Pe. Paul Scalia |
Coitado de São Pedro. A primeira mensagem Urbi et Orbi, por assim dizer, do primeiro Papa, começou de forma pouco auspiciosa. Não foi com uma audaz proclamação de Cristo, mas sim com um desmentido de que os discípulos estivessem bêbados. “Homens da Judeia e todos vós que residis em Jerusalém, ficai sabendo isto e prestai atenção às minhas palavras. Não, estes homens não estão embriagados como imaginais, pois apenas vamos na terceira hora do dia” (Actos 2, 14-15).
É uma cena com bastante piada,
e merece estar incluída na primeira leitura do Domingo de Pentecostes – mas não
só pelo humor. São Pedro toca aqui num aspecto antigo, mas essencial da devoção
ao Espírito Santo: a sóbria embriaguez. Talvez mais valia ter dito que de facto
os apóstolos estavam embriagados, mas não da forma como as multidões supunham.
Estavam sob o efeito da sóbria embriaguez do Espírito Santo que mais tarde
seria encorajada por São Paulo: “E não vos embriagueis com vinho, que leva à
vida desregrada, mas deixai-vos encher do Espírito” (Efésios 5,18).
Santo Ambrósio pegaria mais
tarde neste tema e escreveria o verso: Laeti bibamus sobriam ebrietatem
Spiritus – “Alegres bebamos a sóbria embriaguez do Espírito”, enquanto
ensinava que “aquele que se embriaga de vinho cambaleia; aquele, porém, que se
inebria do Espírito Santo é enraizado em Cristo. Verdadeiramente excelente é
esta embriaguez que produz a sobriedade da alma!” Esta é uma embriaguez que não
conduz ao cambalear a arrastar da voz, mas à estabilidade e à clareza. Temos de
deixar que o Espírito a produza em nós.
Tal como qualquer paradoxo, é
preciso que ambas as partes sejam professadas com igual força. A embriaguez que
não seja do espírito é devassidão, ou, na melhor das hipóteses, patetice. A
sobriedade sem esta embriaguez é rígida e morta, sem a liberdade que o Espírito
concede.
Talvez a característica mais
evidente de uma pessoa embriagada seja a alegria. Isso condiz bem com o fruto
que o Espírito Santo deseja produzir em nós, a distintiva alegria dos
seguidores de Cristo. Trata-se da própria alegria de Deus que a alma possui,
independentemente das circunstâncias, e até por entre grandes sofrimentos.
Isto é o que encontramos ao
longo dos Actos dos Apóstolos, protagonizados pela Igreja animada pelo Espírito
Santo. Os Apóstolos deixam o sinédrio “cheios de alegria, por terem sido
considerados dignos de sofrer vexames por causa do Nome de Jesus” (Actos 5,41).
O Espírito leva Paulo e Silas a cantar na prisão de Filipos. E assim continuou
a ser ao longo da história da Igreja, nas vidas de todos os que se entregaram
ao Espírito. São Francisco de Assis e Madre Teresa de Calcutá alegraram-se na
sua pobreza. Tal como Paulo e Silas em Filipos, também São Maximiliano Kolbe
cantou na câmara da morte em Auschwitz.
Vivemos num tempo zangado, sem
humor. E há muitas coisas sobre as quais devemos estar zangados. Ainda assim,
embora toda a gente deseje a alegria, a maioria das pessoas contentam-se com o
prazer. Embriagados pelo Espírito, os cristãos devem revelar a alegria que só
Ele traz e que Deus deseja para todos.
Não é que isso nos permita
sermos ordinários ou arrogantes. Disso já temos o que baste. Antes, dá-nos a
coragem de falar com alegria sobre as questões difíceis e complicadas da fé,
sem procurar adequá-las ao pensamento do mundo. Ao fazê-lo, encontramo-nos em
boa companhia – não só a de Pedro e dos Apóstolos no Pentecostes, mas também do
Senhor quando a sua própria família anunciou “está fora de si” (Marcos 3,21).
Mas também é preciso sobriedade.
Esta não é uma embriaguez que arruína vidas e leva ao arrependimento. Pelo
contrário, traz maior sobriedade, uma razoabilidade mais profunda e uma maior
claridade de pensamento e de palavra. Em Éfeso os artesãos revoltaram-se contra
Paulo e os outros discípulos que tinham “virado o mundo de pernas para o ar”
(Actos 17,6). O Cristianismo virou de facto o mundo pagão às avessas. Mas fê-lo
apenas para introduzir uma nova forma de pensar, que já não estava alinhada só com
o pensamento humano, mas com a sabedoria divina. Se esta embriaguez vira as
coisas às avessas, é só para as colocar numa base mais firme.
Um outro paradoxo desta sóbria
embriaguez é o facto de nos ter sido adquirida pela triste Paixão de Nosso
Senhor. Na sua própria hora de sóbria embriaguez, Cristo conquista para nós o
Espírito ao verter o seu Sangue na Cruz. Assim, o dom do Espírito está
associado ao Precioso Sangue de Jesus. “Sangue de Cristo, inebria-me”, cantamos
no Anima Christi. E na Missa Votiva do Preciosíssimo Sangue, o padre reza
depois da comunhão que “sejamos sempre lavados pelo Sangue de nosso Salvador; torne-se
ele em nós uma fonte que jorra para a vida eterna.”
E hoje no altar, onde se
re-apresenta o verter do seu sangue, rezamos que o Espírito produza nas nossas
almas aquela sóbria embriaguez através da qual levamos aos outros a chocante
alegria do Evangelho que estabiliza o mundo.
O Pe. Paul Scalia é sacerdote
na diocese de Arlington, pároco da Igreja de Saint James em Falls Church e
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez
no domingo, 28 de Maio de 2023 em The Catholic Thing)
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