Józef e Wiktoria Ulma casaram
em 1935 na Igreja de Santa Doroteia, na aldeia de Markowa, na Polónia.
Quatro anos mais tarde começou
a Segunda Guerra Mundial, precisamente com a invasão da Polónia pela Alemanha
Nazi.
Em 1942 os Ulma já tinham
vários filhos quando oito judeus – os seis membros da família Szall e as irmãs
Goldman – vieram pedir ajuda para se refugiar dos nazis, que estavam a proceder
à captura e assassinato sistemáticos dos judeus naquele país.
Józef e Wiktoria tinham todas
as razões do mundo para dizer que não. Já tinham assistido à matança dos judeus
de Markowa no Verão de 1942, sabiam como os nazis eram implacáveis e
sanguinários. Ainda por cima tinham filhos com que se preocupar, mais as suas
próprias vidas para salvaguardar. Todos sabiam que albergar ou auxiliar judeus
era um crime punível com a morte.
Todavia, eles abriram a sua
casa àquelas famílias.
Ao longo destes últimos anos
tenho lido bastantes livros sobre este período da história, incluindo um livro perturbador sobre os homens que compunham os pelotões de polícia alemã
que eram responsáveis por prender e executar judeus em massa na Polónia, um livro quase enciclopédico sobre a perseguição nazi aos católicos na própria da
Alemanha e outro sobre pessoas comuns que resistiram aos nazis na Alemanha também. É muito
simples dizer que os Ulma arriscaram as suas vidas para salvar judeus porque
eram católicos, e porque os católicos são chamados a esse tipo de sacrifício.
Mas é demasiado simples. A Polónia estava repleta de católicos naquele período,
como está agora, e embora haja muitas histórias de homens e mulheres que
arriscaram ou deram mesmo a vida para salvar quem era injustamente perseguido –
sendo que pelo menos 1000 polacos não-judeus foram executados pelos nazis por
essa razão – também não há falta de actos terríveis de violência levados a cabo
contra judeus por cidadãos normais, ou de pessoas que denunciaram aqueles que
escondiam os judeus.
Porque é que os Ulma eram
diferentes? A sua fé era mais profunda? Acho que não será só isso. A meu ver há
aqui um factor importante de decisão racional, assente, certamente – sobretudo
neste caso – numa fé profunda, que sabemos que os animava.
Eu acredito que a dada altura
os Ulma tiveram de pesar aquilo que lhes poderia acontecer caso fossem
apanhados e tomaram uma decisão firme de que estavam dispostos a abraçar essa
cruz caso lhes fosse apresentada. E acredito que é, acima de tudo, essa a lição
que a sua história contém para nós.
Claro que aqui estamos a falar
de um gesto absolutamente radical, mas a verdade é que podem surgir nas nossas
vidas muitas outras situações em que o que está em causa não é a vida, mas o bem-estar,
o conforto material ou financeiro. Se fizermos este exercício para o sacrifício
máximo, creio que estaremos em melhor posição para o podermos pôr em prática
nos sacrifícios mais banais.
Em 1944 um polícia denunciou os
Ulma aos nazis. Parece que era um homem que já tinha ajudado os Szall a troco
de dinheiro e que estava a tomar conta dos seus pertences, e que assim fez
quando eles tentaram reclamar as suas coisas.
No dia 24 de Março de 1944 a
polícia alemã apareceu na casa dos Ulma. Os judeus foram localizados e
executados. Depois toda a família foi reunida. Aparentemente, nesse momento
Wiktoria entrou em trabalho de parto e deu à luz o seu sétimo filho. Sem
qualquer piedade, os nazis executaram toda a família, incluindo o
recém-nascido.
A execução dos Ulma causou
tanto pânico entre os polacos que ainda estavam a esconder judeus, que na manhã
seguinte foram encontrados 24 cadáveres de judeus nos campos. Tinham sido
assassinados pelas mesmas pessoas que lhes tinham dado guarida durante 20
meses.
Em 1995 os Ulma foram
reconhecidos Justos entre as Nações pelo memorial Yad Vashem, em Israel.
Mais recentemente, as
autoridades locais usaram o exemplo da família Ulma como justificação para
acolher ucranianos refugiados e continuar a apoiar a nação ucraniana durante a
guerra.
Agora, no dia 10 de Setembro,
toda a família Ulma será beatificada, depois de terem sido considerados
mártires. Trata-se da primeira vez que uma família é beatificada em conjunto.
No nosso tempo, pelo menos
aqui na nossa realidade europeia e ocidental, temos os nossos desafios, mas
felizmente sabemos que não corremos risco iminente de vida ou de liberdade por viver
a nossa fé. Mas nunca se sabe quão rapidamente essa realidade pode mudar e
podemos ser chamados a actos de heroísmo altruísta, a que a Igreja chama
santidade. Se esses dias chegarem, que tenhamos todos a força e a coragem dos
Ulma e de tantos outros que se sacrificaram pelo bem em todos os períodos da
história.
O martírio dos Ulma, como o de todos os mártires, não foi um ato isolado na sua vida católica. Foi o culminar de uma vida de fé intensa, vivida extraordinariamente no quotidiano das coisas simples da vida familiar. Ler um pouco sobre esta família é descobrir que rezavam em família todos os dias, lendo a Bíblia e rezando o Terço, e participavam da vida paroquial.
ReplyDeleteNão sei como seria a reação dos católicos a uma perseguição generalizada hoje no ocidente, mas temos sido educados para nos preservarmos a nós e aos nossos em primeiro lugar, e a pandemia de 2020 ensinou-nos que a saúde e o conforto vêm primeiro que a Eucaristia. Precisamos urgentemente de exemplos, como o dos Ulma, que nos ajudem a arriscar um bocadinho mais e, para usar a palavra certa, a converter.
Já agora, Filipe, uma palavra sobre a escolha deste tema: parabéns! É que o clericalismo está de tal forma implantado entre os leigos, mais do que entre os sacerdotes, que dificilmente nos chegam notícias que não sejam dos clérigos e consagrados, mesmo aqui na Atualidade. As famílias cristãs, com o seu caminho privilegiado de santidade (porque nada santifica melhor do que a renúncia constante que a vida familiar obriga) estão muito no fundo da escala das prioridades, quando se trata de dar alguma notícia do que vai pelo mundo da religião.
TOTALMENTE PERTURBADOR!!!!!?
Delete