Antes de entrar nos detalhes, é preciso explicar que Jerusalém está dividida essencialmente em quatro sectores. O sector judeu, o
sector muçulmano, o sector cristão e o sector arménio. Todos representam as
antigas comunidades que vivem na cidade, lado-a-lado, há séculos.
O bairro arménio é o mais pequeno
dos quatro e é distinto do bairro cristão, que é maioritariamente habitado por
cristãos árabes.
Quando o Estado de Israel foi
fundado, em 1948, Jerusalém era suposto ficar sob controlo internacional, mas
no seguimento do ataque falhado por parte da coligação árabe, Israel tomou
conta da parte ocidental, ficando a Jordânia com a oriental. Em 1967, depois da
Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou a parte oriental. A cidade ficou toda sob
controlo de Israel desde então, embora à luz do direito internacional seja
considerado território ocupado.
Sabendo disso, e para
consolidar o controlo de facto da cidade, activistas judeus têm estado envolvidos
numa campanha de décadas para comprar, aos poucos, todo o terreno possível em
Jerusalém, com o objectivo de assegurar uma maioria judaica naquela que consideram ser a capital eterna de Israel. Como devem calcular, as outras comunidades temem esta estratégia e
têm lutado contra ela, condenando e censurando publicamente quem vende terreno
ou edifícios a judeus.
Irineu a acenar do seu "exílio" |
Agora parece que estamos
perante a mesma situação, mas com a Igreja Arménia. Um empresário judeu
australiano afirma que o Patriarcado Arménio lhe vendeu uma propriedade em
Jerusalém, mas o Patriarca diz que não tinha essa intenção e que foi enganado. Para
terem noção, o negócio envolve território equivalente a 25% de todo o bairro
arménio. O Patriarcado Arménio está a contestar o negócio, dizendo que este tinha de ter passado pelo sínodo, o que não aconteceu.
Recentemente a empresa compradora tentou arrancar com obras num parque de estacionamento, que está entre os lotes disputados. Os arménios convocaram uma manifestação pacifica no local, para contestar a actividade, e em resposta apareceu um grupo de colonos judeus, com armas e cães, que ameaçaram os arménios, intimando-os a abandonar o local. Foi preciso chegar a policia para pôr cobro à questão, mas o clima de tensão mantém-se e os arménios de Jerusalém estão muito preocupados, porque a avançar este negócio ameaça a própria sobrevivência da comunidade.
Foi isto que motivou a
declaração conjunta dos líderes religiosos. É mesmo preciso ter em conta a
importância destas declarações conjuntas, porque as relações entre as
diferentes confissões cristãs na Terra Santa são famosas por serem muito
conturbadas e até hostis, especialmente entre os gregos e os arménios. Quando
falo em hostis não é ao nível da população geral, que até se dá bem, mas entre padres
e monges, que não raras vezes se envolvem em confrontos físicos.
Por fim, há aqui um aspecto que
pode parecer simbólico, mas é também importante, sobretudo para a comunidade
arménia. Os arménios são um povo muito unido. Estando espalhados pelo mundo,
mantém entre eles uma solidariedade e sentido de pertença assinalável. Por
isso, todos os arménios sentiram na sua própria pele a derrota dos seus
compatriotas em Nagorno Karabakh e a consequente expulsão do território
disputado pelo Azerbaijão. Pode-se dizer, por isso, que a ameaça de serem
varridos de outro território que habitam há séculos é levada muito a sério.
Mas para agravar tudo isto,
sabe-se que para além do apoio da Turquia, o Azerbaijão só conseguiu reverter o
status quo em Nagorno Karabakh com armas fornecidas por Israel, por isso a
actual ameaça partir de israelitas armados é um golpe particularmente duro para
os arménios.
O confronto entre Israel e o
Hamas, em Gaza, tem dominado as notícias ao longo do último mês, mas, como
estamos a ver, essa é apenas uma parte de um conflito muito complexo e que tem
uma variedade de frentes, nas quais o dinheiro e a aquisição de terra são
também armas fundamentais.
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