Francis X. Maier |
É um anúncio para algo caro –
férias na Jamaica, um Cadillac eléctrico, um conjunto de implantes dentários, esqueço-me
do produto, mas não interessa. Uma actriz atraente, por volta dos 40 anos,
explica porque é que o adquiriu. Sim, pode parecer caro, mas ela queria-o,
merecia-o e, explica, “tive de aprender a pôr-me em primeiro lugar”. Depois
voltámos às imagens da redação, com opinadores a comentar a carnificina na
Ucrânia.
“Tive de aprender a pôr-me
em primeiro lugar”. Por um instante a minha imaginação viaja e imagino esta
pobre criatura do anúncio, envolvida numa batalha titânica contra o seu “eu”
altruísta por um conjunto de implantes dentários.
Mas a minha mulher, estupefacta,
estraga o sonho. “O que é que aquela mulher acabou de dizer?” A minha cara
metade trabalhou a vida toda em educação, e depois de quatro décadas a lidar
com miúdos – a maioria dos quais quase tão centrados em si mesmos como é
possível ser – ela tem a credibilidade calejada. Ela sempre adorou os seus
alunos, mas nunca observou neles, nem em mais ninguém, qualquer problema em
“aprender” a “colocar-se em primeiro lugar”. Claro que o seu cepticismo não é
bem-vindo numa economia de consumo. Tenho uma razão para falar disto, já lá vou.
A guerra na Ucrânia tem todos
os elementos de um videojogo excepcionalmente realístico. Só que aqui há
pessoas verdadeiras e estão mesmo a combater e a morrer. Há poucas imagens no
passado recente que nos marcam tanto como as de homens ucranianos a escoltar as
suas famílias até à fronteira polaca e depois a voltar para trás para combater.
Sim, eles são obrigados a ficar para lutar, mas a maioria fá-lo, e fá-lo
voluntariamente, como se vê pela teimosa resistência à invasão russa.
Eles lutam por algo mais
importante que si mesmos, e neste caso trata-se da sua nação, das suas
famílias, casas e compatriotas. E eles lembram-se. Lembram-se da selvajaria que
foi a Segunda Guerra Mundial que violou e pilhou a Ucrânia. Lembram-se de como
os bolcheviques perseguiram as suas igrejas, as deportações soviéticas de
agricultores, académicos e clero inocentes, e lembram-se do Holodomor, a
campanha genocida de fome que Estaline impôs à Ucrânia, matando milhões.
Seria demasiado melodramático
descrever a resistência ucraniana como “destemida”, afinal o temor da morte é
uma característica humana universal. Mas a vontade de arriscar a própria vida
por uma causa maior revela uma liberdade autêntica, uma liberdade que vem da abnegação
e não da auto-indulgência. É uma liberdade que contrasta de forma desagradável
com aquilo a que nós costumamos chamar “liberdade”, do conforto das nossas
vidas.
Para isso é preciso um
currículo social de constante excitação do apetite popular por mais – e é por
isso que Postman também sugere que aos estrangeiros basta olhar para Las Vegas
para compreender a América. Aqui, no coração do império, longe de terras
curiosas como a Ucrânia, vivemos cada vez mais numa permanente bolha de
presente; uma bolha que não está carregada de memória ou das suas lições,
infestada de distrações, falsos prémios (reembolso de todas as compras em
dinheiro!), apetites manufacturados e ilusões mascaradas de liberdade.
Para proteger essa bolha precisamos
de agentes ágeis, com capacidades analíticas superiores, fundados na psicologia
comportamental. Sem grandes surpresas, Las Vegas é um bom modelo. Em Addiction by Design: Machine
Gambling in Las Vegas, a professora Natasha Dow Schüll, do MIT, descreveu
o enorme esforço feito pela indústria do jogo para conhecer, alimentar e assim
moldar os seus clientes. Os dados coligidos pela indústria acabam assim por
determinar o aspecto, a sensação e o equilíbrio risco-benefício da experiência.
Assim os clientes continuam a regressar e, no final de contas, a perder. O
jogador individual numa máquina está sozinho e profundamente isolado na sua própria
zona mental, aguentando por vezes um dia inteiro sem parar para comer ou para
ir à casa de banho e sem outros jogadores a chatear.
Uma das viciadas com quem
Schüll falou, uma mulher chamada Mollie, descreveu a sua experiência assim:
Quanto mais jogava, mais
sábia ficava sobre as minhas possibilidades [de ganhar]. Mais sábia, mas também
mais fraca. Menos capaz de parar. Hoje quando ganho – e de vez em quando ganho –
meto tudo de volta nas máquinas. O que as pessoas nunca percebem é que eu não
estou a jogar para ganhar. Eu jogo para continuar a jogar – para continuar
naquele ambiente da máquina em que mais nada interessa. Todo o mundo gira à
nossa volta, mas não conseguimos ouvir mais nada. Não estamos verdadeiramente
presentes – somos nós e a máquina, só nós e a máquina.
Outras indústrias têm visto e
aprendido, adaptando técnicas de psicologia comportamental para os seus próprios
fins. A publicidade é um exemplo.
“Tive de aprender a
colocar-me em primeiro lugar.” É uma simples frase, apenas oito palavras.
Mas não a consigo tirar da cabeça, porque levanta uma simples questão. Afinal de
contas quem é que é verdadeiramente livre? Os combatentes nos escombros da
Ucrânia, ou nós?
Francis X. Maier é conselheiro
e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como
Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para
as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.
Publicado pela primeira vez
em The Catholic Thing na quinta-feira, 17 de Março de
2022)
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