Esta é a transcrição integral, no português original, da minha entrevista a Maria do Céu Patrão Neves, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, para a reportagem que publiquei recentemente no The Pillar.
Incomoda o facto de os
sucessivos pareceres negativos do Conselho terem sido ignorados?
O Conselho Nacional de
Ética para as Ciências da Vida não deu um Parecer negativo ou positivo;
apreciou os textos das propostas de lei que lhe foram enviados, identificou os
aspectos eticamente problemáticos e apontou caminhos alternativos a considerar,
através das suas recomendações.
O facto de entidades
públicas, nomeadamente as que detêm competências legislativas, solicitarem
parecer ao CNECV, no âmbito das suas competências específicas, e posteriormente
não o tomarem em consideração, evidencia que contributos que poderiam ser
efectivamente integrados em prol de uma melhoria da qualidade legislativa não
foram. São oportunidades perdidas.
O Conselho tem um largo espectro de
sensibilidades ideológicas, filosóficas, com um largo espectro de formação
académica, científica, profissional, funcionando quase como uma micro
sociedade. Por isso o parecer do conselho e os consensos que são possíveis de
construir ao nível do Conselho, reflectem em grande parte a sensibilidade do
que seria a sociedade portuguesa, se fosse possível ouvir cada um dos cidadãos.
Daí a nossa convicção de
que as recomendações do Conselho deveriam merecer uma atenção maior por parte
do legislador. Receamos que, por vezes, quando a lei exige um pedido formal de
parecer, quando os processos democráticos de decisão estipulam como conveniente
a solicitação de pareceres, nos quedemos pela formalidade, isto é, o parecer é
oficialmente solicitado, mas não substantivamente acolhido. Importa reflectir
sobre o teor desses mesmos pareceres e integrá-los, mesmo que não
necessariamente na íntegra, atendendo a outros valores ou interesses que os
legisladores tomem em consideração. Em todo o caso, surpreende-nos que, no
mínimo, as grandes questões éticas apontadas pelo Conselho sobre o diploma da
eutanásia, bastante sólidas do ponto de vista ético, e consensualizadas entre
conselheiros que são a favor e contra a eutanásia, tenham sido ignoradas ou
descartadas.
Esta não é uma realidade
constante. Há outras situações em que os pareceres do conselho foram acolhidos,
ainda recentemente, na regulamentação sobre a gestação de substituição: na
segunda proposta de regulamentação, encontramos muitas das recomendações do
Conselho à primeira proposta bem integradas. No que diz respeito à eutanásia,
lamentavelmente, descartaram-se as recomendações do Conselho, não obstante
serem absolutamente estruturantes.
Qual é a principal
preocupação do CNECV agora?
Em relação a esta matéria,
aguardamos a respectiva regulamentação. A lei já foi promulgada, e fica como
está. Agora vamos apreciar a proposta de regulamentação na expectativa que
possa vir a acautelar alguns aspectos, certamente menores, que apontámos
anteriormente. Quanto aos estruturantes omissos…, perdeu-se a oportunidade.
Identifico dois. O primeiro diz respeito ao facto de o texto aprovado e já
promulgado sobre a eutanásia prever que quem solicita a eutanásia tem
efectivamente acesso a cuidados paliativos. O Conselho pergunta se realmente a
solicitação da eutanásia constitui uma porta facilitadora do acesso a cuidados
paliativos sabendo-se que, em Portugal, apenas 30% da população que carece de
cuidados paliativos tem acesso aos mesmos. 70% dos que necessitam de cuidados
paliativos não têm acesso a eles. Agora temos uma lei da eutanásia que afirmar
solicitar a eutanásia dá acesso aos cuidados paliativos. Parece francamente
discriminatório e, no limite, quase que encorajador da solicitação da
eutanásia, mesmo que depois se revogue esse pedido, utilizado como acesso a
cuidados paliativos. Claro que esta interpretação é absurda, mas resulta do
texto da lei.
O segundo aspecto é também
bastante gravoso. Sendo ao abrigo do princípio da autonomia que se
descriminaliza a eutanásia, verificamos que todo o poder ao longo do processo
está nas mãos do médico orientador. Esta sua quase hegemonia tem o seu
corolário no facto de ser ele a escolher e /ou a autorizar quem estará presente
no acto de eutanásia. A pessoa que vai ser eutanasiada pode propor as pessoas
que gostaria de ter presente nos seus últimos momentos de vida, mas a
autorização tem de ser dada pelo médico assistente. Isto é um contrassenso, que
não respeita de todo a autonomia de quem solicita a eutanásia.
Estes são apenas dois dos
mais graves erros estruturantes que a actual lei apresenta, tendo havido
extensa oportunidade para serem corrigir, o que não foi feito.
Vai nomear alguém para a
Comissão de Avaliação?
O Conselho nomeará um
conselheiro para integrar esta comissão quando tal nos for solicitado.
Chocante!!!
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