mark A. Pilon |
Diga-se o que se disser sobre os terroristas que estão a
massacrar cristãos, muçulmanos e pessoas de outras religiões, parece-me
extremamente arrogante que o presidente dos EUA se reserve ao direito de declarar
quem é, ou não é, um verdadeiro muçulmano, ou quem é, ou não é, um verdadeiro
líder muçulmano. No seu discurso no encontro na Casa Branca na semana passada,
o presidente, declarou “ex-cathedra” que os líderes do Estado Islâmico não são
líderes religiosos mas simplesmente terroristas que interpretaram falsamente a
religião muçulmana: “Não são líderes religiosos”, afirmou, dizendo ainda:
“estamos em guerra contra pessoas que perverteram o Islão”.
Essa afirmação poderá ser verdade, ou não, mas depende
sobretudo de como se interpreta os textos sagrados do Islão. Por exemplo, que
peso atribuímos aos escritos iniciais, por oposição aos mais tardios? Por isso,
que um não muçulmano, que certamente não é um especialista em religiões e que
não é capaz de ler os livros sagrados nas suas línguas originais (algo muito
importante para os estudiosos do Islão) se coloque na posição de juiz de quem é,
ou não é, um verdadeiro muçulmano, revela extrema arrogância e ignorância. Como
se interpreta estes textos antigos de forma precisa – com base no qual se
determina quem é ou não um muçulmano fiel –, é algo que, no fim de contas, só
pode ser resolvido no seio desta antiga religião.
Se eu fosse muçulmano, de que confissão fosse, (sabendo
que existem várias seitas, dependendo da forma como se lê os textos sagrados,
por exemplo), ficaria muito ofendido se um infiel decidisse determinar se eu,
ou qualquer outro muçulmano, era um verdadeiro crente ou um verdadeiro
líder religioso. A verdade é que não existe uma autoridade suprema no
Islão que tenha o direito de determinar quem é um imã válido ou um verdadeiro
líder religioso. Como é que um infiel se arroga ao direito de o fazer? Se isso
não constitui uma ameaça ao Islão vinda do mundo infiel, então é o quê?
O que se está a passar na mente do presidente ou nas
mentes dos seus conselheiros é muito perturbador. Estas declarações não se
explicam pela sua tendência de improvisar, são demasiado consistentes e repetidas.
A sua defesa persistente do Islão, quando confrontado por actos terroristas de
homens que se identificam como muçulmanos fiéis é bastante bizarra e está em
desacordo com a sua obsessão com coisas como a “identidade de género”. Neste
campo, a sua administração acredita claramente que se deve dar total crédito ao
que as pessoas dizem ser o seu género, mesmo quando esta identificação choca
com a sua constituição biológica.
No passado mês de Dezembro, por exemplo, o Departamento
da Educação publicou um memorando que afirma que o artigo IX das Emendas da
Educação de 1972 é para ser interpretado como abrangendo a identificação de
género dos estudantes e obrigando todos os outros aspectos de planeamento e
implementação da educação a corresponder a essa auto-identificação.
Por isso, mesmo as crianças mais novas que se possam
identificar biologicamente como sendo de um sexo devem ser respeitados se
escolherem declarar que pertencem ao sexo oposto, independentemente dos factos
biológicos. Mas os adultos que se identificam como muçulmanos ou como líderes
muçulmanos não devem ser respeitados ou receber qualquer crédito se não preencherem
os critérios do presidente e dos seus conselheiros em assuntos de religião. Há
algo tão bizarro sobre tudo isto que me parece estarmos perante um problema
muito mais profundo.
Parece que chegámos ao mundo representado nos livros de
Huxley e Orwell sobre líderes totalitários que abandonaram a verdade em troca
do poder da propaganda, novalíngua, manipulação e duplipensar. As palavras já
não têm qualquer ligação directa com a realidade. São puros instrumentos de
manipulação política. Ambos os autores compreenderam bem o poder que a linguagem
tem para manipular, mas foi Orwell quem explicou melhor a metodologia usada
pelo ironicamente denominado Ministério da Verdade.
Um dos propósitos do Ministério é desenvolver e promover
a Novalíngua, que é descrita como:
“Uma vontade leal de dizer que o preto é branco quando
tal for exigido pela disciplina partidária. Mas significa também a capacidade
de ACREDITAR que preto é branco e, mais, de SABER que preto é branco e
esquecer-se de que alguma vez se acreditou no contrário. Isto exige uma
modificação contínua do passado, tornada possível pelo sistema de pensamento
que na verdade abarca tudo o resto e que é conhecida, em Novalíngua, como
DUPLIPENSAR.”
A história e o passado têm de ser totalmente alterados
para acomodar a grande mentira, por exemplo, e os seus efeitos, precisamente da
mesma maneira que os nossos líderes políticos falam tão levianamente das
Cruzadas e da Inquisição sem verdadeiramente compreender uma coisa ou outra.
Se repetirmos a mentira vezes suficientes as pessoas
começarão a acreditar nela. Os totalitários do século passado compreendiam bem
isso. A descrição de Orwell mantém-se válida:
Dizer mentiras de forma deliberada, enquanto se acredita
genuinamente nelas, esquecer qualquer facto que se tenha tornado inconveniente,
e depois, quando se torna necessário novamente, trazê-lo de volta do
esquecimento pelo tempo estritamente suficiente, negar a existência de uma
realidade objectiva e, todavia, tomar em conta a realidade que negamos – tudo
isto é indispensavelmente necessário.
Tudo isto está a acontecer no mundo da política
Novalíngua de hoje, apesar de termos acesso a mais informação do que em
qualquer outra época. Podemos fazer juízos absurdos sobre a identificação
religiosa de alguém, porque a verdade é tudo aquilo que serve a agenda política.
Verdade histórica objectiva? Esquece isso! O que é a verdade?
Essa pergunta cínica foi colocada por outra figura
política, e conduziu à morte da encarnação da Verdade. Hoje está a conduzir ao
caos social.
O padre Mark A. Pilon, sacerdote da Diocese de Arlington,
Virginia, é doutorado em Teologia Sagrada pela Universidade de Santa Croce, em
Roma. Foi professor de Teologia Sistemática no Seminário de Mount St. Mary e
colaborou com a revista Triumph. É ainda professor aposentado e convidado no
Notre Dame Graduate School of Christendom College. Escreve regularmente
em littlemoretracts.wordpress.com
(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 25 de
Fevereiro de 2015 em The Catholic Thing)
©
2015 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os
direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As
opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
Defesa persistente do Islão? Penso que não é muito difícil de perceber que o objetivo é evitar que toda esta questão descambe em intolerância religiosa. Não tenho a menor dúvida de que não se trata duma luta contra o Islão, mas sim contra um determinado grupo de islamitas. Nesse sentido, o recado é nitidamente para dentro, e não para fora.
ReplyDeleteAgora, a propósito de classificar uma determinada corrente islâmica como autêntica ou não, consegue-se enxertar a identidade de género (a propósito de...?) e termina-se a duplipensar, em novilíngua, em Pilatos e no caos social.
Parece-me que o exagero fala por si...