Claro que a principal “notícia” na entrevista foi o que o
Papa disse sobre aborto, homossexualidade e contracepção. A citação completa é
esta: “Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao
casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Eu
não falei muito destas coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala
disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é
conhecido e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso
continuamente.”
Alguns criticaram a imprensa que escolheu dizer que o Papa
tinha sugerido que a Igreja está obcecada por estes temas. De facto, seria
melhor escrever que o Papa lamenta que “pareça” que a Igreja está obcecada por
estes temas. Mas o vocabulário que ele usa sugere, de facto, a ideia de
obsessão.
Para começar, parece-me que o Papa atira ligeiramente ao
lado com o que diz. É mesmo a Igreja que parece obcecada com estes assuntos? É
que normalmente quem eu vejo a falar insistentemente de aborto, casamento
homossexual e contracepção são as pessoas que querem mudar os ensinamentos da
Igreja. Qual foi a última vez que ouviram um padre, numa homilia por exemplo, a
abordar estes temas?
Mas não acho que isso seja o mais importante. Para mim estas
palavras têm de ser lidas à luz da imagem que o Papa dá do “hospital de
campanha”.
“Aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de
curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja
como um hospital de campanha depois de uma batalha. É inútil perguntar a um
ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos. Devem curar-se as suas feridas.
Depois podemos falar de tudo o resto. Curar as feridas, curar as feridas... E é
necessário começar de baixo.”
A meu ver, o que o Papa está a dizer é que os fenómenos como
o aborto, o casamento homossexual e a mentalidade contraceptiva mais não são
que sintomas de uma “doença” muito mais grave. O que é preciso é curar essa
doença. Não adianta só pregar contra o aborto se não pregarmos também contra a
mentalidade que encoraja as pessoas a verem a vida humana como descartável,
para usar um termo que o próprio Papa adoptou ainda
hoje.
De resto, a entrevista tem muita coisa riquíssima, mas há um
detalhe que penso que não tem merecido a devida atenção. Reparem nesta citação:
“Penso também na situação de uma mulher que carregou consigo um matrimónio
fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar e agora
está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente
arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?”
Alguns interpretaram isto como se o Papa estivesse a dizer
que agora os padres podem absolver mulheres que abortaram e estão arrependidas,
como se isso fosse uma grande novidade. Mas há aqui um detalhe que poderá
apontar noutro sentido.
É que no cenário que o Papa apresenta, esta mulher não se poderia
confessar de todo, uma vez que vive num segundo casamento. A não ser que viva
com o seu novo marido “como irmãos”, o que sendo possível não é provável, se
não tem intenção de sair dessa relação, na qual tem cinco filhos, não se pode
confessar e por isso também não pode ser absolvida pelo pecado do aborto, uma
vez que não se podem fazer confissões selectivas.
Posso estar enganado, mas não estará o Papa a dar aqui uma “achega”
para a tal reflexão que quer promover sobre o casamento e as segundas uniões?
Não quero deduzir nada, nem o Papa dá uma resposta, termina antes com uma
pergunta, mas é certamente um tema que ainda vai dar muito que falar.
Filipe d'Avillez
"Para começar, parece-me que o Papa atira ligeiramente ao lado com o que diz.".... Para começar, parece-me que o Papa atira bem ao centro. Excelente exemplo da estranha obsessão são os artigos do seu próprio blog e os de The Catholic Thing, o forum de opinião "católica" idiota e francamente embiocada.
ReplyDeleteJoão