Wednesday, 13 September 2023

Algumas ideias subversivas sobre o racismo

Msgr Charles Fink
O meu avô era aquilo a que se poderia chamar um cavalheiro do antigamente. Vestia-se de camisa e gravata para trabalhar, mesmo quando já era velho e a gerir um pequeno negócio de família, sozinho, numa secretária na cave da sua casa no Bronx. Não me lembro de o ouvir dizer um palavrão, ou a proferir uma palavra enraivecida. Era infalivelmente cortês e simpático, mas estava longe de ser perfeito. Uma das suas muitas falhas era uma forma de preconceito que se manifestava na referência a membros de outras raças com palavras como “escurinhos” ou “chinocas”, frequentemente com um sorriso quase envergonhado, mas nunca de forma trocista. Contudo, pelos padrões actuais, ele era um racista.

Mas há um facto fascinante sobre o meu avô. Era um episcopaliano [ramo americano da Igreja Anglicana] praticante e durante anos foi um pregador leigo na sua igreja do Bronx, mantendo-se activo à medida que o bairro local se transformava e a congregação maioritariamente branca se tornou em larga medida negra. E quando se realizou o seu funeral nessa mesma igreja, um por um, praticamente todos os fiéis, que eram na esmagadora maioria negros, vieram ter comigo para prestar condolências e dizer: “O teu avô era um verdadeiro cavalheiro”.

O que devemos fazer disto? Será que o meu avô merece ser visto à mesma luz que membros do Ku Klux Klan? Será que todos os fiéis daquela igreja foram enganados por um hipócrita e charlatão? Será que por causa da natureza, da forma como foi criado e, Deus sabe lá que mais, o meu avô tinha preconceitos, mas que, sendo cristão e, fundamentalmente, um homem decente, não permitiu que esses preconceitos determinassem as suas interacções com os outros?

Antes de ser ordenado padre católico combati no Vietname, na infantaria. Dois rapazes negros (eramos quase todos apenas rapazes) do Tennessee ajudaram a integrar-me quando fui enviado para a frente. Dois meses mais tarde, depois de ter sido ferido numa emboscada, fui salvo e evacuado por um homem negro robusto e atlético, com mais de dois metros de altura, e um porto-riquenho baixo e forte que me colocou aos ombros e me carregou até estar a salvo. No campo de batalha a nossa cor não interessava nada. Eramos, como se diz, um “bando de irmãos”.  

Todavia, nas raras ocasiões em que regressávamos à base e conseguíamos ir ao bar para descontrair um bocado, os brancos e os negros iam automaticamente cada um para o seu lado e sentavam-se separadamente. Já vi acontecer a mesma coisa enquanto padre nos encontros do clero. Quando chega às refeições os padres negros de todo o mundo que agora servem nas nossas dioceses – frequentemente em paróquias maioritariamente brancas e lado-a-lado com párocos brancos, sem qualquer problema – acabam por se sentar todos juntos na mesma mesa.  

Perguntei a um padre do Gana, muito estimado por todos, se achava que isto era um sinal de racismo. Ele riu-se e respondeu algo como: “Claro que não. As pessoas simplesmente sentem-se mais confortáveis com aqueles que são mais parecidos com eles, em termos de raça e nacionalidade”.

Pergunto-me se muito daquilo que consideramos racismo na nossa sociedade não é apenas uma questão de nos sentirmos mais à vontade com aqueles com quem temos maior familiaridade? E mesmo que, como no caso do meu avô, a situação seja mais grave que isso, se esse preconceito é tão grave que merece ser denunciado, confundido com ódio e o seu autor caracterizado como racista ou, como é mais habitual hoje em dia, culpado de um ou outro tipo de fobia?

O autor, no Vietname
Se der por mim num bairro de alta-criminalidade, de noite ou de dia, serei preconceituoso por estar mais nervoso do que estaria se estivesse a dar uma volta ao quarteirão na minha paróquia ou bairro? Se substituíssemos os nossos polícias por robocops, programando-os para proteger de forma rigorosa os nossos bairros, será que os programávamos a todos da mesma maneira, independentemente da zona que iriam patrulhar? Não é verdade que todos nós estamos constantemente a receber, analisar e interpretar dados, ajustando de acordo o nosso comportamento? Para que mais é que conta a nossa inteligência? Quando aprendemos a conduzir defensivamente, ou ficamos em alerta com o que se está a passar à nossa volta numa plataforma do metro, não é isto que estamos a fazer?

Jordan Peterson tornou-se imensamente popular e intensamente polémico, creio que em larga medida pela mesma razão. Ele tem um sentido apurado da subtileza, complexidade e mistério da realidade e da natureza humana em particular, e esforça-se por ajudar os outros a navegar as correntes, frequentemente traiçoeiras, da vida, para que possam florescer e dar-se bem. Peterson é admirado por aqueles de nós que apreciamos a sua sabedoria, conhecimento, compreensão e óbvia compaixão, mas é desprezado por todos aqueles que preferem a simplicidade dos insultos pessoais e querem colocar toda à gente em gavetas estanques.

O caminho proposto por Peterson tem a potencial para levar a uma certa medida de harmonia e de paz, o outro leva a divisão e antipatia sem fim. Não é preciso ser um génio ou um santo para decidir qual é o melhor caminho a seguir. O meu avô, apesar de ser ligeiramente preconceituoso, conseguia dar-se bem com praticamente toda a gente. Tudo o que foi preciso foi alguma cortesia e uma decência cristã básica que não permitia que as suas próprias preferências e preconceitos determinassem a forma como ele tratava os outros.  

O mestre contador de histórias e católico devoto J.R.R. Tolkien escreveu, numa carta ao seu filho Michael: “Recordando os meus próprios pecados e disparates, compreendo que os corações dos homens frequentemente não são tão maus como os seus actos e muito raramente são tão maus como as suas palavras”. Um pouco mais desta humildade e caridade faria muito para sarar a nossa sociedade dividida, ajudando-nos a viver como vizinhos e não como inimigos.


Monsenhor Charles Fink

Monsenhor Charles Fink é padre da Diocese de Rockville Centre há 47 anos. Antigo pároco e director espiritual, está reformado e a viver na Paróquia de Notre Dame, em New Hyde Park, Nova Iorque.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 10 de Setembro de 2023)

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