Randall Smith |
Uma reacção possível a esta história seria argumentar
que, se a insistência da Igreja em se opor ao aborto afasta as pessoas, talvez
seja melhor desvalorizar esse ensinamento, uma vez que já não está de acordo
com o “espírito do nosso tempo”. Se eu for gerente de uma loja que vende um
certo estilo de roupa, de que já ninguém gosta, então deixo de oferecer esses
modelos. No mundo dos negócios oferecemos o que atrai os clientes e evita-se
aquilo que os afasta.
Só que a Igreja não é um negócio. Isso pode parecer
ingénuo para alguns, mas deixemos claro que a Igreja, na sua essência, não é um
negócio. E que os leigos não são “consumidores” em busca de um produto.
Sim, a Igreja aceita dinheiro porque precisa dele para
manter as suas actividades em marcha. Mas olhemos para outra instituição que
também aceita dinheiro: a escola. O que pensaríamos de uma escola que dissesse:
“os miúdos não gostam de matemática, por isso deixemos de oferecer matemática”?
Então talvez devamos admitir que a Igreja tem uma responsabilidade análoga: de
ensinar e fazer aquilo que for no melhor interesse dos seus membros, ainda que
estes nem sempre “gostem” e até mesmo se com isso ela não seja “popular”.
Mas há algo mais profundo aqui também, porque a oposição
da Igreja ao aborto baseia-se na revelação divina e na visão da pessoa revelada
em, e através de, Jesus Cristo. Visto desta forma, dizer, “Eu não acredito no
que a Igreja ensina sobre o aborto” equivale a dizer “eu não acredito que o
ensinamento da Igreja sobre a pessoa se baseia na revelação divina”. Tudo bem,
mas essa a definição de um “não católico”.
Se isso vos parecer demasiado radical, então considere-se
o caso de alguém que diz uma das seguintes proposições: “Nem acredito que a
Igreja ensina que: (a) Jesus foi (é) o Filho de Deus feito carne; e/ou (b) que
um Deus feito Homem poderia morrer; e/ou (c) que Jesus ressuscitou
corporalmente dos mortos; e/ou (d) que os fiéis, depois de morrerem, também ressuscitarão
corporalmente dos mortos. Muitas pessoas ao longo da história não têm sido
capazes de aceitar esses ensinamentos, mas a Igreja sempre entendeu que não
faria qualquer sentido identificar-se como o “Corpo de Cristo” se deixasse de
insistir nelas.
O que é que estas pessoas estariam a dizer se recitassem
o credo, no qual todas estas coisas são explicitamente afirmadas? Em vez de
dizer “Creio…”, teriam, se fossem coerentes, de dizer: “Algumas pessoas
acreditaram em tempos que…”. Dizer, alto, diante de Deus e de um grupo de
pessoas, “Creio em x”, quando na verdade não se crê em x, é tudo menos honesto.
O que é preciso que fique claro, então, é que os
ensinamentos morais da Igreja se baseiam numa compreensão da pessoa revelada em,
através de, a pessoa de Jesus Cristo.
Tal como a Igreja não pode simplesmente desvalorizar o
seu ensinamento sobre a mentira, apesar de haver muitas pessoas que mentem, ou
contra odiar o nosso vizinho, ou contra as relações sexuais descomprometidas,
apesar de haver muitas pessoas a fazer ambas essas coisas, assim mesmo a Igreja
não pode simplesmente deixar de proclamar qualquer um dos ensinamentos que se
baseia na sua compreensão da pessoa, derivada da autorrevelação de Deus em
Cristo.
É certo que quanto mais membros de uma cultura se
sentirem atraídos por coisas que a Igreja crê serem destrutivas do
florescimento autêntico do homem, em vez de acreditarem nas coisas que são
conducentes a esse florescimento, mais difícil será convencê-las a serem
“católicas”. Assim também, quanto mais nazis convictos existirem numa
sociedade, menos católicos sinceros haverá – a não ser que se falsifique o
Evangelho para que se possam aceitar.
Mas ninguém tem nada a ganhar quando a Igreja mente sobre
aquilo que ensina, ou sobre as obrigações e proibições que derivam da crença em
Jesus Cristo. Se uma mulher quiser matar bebés por nascer mais do que ser
católica, tudo o que podemos dizer é: “Lamentamos. Amamos-te. Mas não podemos
de forma alguma deixar-te dizer que aceitas a fé católica em Jesus Cristo
quando claramente não é o caso. É um princípio básico da não-contradição: não
se pode afirmar uma coisa e negá-la ao mesmo tempo. Não fomos nós que
inventámos isso, é apenas um princípio básico de lógica. E temos de insistir em
manter essa lógica, porque caso contrário as nossas palavras tornam-se
disparates sem sentido”.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 5 de Setembro de 2023)
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