É por isso que, como Richard Weaver argumenta de forma
brilhante, existe uma ética da retórica. É preciso ter cuidado não só com o que
se diz, mas como se diz. O como faz parte do quê. Um apelo moral cuidadosamente
preparado mas insípido não chega a lado nenhum. A apresentação descuidada de um
argumento complexo deixa as pessoas mais incertas e ansiosas do que antes.
O que nos conduz à recentemente publicada e longa entrevista
com o Papa Francisco. Os media agarraram-se a várias frases sobre como a
Igreja não deve falar sempre e só de aborto, contracepção e homossexualidade, que
precisa de “um melhor equilíbrio”, com mais enfoque no amor de Deus e menos
“insistência” ou “obsessão” sobre regras rígidas e por vezes triviais.
Previsivelmente, a imprensa está a clamar que o Papa quer dizer que os
ensinamentos morais da Igreja mais controversos são “secundários”.
Têm surgido defesas eloquentes do Papa, entre os quais
destaco esta
do meu ex-colega George Weigel. O George contextualiza correctamente as
afirmações de Francisco – bem como o seu papado em geral – numa ofensiva
evangélica. Ao colocar as pessoas novamente em contacto com o amor de Deus,
argumenta o Papa, elas estarão disponíveis novamente para acatar os
ensinamentos morais mais difíceis.
Quem quiser sentire
cum Ecclesia (pensar com a Igreja) e acredita que o Espírito Santo age nas
eleições papais, tem de adaptar-se a este novo espírito de Francisco.
Já devem estar a antever um “mas”, por isso deixem-me pôr o
dedo na ferida. Não obstante tudo o que escrevi acima, quando este Papa dá
entrevistas (algo que não gosta de fazer), o resultado é quase sempre
desconcertante. E pode haver boas razões para isso. Não se pode impedir as
pessoas de nos interpretar mal, mas entre outras coisas o Papa é um professor,
e um bom professor tem uma responsabilidade moral para se proteger das más-interpretações.
Já lá vou às especificidades, mas quero só indicar – na
esperança de que esteja enganado – algo que temo já ter começado.
Depois do Vaticano II a Igreja atravessou décadas de
sobressalto por causa do “Espírito do Vaticano II”, um espírito que contradizia
muitos dos documentos conciliares e muita da história do Cristianismo, mas isso
não interessa, esse “espírito” progressista levava tudo à sua frente.
Creio que estamos perto do que se poderá chamar o “Espírito
de Bergoglio”, outro período de confusão baseado, mais uma vez, não nas
palavras do Papa, mas nas emoções desequilibradas que algumas das suas
afirmações mais casuais provocam.
As palavras em si, embora sempre ortodoxas, não deixam de
ter os seus problemas. O meu colega Brad Miner realça que 1.300.000.000 bebés
foram abortados em todo o mundo desde os anos 80. A Igreja acabou de falar
firmemente sobre a necessidade de se impedir a morte de inocentes na Síria. É
uma obsessão gritar aos quatro ventos sobre a enorme matança moderna dos
inocentes?
O Papa tem razão quando diz que é um erro pastoral obcecar
ou insistir a toda a hora sobre certos pecados. É completamente contraproducente,
de um ponto de vista meramente humano, interagir com as pessoas dessa forma.
A questão aqui, porém, não tem tanto a ver com uma abordagem
pastoral. Devo admitir que não sei a quem é que o Papa se referia em relação à
obsessão, para além de uns poucos zelotas. Nos Estados Unidos – e podemos dizer
o mesmo sobre a Europa e a América Latina – temos falado do amor salvífico de
Deus para com os pecadores há décadas. Os papados de João Paulo II e de Bento
XVI não foram eras de moralismo autoritário. Foram esforços sofisticados para
nos dar o verdadeiro Concílio Vaticano II – uma proclamação do poder salvífico
de Deus e um claro farol moral, em conjunto. Essa é que tem sido a experiência
da maioria de nós na Igreja ao longo das últimas décadas.
Mas o Papa Francisco acrescenta algo:
Os ensinamentos, tanto
dogmáticos como morais, não são todos equivalentes. Uma pastoral missionária
não está obcecada pela transmissão desarticulada de uma multiplicidade de
doutrinas a impor insistentemente. O anúncio de carácter missionário
concentra-se no essencial, no necessário, que é também aquilo que mais apaixona
e atrai, aquilo que faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús. Devemos,
pois, encontrar um novo equilíbrio; de outro modo, mesmo o edifício moral da
Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e
o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, profunda,
irradiante. É desta proposta que vêm depois as consequências morais.
Essa urgência, irradiação e frescura são novas – e
bem-vindas.
Mas se o Papa me ligasse – e ele é o género de fazer essas
coisas, mas não vou esperar sentado – eu apontar-lhe-ia a frase ambígua com que
inicia a passagem. É verdade: nem udo no Catolicismo se encontra no mesmo
plano. Bento XVI e os bispos americanos, por exemplo, tentaram durante anos
explicar que a vida tem precedência sobre questões secundárias de política. Não
duvido que Francisco esteja de acordo, mas antes de chegar ao seu ponto forte
evangélico, concedeu a todos os que gostariam de distorcer-lhe as palavras uma
abertura desnecessária.
Aqueles que travam estes combates em público já conseguem prever
as bocas do outro lado: “E se parassem de falar o tempo todo sobre o aborto [ou
contracepção ou casamento gay]. Até o Papa já vos pediu para largarem o osso”.
E não estarão totalmente errados.
O mundo agradece que a Igreja abandone o campo de batalha e
permita ao mundo secular continuar a matar bebés em quantidades inimagináveis, destruir
o casamento e, pelo caminho, reduzir a liberdade religiosa. Nenhuma destas
coisas será benéfica para os esforços de Francisco a longo prazo.
Francisco procura trazer um novo espírito católico para o
mundo, e isso é louvável. Esperemos que o resultado seja o que ele procura, e
não um espírito progressista que outros imponham a ele e à Igreja.
Robert
Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute
em Washington D.C. O seu mais recente livro The God That Did
Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está agora disponível em
capa mole da Encounter Books.
(Publicado pela primeira vez no Sábado, 21 de Setembro 2013
em The
Catholic Thing)
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