Morreu esta segunda-feira, com quase oito meses de idade, a pequena Indi Gregory.
Para quem não acompanhou a
história, a Indi nasceu com uma rara doença mitocondrial que lhe causou danos
cerebrais irreparáveis. Estando internada, os médicos sugeriram aos pais que
nada havia a fazer, e que por isso deveria ser desligado o suporte de vida e
administrados cuidados paliativos, deixando o bebé morrer.
Os pais contestaram, dizendo
que a sua filha reagia aos estímulos e que queriam prolongar a sua vida.
Perante este impasse, como tem acontecido com alguma frequência no Reino Unido,
o hospital levou o caso a tribunal, que tem decidido sempre a favor dos
médicos, contra a vontade dos pais.
Já perto do final do processo
o hospital Bambino Gesú, em Roma, ofereceu-se para acolher a Indi e cuidar
dela, tentando eventualmente umas terapias alternativas que não lhe
conseguiriam restaurar à saúde plena, mas talvez permitissem prolongar a vida
sem sofrimento. Para tal, o Governo italiano até aprovou a concessão de
cidadania italiana à menina, mas ainda assim o tribunal não permitiu a
transferência.
Perdidos os últimos recursos,
o hospital retirou o suporte de vida, transferindo a pequena Indi para um
hospício especializado em acompanhamento de final de vida, onde ela morreu. Não
foi sequer permitido aos pais levar a sua filha para casa, para morrer perto
deles.
Charlie, Alfie, Indi
Em primeiro lugar, este não é
um caso extremo e isolado. Faz parte de um padrão de casos que têm surgido ao
longo da última década no Reino Unido. Entre os que causaram mais polémica, e
por isso se tornaram mais conhecidos, estão os casos de Charlie Gard e de Alfie
Evans, mas há mais.
Nem todos os casos são iguais,
claro, mas têm elementos comuns, nomeadamente o facto de a dada altura surgir
uma diferença de opinião entre a equipa médica e os pais sobre o tratamento da
criança e aquilo que concorre para o seu melhor interesse. Em todos os casos a
equipa médica recorreu aos tribunais, tendo obtido destes o consentimento para
cessar qualquer tratamento, deixando as crianças morrer.
Não vou entrar em detalhes,
mas posso dizer que a minha opinião sobre os três casos não foi unânime. No
caso de Charlie parece-me que o tribunal tomou a decisão correcta, e no caso de
Alfie Evans e de Indi Gregory parece-me que tomou a decisão errada. Este
texto que escrevi sobre o Alfie Evans explica os contornos gerais de ambos
os casos.
Filhos dos pais ou do
Estado?
A questão polémica aqui não é
a morte das crianças. Tristemente, as crianças também adoecem e morrem, e se desaprovamos
a distanásia – o prolongamento desnecessário e forçado de uma vida em
sofrimento – para os adultos, não há razão para a aprovar para crianças.
Prolongar a vida a todo o custo não é uma solução ética, e nem a Igreja
Católica, nem a bioética em geral, o defendem.
O verdadeiro cerne desta
questão é o conflito entre pais e Estado sobre a custódia da criança e o
direito a decidir o que é melhor para ela, e quais as abordagens clínicas que
querem adoptar.
Deixem-me ser claro. Este é um
direito fundamental dos pais. É deles a responsabilidade de decidir qual é o
melhor interesse dos seus filhos. Contudo, a sociedade admite que em casos
extremos o Estado possa retirar esse direito aos pais, como faz noutros casos
extremos em que a criança é vítima de maus tratos, por exemplo. Mas sublinho:
casos extremos.
Devemos então interrogar-nos: estávamos
perante um caso extremo? Não vejo qualquer razão para pensar que sim. Ao
contrário do que se passou no caso de Charlie Gard, os pais não estavam a
tentar transferir a sua filha para outro continente, para prosseguir uma
terapia vaga e experimental proposta por um médico isolado que tinha muito a lucrar.
A proposta aqui, como já tinha sido no caso do Alfie Evans, era a transferência
para um hospital sério, com excelente reputação e especializado no cuidado de
crianças, onde a Indi seria acompanhada por uma equipa de médicos igualmente
séria. A transferência para Itália, e o tratamento, não acarretariam qualquer
custo para o sistema nacional de saúde do Reino Unido (embora esse não deva ser
um factor decisivo, como é evidente).
Ao negar aos pais o exercício
desse direito o Estado está a dizer, repetidamente, que é ele o melhor garante
do bem-estar das crianças doentes e, o que é extremamente grave, a normalizar o
princípio de se substituir ao poder e discernimento paternal.
No Reino Unido caminha-se – se
é que não se chegou já – a uma situação em que os filhos são encarados como
propriedade e responsabilidade do Estado, estando apenas emprestados aos pais
enquanto as escolhas destes não colidirem com a visão da tutela. Isto é próprio
de um estado autoritário, e não de um estado de direito, e põe em causa a
aquela que é a célula base e essencial de toda a sociedade saudável: a família,
unida e sólida.
Há outras preocupações com o
sistema de saúde inglês, por um lado o protocolo para cuidados de fim de vida,
o chamado Liverpool Care Pathway, que prevê a retirada de cuidados essenciais como
a hidratação, a nutrição e a oxigenação, e por outro uma derrapagem do conceito
de dignidade, que já não é vista como inerente à condição humana, mas sim ao
conforto material e sanitário dos doentes. Mas não há espaço aqui para
aprofundar todas estas complicações.
Em resumo, os pais da Indi
merecem a nossa solidariedade. Porque perderam uma filha, sim, mas sobretudo
porque lhes foi retirado o direito a tomarem – em consciência – as decisões que
acreditavam melhor servir os interesses da sua filha e da sua família. E se a
primeira dessas coisas é uma tragédia infelizmente comum e própria da vida
humana, que é sempre frágil, a segunda não devia acontecer a ninguém.
No comments:
Post a Comment