Anthony Esolen |
E uns fariseus aproximaram-se dele, para O tentar, perguntando, “É
permissível, por qualquer razão, um homem pôr de lado a sua mulher?” E Ele
respondeu, dizendo, “Não sabem que o Criador, desde a fundação [arche], os fez
homem e mulher? E disse-lhes, ‘Por isso o homem deixará o seu pai e a sua mãe e
unir-se-á à mulher, e os dois serão uma só carne.’ Por isso já não são dois,
mas uma carne. Por isso o que Deus uniu, não separe o homem.”
Eles disseram-lhe, “Então porque é que Moisés ordenou que fosse concedida
uma carta de divórcio [apostasiou – conferir “apostasia”, em português], para
que ela fosse posta de lado?” Ele disse-lhes: “Por causa da dureza dos vossos
corações, Moisés permitiu-o, mas desde a fundação das coisas, não era assim”.
O leitor que me desculpe a tradução penosamente literal
desta passagem do Evangelho de São Mateus. Ela foi necessária para tornar o
mais claro possível a natureza radical do que Jesus está a dizer sobre o
casamento. Em português a palavra “princípio” tem um significado particular. O
primeiro “set” é o princípio de um jogo de volley, a letra A é o princípio do
alfabeto. Depois os sets e as letras prosseguem e o que segue pode ter pouco a
ver com o que veio antes. Mas esse não é o caso da palavra grega arche.
Estamos perante uma palavra que é ontologicamente
fundacional. Tal como a cabeça é o “primeiro” ou principal membro do corpo, o
“arche” é o primeiro princípio orientador e não está limitado a um tempo
particular. Isso encaixa bem no que Jesus está a dizer sobre o casamento. Ele
não diz que, há muito tempo, numa terra longínqua, os homens e as mulheres não
se divorciavam. Ele diz é que a união indissolúvel do homem e da mulher faz
parte da ordem do mundo, assim como foi, é, e será.
Note-se que Ele não está a apelar a uma lei “prévia”, que
seja mais antiga que a de Moisés que permite o divórcio. A questão não é essa.
Não faz sentido que uma lei antiga seja melhor que uma nova, simplesmente por
causa da idade. A questão aqui é que essa lei não tem tempo. Pode ser ignorada,
mas não pode nunca ser alterada ou posta de lado, da mesma maneira que não
podemos descartar a própria natureza humana.
Os fariseus esperavam um comentário rabínico sobre a
Torá, mas em vez disso é-lhes dito que pensem no significado da própria criação,
do ser homem e do ser mulher. Este significado aplica-se a todos os homens, não
apenas a judeus. Jesus alcança um exemplo anterior a qualquer divisão da
humanidade entre um povo escolhido e o resto.
Por isso qualquer cristão que diga que uma coisa é o
casamento religioso e outra o casamento civil, está a negar a verdadeira
importância das palavras de Cristo. Nós não acreditamos que, se por acaso
formos católicos, não nos podemos divorciar. Acreditamos que a lei do divórcio
se aplica à humanidade em geral, da mesma maneira que, de certa forma, as bênçãos
do casamento são dadas a um homem e a uma mulher que se casam sem conhecer o
Evangelho ou Cristo. Quando Adão tomou Eva como sua mulher não entrava na sua
ideia qualquer Igreja para além dos dois, a sua união, e Deus.
Segue-se que um ataque ao casamento tem necessariamente
que ser uma rebelião, uma apostasia, contra o Criador, e um ataque ao próprio
homem. A violência do divórcio é sugerida pelas metáforas dos verbos gregos:
livrar-se de, rasgar, levantar-se contra. É tanto mais deplorável quanto os
ataques surgem de uma sociedade supostamente cristã; mas é um mal sempre e em
todo o lado em que ocorre e, como qualquer mal, acarreta a sua própria punição
sobre aqueles que o praticam, encorajam ou defendem.
Não temos de esperar para que todo o mundo professe o
nome de Cristo, para ver o encanto de toda a criação, incluindo a majestade e a
divindade da humanidade, homem e mulher. Esse encanto, essa majestade e essa
divindade já existem. Já existe algo sacramental na união entre um homem e uma
mulher em casamento, mesmo entre os pagãos. Não estou a dizer que o seu
casamento é um sacramento em sentido estrito; mas afirmo a sacralidade daquilo
que fazem, mesmo que esteja pejado de erros humanos, ignorância e tolice.
Erramos se separarmos a afirmação de Jesus sobre o
casamento do seu contexto expresso – a fundação das coisas, a intenção do
Criador – e a recolocarmos numa qualquer lei neo-mosaica. Isso
transformar-nos-ia em fariseus; casamento para mim, o que seja para ti. Oh,
seríamos fariseus bem mais afáveis (e cobardes), uma vez que o nosso sentido de
superioridade moral seria apenas para consumo interno, para não ferir as
sensibilidades dos pagãos.
Isto deve ficar absolutamente claro. Não podemos aceitar
o divórcio, muito menos a fornicação, a sodomia ou outras práticas aberrantes,
da mesma maneira que não podemos aceitar o roubo, o assassinato ou uma
depravada indiferença pela vida humana. Podemos tolerá-lo, num ou noutro
contexto, porque a tentativa de o eliminar nos meteria em males maiores; mas
não podemos nunca aceitá-lo permanentemente É um mal grave, ponto final. Ser
“pluralista” em relação ao divórcio é nos vedado, como nos é proibido sermos
“pluralistas” sobre o assassinato.
Nem nos devemos congratular quando vemos os nossos irmãos
a cair na loucura e na incoerência nestes e noutros assuntos que envolvem a
sexualidade. Isso seria como festejar por ver os nossos irmãos a contrair tifóide. Nesta luta precisamos de todos os aliados que conseguirmos encontrar.
E devemos lutar. A verdade e a caridade a isso obrigam.
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no
Providence College. Os seus mais
recentes livros são: Reflections on the Christian Life:
How Our Story Is God’s Story e Ten
Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 15 de Setembro
de 2013 em The
Catholic Thing)
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment