Wednesday, 1 November 2023

O Islão e o Realismo Cristão

Francis X. Maier

Na sua maioria, os ocidentais ficaram chocados com a selvajaria dos recentes ataques do Hamas contra Israel, e o assassinato sistemático de cidadãos israelitas por terroristas do Hamas. Essa maldade foi agravada pela culpabilização de Israel pelo catastrófico bombardeamento de um hospital em Gaza, quando as provas demonstram agora que na verdade as centenas de mortes foram causadas por um projéctil do Hamas. Mas talvez o mais surpreendente de tudo tenha sido ver milhões de pessoas no mundo árabe e em muitas capitais do ocidente a celebrar a violência do grupo terrorista palestiniano.

Desde o Concílio Vaticano II que os católicos, e muitos outros cristãos, têm valorizado o diálogo e a cooperação inter-religiosa, sobretudo com o judaísmo, mas também com o Islão. Os resultados – como eu vi em primeira mão nos anos em que trabalhei na área inter-religiosa de uma diocese – têm sido muitíssimo benéficos. Contudo, vale a pena recordar que enquanto o Cristianismo tem as suas raízes no Judaísmo, a nossa relação com o Islão é um assunto muito diferente. Daí que valha a pena meditar seriamente sobre alguns dos seguintes pensamentos:

Islão e a Palavra de Deus:

Quem conhece o Antigo e o Novo Testamentos e depois lê o Alcorão, pode ver claramente o processo através do qual ele reduz completamente a Revelação Divina [ênfase no original]. É impossível não reparar no afastamento daquilo que Deus disse sobre Si mesmo, primeiro no Antigo Testamento, através dos profetas, e por fim no Novo Testamento, através do seu Filho. No Islão toda a riqueza da autorrevelação de Deus, que constitui a herança do Antigo e do Novo Testamento, é definitivamente posta de lado.

Alguns dos nomes mais belos da linguagem humana são atribuídos a Deus no Alcorão, mas no final de contas Ele é um Deus fora do mundo, um Deus que é apenas majestade, nunca Emmanuel, Deus connosco. O Islão não é uma religião de redenção

Por esta razão, não só a teologia, mas também a antropologia islâmica é muito distante do Cristianismo.

– São João Paulo II, em Atravessar o Limiar da Esperança

Islão e Conflito:

O mundo, tal como o académico Bat Ye’or tão brilhantemente demonstra, divide-se em duas regiões: o dar al-Islam e o dar al-harb; por outras palavras, o “domínio do Islão” e “o domínio da guerra”. O mundo já não se encontra dividido em nações, povos e tribos. Antes, estes encontram-se localizados em bloco no mundo da guerra, onde a guerra é única relação possível com o mundo exterior. A Terra pertence a Allah, e os seus habitantes devem reconhecê-lo; para atingir este objectivo só existe um método: guerra. A guerra, por isso, é claramente uma instituição, não apenas uma instituição acidental ou fortuita, mas uma parte constituinte do pensamento, organização e estruturas deste mundo. A paz com este mundo da guerra não é possível. Como é evidente, por vezes pode ser necessário travá-la; existem circunstâncias em que é melhor não travar guerra. O Alcorão também prevê isto. Mas isso não muda nada: Para o Islão, a guerra permanece uma instituição, pelo que deve ser resumida logo que as circunstâncias o permitam. 

Enfatizei muito as características desta guerra porque hoje em dia se fala tanto da tolerância e do pacifismo fundamental do Islão, que se torna necessário recordar a sua natureza, que é fundamentalmente bélica.

 o já falecido Jacques Ellul, distinto teólogo e crítico social protestante francês, do prefácio que escreveu para The Decline of Eastern Christianity Under Islam: From Jihad to Dhimmitude, de Bat Ye’or

Islão, política e cultura:

As duas religiões que têm uma dimensão “política” não a adquiriram do mesmo modo. O Cristianismo ganhou terreno no mundo antigo contra o poder do Império Romano, que perseguiu os cristãos durante quase três séculos antes de adoptar a religião cristã. Já o Islão, depois de um período breve de provações, triunfou durante a vida do seu fundador. Depois conquistou, pela guerra, o direito a operar em paz, e até mesmo o direito de ditar as condições de sobrevivência para os seguidores das outras religiões “do livro”. Em termos modernos, podemos dizer que o Cristianismo conquistou o Estado através da Sociedade Civil; o Islão, pelo contrário, conquistou a sociedade civil através do Estado [ênfase no original].

Assim, desde o início, o Cristianismo colocou-se à parte do domínio político, e os seus textos fundadores dão testemunho de uma desconfiança dos assuntos políticos… Para o Islão, a separação entre o político e o religioso não tem direito a existir. Chega a ser chocante, pois parece um abandono dos assuntos humanos ao poder do mal, ou a despromoção de Deus para um lugar fora da sua esfera própria. A cidade ideal deve ser aqui na Terra. Em princípio, ela até já existe: é a cidade islâmica. 

– Remi Brague, vencedor do prémio Ratzinger e professor emérito de filosofia medieval e árabe na Sorbonne, em A Lei de Deus

Não obstante a sua relação de herança comum com o Judaísmo e o Cristianismo, remontando a Abraão, e apesar do seu respeito formal por Jesus e por Maria, o Islão tem muito pouco em comum com a fé cristã. O Islão rejeita a Trinidade, a Encarnação e a Redenção. Nega a veracidade dos Evangelhos, e nega as origens e o propósito da Igreja. Na verdade, o Islão reconhece o Judaísmo e o Cristianismo apenas como aberrações na sua própria história sincretista.

Hoje, em estados islâmicos como o Sudão, o Egipto, o Irão, o Paquistão, a Turquia, o Bangladesh e a Indonésia, os cristãos enfrentam desde a marginalização e o assédio até à violência explícita. A razão é simples. Independentemente de todas as forças do Islão, o preconceito antijudaico e anticristão tem um historial longo e frequentemente amargo no Islão, não obstante afirmações em contrário. 

Isto não constitui uma licença para agirmos de igual modo, mas exige, isso sim, que tragamos para os nossos encontros modernos com o Islão – tanto no Médio Oriente como aqui no ocidente – uma abordagem realista e firme, e uma memória histórica correcta. À luz do Evangelho, Maomé não é um verdadeiro profeta e o Alcorão não é a Palavra de Deus. Como Jesus Cristo afirmou, apenas ele é o caminho para o Pai. E no final de contas os muçulmanos não O conhecem. Sem o nosso testemunho activo junto do mundo Islâmico, nunca o conhecerão.


Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.

Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 25 de Outubro de 2023)

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