Stephen P. White |
A semana passada a Santa Sé anunciou que o Papa Francisco tinha decidido levantar o prazo de prescrição nas alegações contra o antigo jesuíta e famoso artista Pe Marko Rupnik. O padre esloveno tem sido acusado por mais de duas dúzias de mulheres de abusos sexuais, espirituais e psicológicos, praticados ao longo de várias décadas. A decisão do Papa de levantar o prazo de prescrição neste caso é, por isso, bem-vindo.
Contudo, a decisão de levantar o prazo de prescrição
sobre estas alegações teria sido muito mais bem-vindo caso tivesse sido tomada bem
mais cedo, e se o caso, até agora, tivesse sido tratado com um pingo de
transparência, e se a concessão à justiça não tivesse tido de ser arrancado a
ferros, por assim dizer, ao Papa, por um grito colectivo de indignação e justa
revolta por parte dos fiéis e, especialmente, por muitas vítimas de abuso
sexual na Igreja.
Não temos espaço aqui para elencar todos os detalhes da
saga do caso de Rupnik, nem sequer os detalhes que são públicos, mas é
necessário fazer um pequeno resumo para compreender o quão inexplicável e
desadequado tem sido o tratamento dado a este caso.
As primeiras alegações conhecidas sobre as más-práticas e
os abusos sexuais cometidos por Rupnik chegaram à atenção dos jesuítas em 2018.
Tendo sido consideradas credíveis, estas alegações foram encaminhadas para a
Congregação para a Doutrina da Fé (CDF). Elas incluíam a alegação de que Rupnik
tinha dado absolvição a uma cúmplice no pecado contra o Sexto Mandamento – um
crime grave que incorre em excomunhão automática.
Em Março de 2020, depois de os jesuítas terem determinado
que Rupnik tinha provavelmente incorrido excomunhão, e depois de terem enviado
o caso para a CDF para maior investigação, mas antes de a congregação ter
confirmado (e subsequentemente levantado) a dita excomunhão, o Pe Rupnik foi
convidado a pregar um sermão quaresmal ao Papa na Cúria Romana.
Um ano mais tarde, em 2021, os jesuítas levaram a cabo
outra investigação de alegações contra Rupnik feitas por membros femininos da
sua antiga comunidade na Eslovénia. Esta investigação determinou que existiam
indícios suficientes para desencadear um processo penal contra Rupnik. Pela
segunda vez em dois anos, as alegações credíveis contra ele foram submetidas à
CDF, desta vez com a recomendação de que fosse iniciado um processo penal.
Estas alegações foram submetidas à Congregação para a
Doutrina da Fé em Janeiro de 2022. Nesse mesmo mês, o Papa Francisco
encontrou-se pessoalmente com Rupnik. Um mês mais tarde o padre foi sujeitado a
novas restrições pelos seus superiores jesuítas. Em Outubro de 2022 a CDF –
agora conhecida como Dicastério para a Doutrina da Fé – determinou que tinha
sido ultrapassado o prazo de prescrição, e por isso não seria aberto um
processo canónico.
No início deste ano, em 2023, os jesuítas abriram outra
investigação interna contra Rupnik – pelas minhas contas, a terceira
investigação no espaço de cinco anos. Entretanto, Rupnik violou as restrições
que lhe tinham sido impostas pelos jesuítas. Esta persistente desobediência
levou-o eventualmente a ser expulso da Sociedade de Jesus em Junho deste ano.
O que nos traz à decisão, tornada pública há duas
semanas, de que o Pe Marko Rupnik tinha sido incardinado na diocese Eslovena de
Koper onde, segundo uma declaração daquela diocese, “goza de todos os direitos
e deveres dos padres diocesanos”.
Como é que é possível que alguém, no ano 2023, pudesse
pensar que a resolução justa para o caso de um padre que enfrenta tantas
alegações, confirmadas como sendo credíveis em tantas investigações diferentes,
de tantos acusadores, ao longo de tantos anos, passasse por devolvê-lo
discretamente ao ministério, num local diferente e sob as ordens de um novo
superior?
Se existe uma explicação boa, razoável ou sequer
plausível para a forma como se tem lidado com o caso, o Vaticano, como de
costume, não tem mostrado qualquer vontade de se explicar a ninguém.
Com Roma a querer dizer o menos possível, a mensagem que
se passa não é de preocupação pelas vítimas, nem de dedicação à transparência,
nem um esforço para restaurar a confiança, nem a determinação de que a justiça
seja não só feita, como se veja que foi feita. Antes, a mensagem que passa
(certamente sem intenção) é de um gritante desprezo pela inteligência dos fiéis
e de total desrespeito pelas vítimas dos abusos sexuais na Igreja.
O problema de tudo isto vai muito para além da culpa ou
da inocência do próprio Rupnik, ou sequer da necessidade de justiça e de cura
para os que possam ter sofrido os seus abusos. É a paciência das vítimas de
abusos que está a se repetidamente posta à prova, a confiança dos fiéis que
está cada vez mais saturada e os obstáculos à proclamação do Evangelho que se
tornam cada vez maiores à medida que a credibilidade da Igreja diminui.
A revolta que se fez sentir com a notícia do regresso de
Rupnik ao ministério foi de tal ordem que a Comissão Pontifícia para a
Protecção de Menores interveio, convencendo o Santo Padre a mudar de rumo.
Ainda bem para a Comissão, e ainda bem para o Papa por voltar atrás no que diz
respeito ao prazo de prescrição.
Tudo dito, é difícil imaginar uma resolução para o caso
de Rupnik que possa desfazer a percepção já criada por este caso, nomeadamente
de que não obstante todos os esforços de reforma, muito elogiados, do Papa
Francisco, na verdade pouca coisa mudou. Como é que a Igreja pode afirmar
credivelmente ter aprendido com as suas falhas do passado no que diz respeito a
criminosos influentes como Maciel e McCarrick, quando ainda hoje se continuam a
passar-se casos inexplicáveis como o de Rupnik?
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na Quinta-feira, 2 de Novembro de
2023)
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