Msgr Charles Fink |
Mas há um facto fascinante
sobre o meu avô. Era um episcopaliano [ramo americano da Igreja Anglicana]
praticante e durante anos foi um pregador leigo na sua igreja do Bronx,
mantendo-se activo à medida que o bairro local se transformava e a congregação
maioritariamente branca se tornou em larga medida negra. E quando se realizou o
seu funeral nessa mesma igreja, um por um, praticamente todos os fiéis, que
eram na esmagadora maioria negros, vieram ter comigo para prestar condolências
e dizer: “O teu avô era um verdadeiro cavalheiro”.
O que devemos fazer disto?
Será que o meu avô merece ser visto à mesma luz que membros do Ku Klux Klan?
Será que todos os fiéis daquela igreja foram enganados por um hipócrita e
charlatão? Será que por causa da natureza, da forma como foi criado e, Deus sabe
lá que mais, o meu avô tinha preconceitos, mas que, sendo cristão e,
fundamentalmente, um homem decente, não permitiu que esses preconceitos
determinassem as suas interacções com os outros?
Antes de ser ordenado padre
católico combati no Vietname, na infantaria. Dois rapazes negros (eramos quase
todos apenas rapazes) do Tennessee ajudaram a integrar-me quando fui enviado
para a frente. Dois meses mais tarde, depois de ter sido ferido numa emboscada,
fui salvo e evacuado por um homem negro robusto e atlético, com mais de dois
metros de altura, e um porto-riquenho baixo e forte que me colocou aos ombros e
me carregou até estar a salvo. No campo de batalha a nossa cor não interessava
nada. Eramos, como se diz, um “bando de irmãos”.
Todavia, nas raras ocasiões em
que regressávamos à base e conseguíamos ir ao bar para descontrair um bocado,
os brancos e os negros iam automaticamente cada um para o seu lado e
sentavam-se separadamente. Já vi acontecer a mesma coisa enquanto padre nos encontros
do clero. Quando chega às refeições os padres negros de todo o mundo que agora
servem nas nossas dioceses – frequentemente em paróquias maioritariamente
brancas e lado-a-lado com párocos brancos, sem qualquer problema – acabam por
se sentar todos juntos na mesma mesa.
Perguntei a um padre do Gana, muito
estimado por todos, se achava que isto era um sinal de racismo. Ele riu-se e
respondeu algo como: “Claro que não. As pessoas simplesmente sentem-se mais
confortáveis com aqueles que são mais parecidos com eles, em termos de raça e
nacionalidade”.
Pergunto-me se muito daquilo
que consideramos racismo na nossa sociedade não é apenas uma questão de nos
sentirmos mais à vontade com aqueles com quem temos maior familiaridade? E
mesmo que, como no caso do meu avô, a situação seja mais grave que isso, se
esse preconceito é tão grave que merece ser denunciado, confundido com ódio e o
seu autor caracterizado como racista ou, como é mais habitual hoje em dia,
culpado de um ou outro tipo de fobia?
O autor, no Vietname |
Jordan Peterson tornou-se
imensamente popular e intensamente polémico, creio que em larga medida pela
mesma razão. Ele tem um sentido apurado da subtileza, complexidade e mistério
da realidade e da natureza humana em particular, e esforça-se por ajudar os
outros a navegar as correntes, frequentemente traiçoeiras, da vida, para que
possam florescer e dar-se bem. Peterson é admirado por aqueles de nós que
apreciamos a sua sabedoria, conhecimento, compreensão e óbvia compaixão, mas é
desprezado por todos aqueles que preferem a simplicidade dos insultos pessoais
e querem colocar toda à gente em gavetas estanques.
O caminho proposto por
Peterson tem a potencial para levar a uma certa medida de harmonia e de paz, o
outro leva a divisão e antipatia sem fim. Não é preciso ser um génio ou um
santo para decidir qual é o melhor caminho a seguir. O meu avô, apesar de ser
ligeiramente preconceituoso, conseguia dar-se bem com praticamente toda a
gente. Tudo o que foi preciso foi alguma cortesia e uma decência cristã básica
que não permitia que as suas próprias preferências e preconceitos determinassem
a forma como ele tratava os outros.
O mestre contador de histórias
e católico devoto J.R.R. Tolkien escreveu, numa carta ao seu filho Michael:
“Recordando os meus próprios pecados e disparates, compreendo que os corações
dos homens frequentemente não são tão maus como os seus actos e muito raramente
são tão maus como as suas palavras”. Um pouco mais desta humildade e caridade
faria muito para sarar a nossa sociedade dividida, ajudando-nos a viver como
vizinhos e não como inimigos.
Monsenhor Charles Fink
Monsenhor Charles Fink é padre
da Diocese de Rockville Centre há 47 anos. Antigo pároco e director espiritual,
está reformado e a viver na Paróquia de Notre Dame, em New Hyde Park, Nova
Iorque.
(Publicado pela primeira vez
em The
Catholic Thing no domingo, 10 de Setembro de 2023)
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