Stephen P. White |
O conteúdo do documento é simultaneamente
horrível e vergonhosamente familiar para quem tem estado a seguir a crise de
abusos na Igreja Católica. Não é só a questão dos abusos depravados, mas também
as mentiras, a incapacidade de compreender a gravidade do mal, a deferência
para com os abusadores, a indiferença para com as vítimas, as mudanças de
paróquia de padres abusadores, o encobrimento.
Cada instância de abusos constitui
um momento de grave trauma e dor na vida da vítima. Porém, por mais que nos
esforcemos, ao ler um relatório destes os eventos terríveis começam a
confundir-se. Se lermos um número suficiente deste tipo de documentos,
começamos a ser imunes aos detalhes.
Mas há algumas coisas que
ficam. Um dos detalhes mais preocupantes – se bem que menos gráficos – do
relatório de Maryland é que 11 dos 137 padres nomeados no documento serviram na
mesma paróquia entre 1964 e 2004. Contudo, a maioria das histórias, tanto de
abuso como de falha no tratamento dos casos, são pateticamente previsíveis.
Mas ao ler este relatório
houve outra coisa que sobressaiu. A Procuradoria-Geral de Maryland acaba de
passar cinco anos a investigar a Arquidiocese de Baltimore, procurando qualquer
prova de abuso sexual de crianças. Intimou centenas de milhares de páginas de
documentação da Arquidiocese, conduziu centenas e centenas de entrevistas. E o
que é que se conclui no final de tudo?
Resumindo, o relatório é confirmação
independente de que a Igreja Católica, pelo menos na Arquidiocese de Baltimore,
tem sido muito bem-sucedida em prevenir abusos, lidar com alegações quando
estas surgem, e demonstrar transparência na condução desses casos. Levou
demasiado tempo, e a um custo demasiado alto, especialmente para as vítimas,
mas também para os fiéis – cuja confiança nos seus líderes sofreu uma erosão
dramática.
Ainda assim, a tendência de
melhoria é inconfundível. Como sabemos através de estudos nacionais, os
incidentes de abuso sexual clerical na Igreja Católica neste país tiveram o seu
ápice nos anos entre 1960 e 1980, depois caíram a pique.
Os casos sublinhados neste relatório
revelam a mesma tendência. Têm sobretudo, mas não exclusivamente, mais de 25
anos – ou seja, antes da passagem do milénio. Em média, a data de ordenação dos
padres nomeados neste relatório é 1960. Nenhum dos padres acusados foi ordenado
depois de 1989. Dos abusadores nomeados, 103 já morreram. Dos 137 padres
nomeados no relatório, 53 eram membros de ordens religiosas. (o relatório
nomeia ainda cinco diáconos, quatro leigos e duas religiosas). Dos padres de
Baltimore nomeados, apenas três nasceram em 1950 ou mais tarde, e todos esses
já estavam referidos publicamente pela Arquidiocese como credivelmente acusados
desde 2002.
Nos anos 90 a forma como se
lidava com casos de abusos já tinha melhorado, mas faltava ainda a claridade e
a firmeza de decisão que veio com a Carta de Dallas, em 2002. Sempre que são
referidos no relatório, tanto o actual Arcebispo de Baltimore, o Arcebispo
William Lori como o seu antecessor, Cardeal Edwin O’Brien, tomaram as medidas
apropriadas para tratar das alegações. Por vezes até foram para além do
expectável para garantir que os padres fossem afastados do ministério, ou que
Roma tomasse as medidas necessárias.
A forma como a arquidiocese
lidou com casos nos piores anos foi claramente inaceitável, ainda que fosse
típico da época. E era bastante típico para a época. O relatório em si
confirma-o quando elenca a história dos estatutos criminais relativos ao abuso
sexual de menores por parte de Maryland.
Arcebispo William Lori, de Baltimore |
Claro que a medida para
avaliar a forma como a Igreja lidou com casos de abusos não é o Estado, mas sim
a lei da Igreja e, no final de contas, o Evangelho. Mas vale a pena sublinhar
um ponto: não é apenas a Igreja Católica que tem evoluído e adaptado ao longo
dos anos na compreensão do abuso sexual de crianças.
Há duas semanas o governador
de Maryland assinou uma lei a revogar permanentemente o prazo de prescrição
para processos civis de abuso sexual infantil. Esta foi a principal
recomendação, e o principal objectivo, do relatório da procuradoria. Esta
mudança tem efeitos retroactivos. Para além disso, a nova lei coloca limites às
indemnizações nestes casos, mas esses limites são quase o dobro para
instituições privadas – como é o caso da Igreja – do que para as instituições
públicas (como escolas).
Se a lei se mantiver – a sua
constitucionalidade está a ser contestada – a Arquidiocese será sujeitada a uma
torrente de processos. A Conferência Católica de Maryland opôs-se ao
levantamento retroactivo dos prazos de prescrição, embora tanha defendido a sua
eliminação daqui em diante.
Devia ser claro que a Igreja
ainda tem muito que pagar pelos pecados e os crimes do passado. A vergonha e a
verdade aqui é que o fardo desses pecados e crimes tem sido carregado pelos
inocentes: as vítimas, em primeiro lugar, mas também de forma real, a
totalidade dos fiéis.
Não há nada para celebrar no
relatório de Maryland, o seu conteúdo é demasiado doloroso e vergonhoso para
isso. Mas há décadas que a Igreja se tem esforçado para recuperar a confiança,
insistindo que no meio da podridão já tem feito progressos assinaláveis, bem
como reformas duradouras e eficientes a favor da transparência e da
responsabilidade.
O procurador-geral de Maryland
acaba de passar cinco anos a provar que, pelo menos na diocese mais antiga da
nação, a Igreja Católica está a dizer a verdade.
Stephen P. White é
investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em
Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing na Quinta-feira, 20 de Abril de 2023)
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