E nós viajamos com eles
através destes tempos distantes e frequentemente impenetráveis. Como nos diz a
Bíblia, com repetida claridade, esta é uma itinerância escolhida.
Não foi escolhida pelas
pessoas em si, mas pelo seu Deus; ou como temos vindo a compreender de forma
mais simples, por Deus. A história que herdamos é a vida que herdamos, que
procede sem ambiguidade dos judeus.
Quanto mais nos familiarizamos
não só com as Escrituras hebraicas, mas com os resquícios literários de todos
os outros povos do “Médio” e “Próximo” Oriente, mais estranho tudo isto se
torna. Pois estamos a ler mais do que uma rara história étnica. As fundações tocam
ainda uma realidade teológica palpável.
Os judeus não foram escolhidos
por uma mão divina e arbitrária. Foram escolhidos por revelação divina, e
foi-lhes mostrada a direcção que deviam tentar seguir, ainda que falhando. Isto
faz deles diferentes, únicos, distintos de todos os outros povos antigos que
estudamos.
A mão de Deus pode ser vista
ao longo das escrituras hebraicas – mais uma vez, de forma diferente daquela
com que nos familiarizaríamos nas muitas tradições alternativas e “pagãs”. A
sensibilidade espiritual e moral que emerge, a estrutura de mandamento,
marca-os como radicalmente diferentes.
Quando nós, que nos chamamos
católicos, olhamos para esta história, anterior ao aparecimento físico de
Cristo, não temos outra escolha se não concordar com a opinião judaica do que
foi, e é, verdade.
As circunstâncias podem ser
misteriosas, mas são também simples, e evidentes. Este é um dos paradoxos do
“mistério” religioso: que aquilo que é mais impenetrável é também o mais
simples.
Lemos, e se tivermos alguma
sensibilidade sentimos na Sagrada Escritura o chamamento, a sensação de se ser
escolhido. Isto acontece não porque os relatos históricos são convincentes, de
forma racional ou empírica, mas porque a história que relatam contém a resposta
a algo inevitável: o amadurecimento humano.
Também a fé tem uma componente
evidente de mistério. Não é uma colecção de artigos científicos ou uma
antologia de textos religiosos que estamos a ler. Estamos a ler – e a escutar –
a palavra de Deus. São-nos feitas exigências. É-nos dito o que é verdade e
certo, e belo: exigências essas que irão determinar, directa e indirectamente,
o nosso percurso. Ou que serão rejeitadas, por nossa livre vontade, pois
implicam uma vida de santidade contra a qual nós, enquanto animais naturais,
podemos revoltar-nos.
As exigências são
inconvenientes. Isto pode magoar-nos de forma radical. É-nos pedido que
abdiquemos do nosso narcisismo, do nosso “ego”, no qual parece radicar a nossa
sobrevivência, para abraçar algo que, desde o início, nos foi apresentado como
imortal.
O que parecia ser a mensagem
“moderna” do Cristianismo, afinal estava já presente desde o início: abdica
daquilo que tens, pois tu és escolhido.
É a mesma mensagem que Maria
canta no Magnificat: esse Sim cósmico que é pronunciado quando o homem aceita o
seu destino; e quando a mulher aceita o seu destino: e é profundamente alegre.
Compreender o fenómeno do
antissemitismo passa por compreender o que acontece quando dizemos Não.
Não é algo que nos é feito, mas antes algo que nós fazemos.
A raiva contra os judeus –
essa fúria psicopática que já devíamos esperar – é, na sua essência, uma raiva
contra Deus, e contra a sua ordem.
Ficamos enraivecidos porque os
judeus não “são normais”. Insistimos em reduzi-los, em persegui-los, da mesma
forma que os nossos antepassados insistiram em crucificar Cristo.
Pois existe, e pode ser
encontrado nas Escrituras, algo cristoforme em cada Judeu escolhido. Ele é um
meio para a compreensão de que o homem foi criado à imagem de Deus.
Isto não é algum facto
aleatório, antes desafia o lugar comum a que estamos habituados. Porque o Deus
em cuja imagem fomos criados é um Deus particular, que conhecemos através de
uma história particular.
É uma história na qual os
judeus foram os condutores de um acto de vontade divina, e na qual nós, os
cristãos que vieram mais tarde, devemos reconhecer que de alguma forma também
somos judeus. Pois só os judeus foram escolhidos.
Está em jogo aqui uma estranha
inveja. E aqui gostaria de realçar que a inveja não é um pecado menor. No caso
do antissemitismo que temos visto recentemente, e ao longo da história, atinge
o comportamento homicida a que temos assistido: horrores demasiado horríveis
para se descrever casualmente.
Não é por coincidência que
estes crimes são cometidos pelos sem Deus. É o caso dos terroristas islâmicos
cujos massacres dominam tantas vezes as notícias. Pensamos, erradamente, que
são fanáticos religiosos. Mas não são.
O islamismo contemporâneo tem
tido o seu próprio percurso histórico, que passa pelas revoluções que varreram
o mundo árabe há décadas. O perfil racial do islamista típico não é de um
místico religioso, como aquele a que a tradição sufi nos tem habituado. Não se
trata de um muçulmano devoto e praticante, a não ser para inglês ver. Estamos a
lidar antes com monstros claramente políticos.
De igual modo, no ocidente,
estamos agora a lidar com um inimigo que atinge o seu auge de entusiasmo nos
campus universitários: estudantes muito distantes de qualquer humildade
religiosa e os seus orgulhosos gurus esquerdistas.
É por isso que, no passado,
nos vimos confrontados pelos Nazis, cujo ódio aos judeus transcendeu o seu ódio
por qualquer outro inimigo, e é por isso que os judeus sofreram pogroms, não
apenas sob o regime de Estaline.
A visão de um judeu é, de
forma misteriosa, mas simples, uma recordação de Deus em forma humana. E
inspira em nós a maldade da nossa primeira revolta.
David Warren é o
ex-director da revista Idler e é cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga
experiência no próximo e extreme oriente. O seu blog pessoal
chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez
na Sexta-feira, 3 de Novembro de 2023 em The Catholic
Thing)
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